5.5.04

Abaixo o consumo

No outro dia fui briefado por um cliente do Norte que, para descrever o seu problema de vendas, dizia que as donas de casa mais velhas ainda "gastavam" o seu produto, enquanto que as mais novas, assediadas pela concorrência, já não o "gastavam".

Achei curioso esse uso, suponho que regional e mais arcaico, do verbo "gastar" em lugar de "consumir". Mas o que mais me chamou a atenção foi o facto de serem sinónimos tão perfeitos. "Consumir" uma coisa nada mais é, afinal, do que acabar com ela, gastá-la, fazê-la desaparecer.

Nunca tinha reparado nisso -- e menos ainda na visão de nós próprios que aceitamos quando nos deixamos qualificar de "consumidores". É claramente uma visão de fabricante, cujo único interesse é que os seus produtos sejam "consumidos", isto é, gastos, destruídos, para que seja possível pôr outros à venda. Já a quem compra não interessa nada "consumir" o que comprou. Interessa utilizá-lo -- aliás, quanto menos tiver que "consumir", melhor.

A ideia embutida na palavra "consumidor" é a mesma que está por trás da obsolescência programada, ou de truques como os dos mecânicos que, reza a lenda, provocam novos defeitos nos carros para obrigar os clientes a voltar. É uma lógica voltada para o "consumo", não para o uso. Portanto, totalmente contrária aos interesses dos ditos "consumidores".

Assim sendo, a partir de hoje declaro que me sentirei ofendido por quem quer que se atreva a me tratar por semelhante nome. Chamem-me utente, utilizador, usuário, freguês -- ou, melhor ainda, chamem-me Estimado Cliente. "Gastador" é que não.

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