30.12.04

Às vezes fico confuso



Leio no último número da Marketeer, acabadinho de sair, um artigo sobre uma nova marca de vestuário para homens recém lançada.

Fico então a saber que uma empresa portuguesa, constatando que o mercado se encontra «saturado de marcas italianas, inglesas e americanas», decidiu tentar outra coisa para se diferenciar. E que coisa foi essa?

«Olha, que engraçado - observaram eles - o mercado de vestuário não está saturado de marcas suíças». De maneira que, sendo a nova marca uma marca de qualidade (e como poderia não o ser?), os gestores somaram um e um e criaram a marca Helvetica, dado que «a qualidade é um parâmetro transversal a todo o conceito» (qual conceito?) e «a Suíça é o melhor exemplo para traduzir parâmetros como a confiança, credibilidade, qualidade».

De modo que, meus amigos, aí vamos ter brevemente, numa loja perto de nós, uma nova marca diferenciada de vestuário de qualidade chamada Helvetica.

Entusiasmados com a perspectiva? Não? Mas notem bem: é roupa suíça, é roupa de qualidade, é roupa de confiança, é roupa credível, é roupa rigorosa, é roupa pontual.

Podia ser um relógio, podia ser um banco, podia ser um canivete, podia ser um chocolate, mas não é: é roupa. Para homem. Perceberam?

28.12.04

É só papel...



Haverá coisa mais vulgar do que um caderno de apontamentos?

Mas esperem: este foi usado por Hemingway, Picasso, Van Gogh, Matisse, Céline, Breton e Chatwin! Logo, esta humilde colecção de folhas de papel coladas a uma lombada não é um caderno como outro qualquer.

Registou as impressões do momento de grandes artistas, recolheu as meditações de grandes pensadores, inspirou obras de génio.

Sem ele, quantos instantes de inspiração teriam sido olvidados para sempre, quantos sublimes vislumbres teriam abortado por falta de um instrumento que registasse a sua frágil ocorrência, quantas ideias em germe teriam desaparecido vítimas da cruel pressão dos acontecimentos?

Consciente desses temíveis riscos, Bruce Chatwin, que comprava estes cadernos antes das suas viagens na pequena papelaria da Rue de l’Ancienne Comédie, em Paris, escrevia em todos os eles o seu nome e endereço e oferecia uma recompensa monetária a quem os encontrasse no caso de se perderem.

Um dia, porém, a empresa de Tours que os fabricava encerrou, e Chatwin recebeu uma breve mensagem dizendo: «Le vrai moleskine n’est plus».

A força do Moleskine reside nesta efabulação de marca, na capacidade de transcender a sua aparência trivial por meio de um relato inspirador. O Moleskine apropriou-se, com uma história bem contada, do poderoso mito da criação.

Moleskine é uma promessa de experiência que nos eleva ao nível dos grandes autores cujas obras admiramos. Mas é também, inevitavelmente, uma responsabilidade. Não se nos pede que ascendamos ao nível de Hemingway, mas exige-se-nos que estejamos, pelo menos, ao nível das nossas ambições de criatividade e realização pessoal.

A Modo & Modo, empresa italiana que em 1998 tomou conta da marca, dá-nos um grande exemplo de como um produto banal pode ser diferenciado com alguma imaginação e cultura.

Na capa, uma sóbria badana vermelha recorda-nos em breves palavras a lenda do Moleskine enumerando alguns dos seus ilustres proprietários. A ideia de Chatwin foi apropriada: a entretela sugere o registo de um endereço para devolução em caso de extravio e a indicação da recompensa monetária oferecida. Um pequeno folheto conta a história do Moleskine original em quatro línguas: italiano, francês, inglês e alemão. Atenta às necessidades do mercado, a Modo & Modo disponibiliza uma variedade de moleskines para todos os usos: cadernos de apontamentos (simples, com linhas e com quadrícula), cadernos de esboços artísticos, álbum japonês, livro de endereços, diário de bolso, agenda, etc., tudo isto em vários formatos e encadernações.

Se um caderno de apontamentos pode ser diferenciado, o que é que não poderá sê-lo?

(Trabalho de casa: porque é que isto foi feito por uma empresa italiana, e não por uma empresa portuguesa? O que é que faltou aqui? Terá sido o papel? Terá sido a ajuda do ICEP? Será por os impostos serem demasiado altos? O que foi?)

18.12.04

O pós-presente

Prever o futuro é, como se sabe, uma actividade inevitavelmente condenada ao fracasso. A única coisa que podemos fazer de útil é observar o que já aconteceu e estar atento às consequências que daí poderão decorrer.

Eis alguns factos interessantes do mundo de hoje:

1. Pela primeira vez, ao cabo de uma interdição de 6 anos, a Comissão Europeia autorizou a plantação de 17 espécies de milho geneticamente modificado.

2. A captura de algumas espécies de peixe ultrapassou nalgumas zonas em 300% os níveis autorizados.

3. Descobriu-se que o cacau contém 2 vezes mais oxidantes do que um copo de vinho tinto e 3 vezes mais do que uma cávena de chá, pelo que passou a ser considerado um alimento saudável.

4. No sector automóvel, o excesso de capacidade a nível mundial situa-se entre os 25 e os 30%.

5. Os novos sistemas electrónicos a instalar nos automóveis permitirão a sua localização permanente. Má notícia para os ladrões.

6. Com os mercados dos países desenvolvidos a atingirem a maturidade, as grandes cadeias retalhistas mundiais põem-se agora a caminho do Terceiro Mundo.

7. Os sistemas RFID (identificação de produtos por frequência de rádio) estão a substituir rapidamente os códigos de barras. Primeiros utilizadores: Gillette, Gap, Procter & Gamble, Tesco, Wal-Mart.

8. Um dos principais focos do investimento militar norte-americano são as naves aéreas não tripuladas.

9. Outra prioridade militar norte-americana: bases militares flutuantes. (Não, não se trata de porta-aviões.)

10. A população mundial com acesso à internet ultrapassará um bilião de pessoas em 2005.

11. O crescimento do e-commerce na Europa deverá rondar em média os 33% ao ano até 2009.

12. Nos EUA, o e-commerce equivale já a 7% das vendas totais do retalho, estimando-se que essa percentagem subirá para 12% em 2005.

13. No Japão, os telemóveis podem já ser usados como instrumentos de pagamento em substituição dos cartões de crédito.

14. No sector alimentar, os maiores crescimentos e as maiores margens registam-se nos mercados de produtos saudáveis.

15. Outro segmento em crescimento: os alimentos éticos lançados com a finalidade de promover condições de trabalho humanas nos países do Terceiro Mundo de onde são originários. O Common Code for the Coffee Community foi assinado pela Nestlé, pela Kraft e pela Sara Lee.

16. O envelhecimento natural da população fará dos cuidados de saúde uma das indústrias de mais rápido crescimento nas próximas décadas, com grande impacto, designadamente, no turismo.

17. A Europa de Leste está a converter-se num grande centro produtor de medicamentos genéricos de baixíssimo custo.

18. A biotecnologia é já responsável por mais de um quarto dos novos medicamentos lançados no mercado.

19. A cirurgia robótica, aprovada pelo FDA nos EUA, dará os primeiros passos em 2005. Promete menos perdas de sangue, menos complicações pós-operatórias e recuperações mais rápidas.

20. Os mini-hard-drives de 2 giga e 0,85 polegadas começarão a ser incorporados em relógios de pulso, PDAs e auscultadores MP3.

21. O aumento da penetração da banda larga cria condições para uma rápida expansão da publicidade online.

22. Os écrãs FOLED (tecnologia Flexible Organic Emitting Diode) prometem substituir o papel em múltiplas aplicações, dado pemitirem descarregar jornais e revistas da internet e levá-los debaixo do braço para qualquer sítio.

23. Em 2005, a China será responsável por 1/3 do consumo mundial de ferro e aço.

24. Um terço dos habitantes do planeta possuirá um telemóvel em 2005, contra apenas um quarto que tem um telefone fixo.

25. As chamadas telefónicas através da internet são já hoje um concorrente sério às telecomunicações tradicionais.

26. Definitivamente, a video-telefonia não atrai os consumidores.

27. Dentro de poucos anos, a China utrapassará os EUA como a primeira fonte de origem de turistas.

28. Entrará em funções o novo Airbus A380, com capacidade para 555 passageiros.

29. Vai passar a ser possível usar o telemóvel a bordo dos aviões comerciais.

(Informações extraídas do número especial do Economist “The World in 2005”.)

No Natal, a qualidade da publicidade melhora imenso (3)


E entretanto, na Alemanha...

A Der Spiegel desta semana traz como reportagem de capa uma extensa matéria sobre um fenómeno que não nos podia ser mais familiar. Resumindo muito, o consumidor, ao longo da última recessão, ganhou o pernicioso hábito de ligar mais aos preços do que às marcas. Passada (?) a recessão, no entanto, o hábito não se perdeu. O resultado é o enorme crescimento de insígnias como o Lidl ou H&M. E o sintoma mais assustador é o que vemos, também nos nossos shoppings, nesta quadra que deveria ser de alívio para quem comercializa produtos "de marca": em pleno Natal, estão em saldos.

Tempos interessantes, estes, para a malta do marketing.


Receita para a incompetência

1. Don Schulz, professor na Northwestern University, acha que o prestígio do marketing junto das administrações de topo das empresas americanas se encontra no seu nível mais baixo.

2. Um estudo encomendado pela Association of National Advertisers concluíu, pelo contrário, que, para os CEOs, o marketing é mais importante do que nunca para as empresas, e que essa importância ainda vai aumentar mais.

3. Segundo o mesmo estudo, porém, a actual gestão de marketing não se encontra à altura dos novos desafios.

4. A mais importante razão de queixa em relação aos departamentos de marketing é a incapacidade de justificarem com resultados objectivamente mensuráveis os investimentos que propõem.

5. O tempo médio de permanência no seu posto dos Chief Marketing Officers nos EUA é actualmente de 23 meses.

(Uma pista: talvez este último facto ajude a explicar os outros quatro.)

No Natal, a qualidade da publicidade melhora imenso (2)


16.12.04

Quem ganha com as prendas de Natal

Segundo o professor Joe Waldfogel da Universidade de Wharton, as compras feitas pelos consumidores para si mesmos geram um nível de satisfação entre 10 a 18% superior por dólar gasto ao dos objetos que lhes são oferecidos de presente. Quer isso dizer que as opções de compra feitas por terceiros tendem a gerar menos satisfação do que as nossas opções pessoais.

Aparentemente, existiria um ganho económico para todos se apenas oferecessemos uns aos outros cheques de compra – uma perspectiva bastante sinistra, em minha opinião.

Todavia, o professor Waldfogel (parece um nome de cientista de banda desenhada) reconhece que, «se acabássemos com a prática de dar presentes, incentivando as pessoas a dar dinheiro no lugar de objetos, o ganhador, de certa forma, seria beneficiado com essa troca, mas a experiência não seria tão boa para o doador.»

O facto é que oferecer algo a alguém contém um simbolismo que a mera transacção económica não capta. Perder tempo a escolher algo significa que nos preocupamos o suficiente com essa pessoa para nos esforçarmos por entender o que lhe vai na alma. Mas é evidente que, quando falhamos redondamente desse desiderato, o efeito pode ser o oposto do pretendido.

Mesmo assim, digo eu, ignorem o conselho do professor Waldfogel e dêem presentes em vez de dinheiro.

15.12.04

No Natal, a qualidade da publicidade melhora imenso


5.12.04

Comprem este livro porque...



1. 90% dos gestores de produto desconhecem 90% das verdades contidas neste livro.

2. A qualidade da comunicação de marketing produzida em Portugal melhoraria drasticamente se os que trabalham nesta área entendessem o que aqui se diz.

3. O livro é particularmente forte no que toca ao tema do posicionamento que, como se sabe, é o fulcro da estratégia de marketing.

4. O livro está muito bem escrito.

5. O autor revela um nível cultural muito superior àquele que, infelizmente, é corrente nesta maldita profissão.

6. É o primeiro bom livro sobre o assunto editado em Portugal.

7. Se querem que sejam editados mais no futuro, têm que provar ao editor que há público para eles. Já que todos os anos oferecemos no Natal livros que não vão ser lidos, o melhor é oferecer este.

24.11.04

Marketing Relacional - para saber mais

De vez em quando perguntam-me que livros recomendo sobre Marketing Relacional. Eis os que costumo sugerir:

Base

Christian Grönroos, Service Management and Marketing: A Customer Relationship Management Approach (2nd ed.), Wiley, 2000. (Há tradução brasileira: Gerenciamento de Marketing de Serviços, Campus, 2002.)

Evert Gummesson, Total Relationship Marketing (2nd ed.), Butterworth-Heineman, 2002.

Dois livros por dois autores da escola nórdica, ambos apresentando uma perspectiva abrangente do Marketing Relacional. De longe as duas melhores obras sobre o assunto, especialmente a de Grönroos, que cobre de uma forma muito completa e profunda o tema.


Estratégias e aplicações

Soren Hougaard & Mogens Bjerre, Strategic Relationship Marketing, Springer, 2002.

Thorsten Hennig-Thurau & Ursula Hansen, Relationship Marketing, Springer, 2000.

O primeiro livro actualiza a teoria do marketing relacional e apresenta múltiplos exemplos de aplicações. O segundo é, no essencial, uma colectânea de casos.


Referência

Jagdish N. Sheth & Atul Parvatiyar (Eds.) Handbook of Relationship Marketing, Sage, 2000.

Oferece uma perspectiva enciclopédica da área nas suas diversas vertentes, recorrendo a especialistas em cada uma delas. Algumas das entradas são excessivamente áridas e académicas. Ainda assim, útil para quem quiser estudar o assunto a fundo.


Marketing Directo

Bob Stone, Successful Direct Marketing Methods 3rd ed., NTC, 1986

Drayton Bird, Commonsense Direct Marketing (3rd ed), Kogan Page, 1993.

Lester Wunderman, Being Direct, Adams Media, 1996.

O marketing directo é uma das principais fontes inspiradoras do marketing relacional. Bob Stone encarna a tendência mais tradicional, ainda muito ligada à venda por correspondência, que, longe de se encontrar obsoleta, é hoje extremamente relevante para o e-commerce. Wunderman e Bird representam o marketing directo contemporâneo, imbuído de ideias afins ao marketing relacional.


One-to-One

Don Peppers, Martha Rodgers & Bob Dorf, The One-to-One Fieldbook, Bantam, 1999 (Tradução brasileira: Marketing One-to-One, Makron, 2001)

Da vasta bibliografia produzida por Peppers & Rodgers, este é o livro com uma orientação mais prática. No estilo do-it-yourself, é o mais recomendável.


Database Marketing

Arthur M. Hughes, The Complete Database Marketer, Irwin, 1996.

Não é um livro de informática. Explica essencialmente como as bases de dados devem ser usadas no contexto de uma estratégia de marketing relacional.


Meios Digitais

Martin Lindstrom & Tim Frank Andersen, Brand Building on the Internet, Kogan-Page, 2000.

Joaquim Hortinha, X-Marketing, Sílabo, 2002.

Numa área em que os livros se tornam rapidamente obsoletos, estes dois permanecem úteis.

Outros

Jean-Nöel Kapferer, A Marca, Capital da Empresa, Edições CETOP.

Com o marketing relacional a compreensão do conceito da marca torna-se mais (e não menos) importante, porque uma marca é antes de tudo uma relação. Kapferer pode ajudar a aprofundar o entendimento desse ponto e das suas consequências para o marketing relacional.


23.11.04

Marca e anti-marca



Era inevitável que a um período de inflamada exaltação do poder das marcas se seguisse um outro de não menos extremista denúncia dessas pretensões.

Numa primeira fase, as marcas foram consideradas intrinsecamente perversas por Naomi Klein e sequazes. Agora, são mais correntemente encaradas como inúteis.

A responsabilidade do chamado «declínio das marcas» é as mais das vezes atribuido à quebra da lealdade dos consumidores. Quem assim pensa tende, creio eu, a fantasiar uma mítica era de ouro em que os consumidores juravam às suas marcas favoritas lealdade para a vida, até que a morte os separasse.

Fazem-nos notar, por exemplo, que embora o preço relativo dos DVDs da Sony tenha caído drasticamente entre 1999 e 2003, a quota de mercado da marca não parou de cair. Ou que marcas baratas como a Zara e a H&M crescem dramaticamente à custa de marcas de vestuário mais reputadas. Ou que a quase universal simpatia pela Nokia de nada lhe serviu quando a empresa interpretou mal as tendências de evolução do mercado dos telemóveis. Ou que o sucesso inicial da iPod está a ser rapidamente ameaçado por novos concorrentes que, embora não tenham por detrás de si o poder da marca Apple, conseguem oferecer produtos baratos e de qualidade aceitável. Ou ainda que, segundo certos estudos, a maioria das pessoas que se declaram leais a uma marca já consomem outra um ano depois.

O facto, porém, é que sempre foi mais ou menos assim. A lealdade absoluta é um fenómeno raro hoje, como sempre o foi no passado. Desde que esses fenómenos são estudados - ou seja, há um bom meio século - constata-se que, em todos os mercados, apenas uma pequena minoria de consumidores são 100% leais, e esses são usualmente consumidores ligeiros, logo pouco importantes. O desejo de variedade é intrínseco a muitas categorias de produto, embora seja mais intenso numas do que noutras.

Em particular, uma marca forte que se deixe degradar só sobrevive enquanto os consumidores não descobrem que há alternativas melhores. A grande novidade dos nossos tempos é que os consumidores hoje tomam rapidamente conhecimento dessas alternativas. A taxa de divórcio nas cidades é maior que nas aldeias exactamente pelas mesmas razões.

A grande lição de tudo isto é que a gestão competente da comunicação da marca não é uma alternativa eficaz a um marketing descuidado, que se desinteressa dos gostos e preferências dos consumidores ou se recusa a correr riscos. Uma marca não se reduz aos seus benefícios funcionais mas, sem eles, não é de esperar que sobreviva por muito tempo.

22.11.04

Abaixo da linha

A Fortune de 29 de Novembro traz um artigo sobre Martin Sorrell, fundador e CEO da WPP. Mais do que o perfil de "sir Martin", uma personagem de que muita gente tem boas razões para não gostar, o artigo é interessante por dar conta de duas tendências de que já há muito se fala, mas que nunca se mostraram com tanta evidência.

A primeira tem a ver com a razão de ser da própria WPP e dos seus rivais, os outros grandes conglomerados de agências e empresas de comunicação. Afinal, e contra todas as evidências, parece que essa razão de ser existe -- pelo menos para clientes como a Samsung (budget: 400 milhões de dólares) ou o HSBC (600 milhões), que em 2004 consultaram o mercado não para escolher uma agência, no sentido tradicional, mas uma "superagência", como a WPP, a Omnicom ou a Interpublic. Sorrell parece ter entendido, mais cedo do que toda a gente, que essa procura pela integração de uma enorme (e à primeira vista disparatada) gama de serviços –- uma super "one-stop-shop" global –- acabaria por existir.

A segunda tendência é o declínio da publicidade pura e dura em favor do "below-the-line" – que, na classificação da revista, inclui "direct mail, estudos de mercado, public relations, eventos e internet marketing". Citando a Fortune: "These services lack the glamour of made-for-TV advertising. But while the traditional business of crafting a 30-second spot sputters along at a 2% to 3% pace, below-the-line sales are growing at twice that rate."

E mais adiante: "The rising cost of TV time—the price of a 30-second Super Bowl spot has doubled to more than $2 million since 1996, despite fewer viewers—is also spurring WPP's below-the-line business. So is a conviction among clients that direct mail, Internet promotions, and other nontraditional approaches are more effective. A decade ago, says American Express chief marketing officer John Hayes, nearly 80% of Amex's ad dollars were spent on TV ads. Today, the tube accounts for about 35% of the company's ad spending. (…) Ogilvy & Mather CEO Shelly Lazarus says this year marks the first time her agency will get more of its revenues from below-the-line work than from creating TV, print, or radio ads. "It's gone faster than we would have thought," she says. "Traditionally, below the line was 20% to 30% of our revenue, and our goal was to make it half by 2007. We were a bit surprised."

18.11.04

No 95º aniversário de Peter Drucker

O marketing moderno foi inventado pelas empresas - mais concretamente, segundo investigações recentes, pelas agências de publicidade - não pelos académicos.

Mas foi Peter Drucker, um austríaco naturalizado americano que amanhã festeja o seu 95º aniversário, quem primeiro formulou o seu conceito de uma forma satisfatória.

Segundo Drucker, o marketing é o resultado do trabalho da empresa considerado do ponto de vista do seu resultado, ou seja, considerado do ponto de vista dos seus clientes. Dentro das empresas só há trabalho e custos. As receitas e os resultados encontram-se cá fora, porque provêm da disponibilidade dos clientes para pagarem os seus produtos e serviços.

Uma empresa, por conseguinte, é uma coisa que tem clientes - essa é a melhor definição que podemos arranjar para essa realidade central das economias modernas.

Uma empresa só tem duas funções cruciais: a inovação e o marketing. Tudo o resto é acessório. A inovação assegura que a empresa produz valor diferenciado em relação aos seus concorrentes e que pode, por isso, contribuir positivamente para o bem estar social. O marketing garante que, ao inovar, a empresa tem em vista acima de tudo as necessidades dos clientes e não outra coisa qualquer.

O marketing, ainda segundo Drucker, torna o esforço de venda supérfluo. Se os produtos são concebidos em função das necessidades reais dos clientes, não é preciso vendê-los, porque eles vendem-se a si próprios. Basta dar a conhecer que eles existem através da publicidade e garantir que chegam aos clientes potenciais organizando cadeias logísticas apropriadas.

O mundo empresarial que Drucker imaginou é aquele que na realidade hoje existe.

Diz-se às vezes que toda a história da filosofia ocidental não é mais do que uma sucessão de notas de pé de página aos escritos de Platão. Do mesmo modo, e com maior propriedade, poderíamos dizer que todo o corpo teórico da gestão desenvolvido ao longo dos últimos cinquenta anos não passa de uma adenda às ideias inspiradoras de Peter Drucker.

12.11.04

Já que estamos em maré de pedantismo...

Sempre acreditei que a palavra insight não tem tradução em português, até que ontem, subitamente, tive um lampejo, ou seja um insight.

E se traduzissemos insight por lampejo? É bonito, é pouco utilizado, e está certo, visto que, segundo o dicionário que tenho á mão, quer dizer: «Acto de lampejar (esperem, esperem!); clarão repentino; manifestação rápida de uma ideia.»

Média ou mídia?

No domingo, ouvi o Carlos Pinto Coelho dizer na TSF que, sendo media uma palavra latina, deve-se pronunciá-la média, e não mídia, à americana.

Tem razão, mas eu não estou disposto a dar-lha.

Quando eu pronuncio média, corro o risco de as pessoas me entenderem mal, pensando que me refiro ao sentido corrente estatístico de termo médio ou medida central de localização de uma população.

Portanto, como a linguagem serve antes de mais para a gente se entender, eu prefiro escrever media e dizer mídia. Além do mais, esta opção também tem a vantagem de me fazer entender pelos brasileiros, que hoje são, de facto, os donos desta língua inventada há mais de um milénio pelos galegos e de que nós somos fiéis depositários.

9.11.04

Atenção ao cortex pré-frontal

O neuromarketing traz meio mundo excitado e outro meio mundo apavorado. Desde a impropriamente chamada persuasão subliminal que não se inventava uma coisa tão excitante.

Eis um artigo recentemente publicado na revista New Scientist sobre o assunto:

If neuromarketers can find the key to our consumer desires, will they be able to manipulate what we buy

WHY DO people who prefer the taste of Pepsi faithfully buy Coke? Will the Catwoman movie trailer make you want to see the film? And are women subconsciously drawn to the sight of a bikini-clad model hawking beer on television?

Scientists and ad execs hope to unravel advertising mysteries like these with neuromarketing - a new spin on market research, which shuns customer surveys and focus groups in favour of technologies such as functional magnetic resonance imaging (fMRI) to peer directly into consumers' brains. Though the technique has still to prove its credentials with journal publications, a handful of consultants and companies have already started spending their marketing budgets on scanner time.

The idea is to watch what goes on in people's brains when they see or think about desirable and undesirable goods - a pair of Armani jeans versus a supermarket's own brand, for example. Researchers hope to learn about our hidden desires and preferences, and how to manipulate them so companies can flog us more of their products. It conjures up Orwellian images of commercials targeted to inflame our most secret desires. Yet some analysts believe neuromarketing is a form of advertising snake oil, a ploy to make marketers shell out millions for the latest bunch of bells and whistles. Can neuromarketing truly see into the mind of the consumer, or is it just a con?

Neuromarketing caught public attention by recreating a famous soda pop conundrum inside a brain scanner: why is Coke more popular than Pepsi when more people pick Pepsi in blind taste tests? Neuroimaging expert Read Montague from Baylor College of Medicine in Houston, Texas, scanned people's brains using fMRI as they blindly drank either Coke or Pepsi and reported which tasted best. He found that a region called the ventral putamen within the striatum lit up most strongly when people drank their favourite soda. This area is known to be associated with seeking reward. More people preferred Pepsi, just as the decades-old challenge said.

But when people were told which soda they were drinking, their preferences changed: more people chose Coke. And this time the brain area that showed most activity was the medial prefrontal cortex, a spot associated with higher cognitive processes. The results - which Montague hopes to publish soon - showed that people make decisions based on their memories or impressions of a particular soda, as well as taste. In the advertising world, this "brand recognition" is one of the most sought-after qualities advertisers attempt to engender.
While the experiment hasn't really thrown up any new marketing insights yet, researchers hope this new approach might help them pin down what this elusive brand recognition is all about. Clinton Kilts, a neuroscientist at Emory University in Atlanta, says it's about making a person identify with an object. He found the same prefrontal region that Montague identified lit up whenever people look at pictures of things they love. He says the area is associated with self-referential thinking. He now hopes to learn what sets up these personal associations. "Say you love Ford Mustangs. Maybe that comes from your family upbringing around Detroit, or the fact that it was your first car," he says.

According to Steven Quartz, a neuroscientist at the California Institute of Technology in Pasadena, neuromarketing could also uncover predilections we are unaware of. "Surveys are based on the assumption that we accurately probe our own preferences," says Quartz. "But basic science says that a lot of what underlies our preferences is unconscious." From the advertisers' point of view, neuromarketing's strength is that it may hit on subconscious biases that traditional advertising methods, such as focus groups fail to uncover.

He is designing a neuroimaging package that will help movie studios measure the success of their trailers. For example, he showed women a trailer starring wrestler-turned-action hero "The Rock". In traditional surveys women generally rate The Rock as unattractive, but their brain activity says otherwise: areas associated with facial attractiveness light up when women watch him on screen. Studios could use this information to try to tweak the movie pitch towards women, Quartz says.

But while Quartz believes his technique will predict blockbusters much better than surveys do, he still has to prove it. His group plans to test neuromarketing against traditional questionnaires, as well as against physiological measures that are much cheaper and easier to monitor than brain responses, such as the galvanic skin response, which gives an overall measure of arousal.
While scientists may be excited about the possibilities, neuromarketing has many critics. Douglas Rushkoff, a New York author who often writes about the advertising industry, doubts the technique will catch on. He describes neuromarketing as an elaborate ploy. "I don't see success beyond their ability to con marketers into giving them money," he says.

But others find the very idea frightening. Gary Ruskin, who runs consumer champion Ralph Nader's Commercial Alert group based in Portland, Oregon, says: "Even a small increase in advertising efficiency could boost advertising-related diseases such as obesity." Ruskin has protested against Kilts's work, which he did in collaboration with BrightHouse, a marketing consultancy firm based in Atlanta and one of neuromarketing's leading lights.

Making companies more moral

Caught between sceptics and downright opponents, Kilts and Joey Reiman, BrightHouse's founder and CEO, claim that rather than predicting an individual's shopping behaviour, neuromarketing will help them to understand how people develop preferences. "Our goal is to change company, not consumer, behaviour," says Reiman. He adds that this philosophy could improve advertising ethics. "What if you could, for example, show a company that their moral and ethical behaviour has a bigger influence on consumer preference than the colour of their packaging or current tag line?"

This responsible spin on neuromarketing may be more a reaction to negative press than a genuine hope for a more moral advertising industry, however. BrightHouse has recently changed its gung-ho approach, erasing the term neuromarketing from their website and replacing it with the blander "neurostrategies". And it has swapped an Orwellian logo of two eyes piercing a brain with an innocuous picture of the BrightHouse building.

The bottom line is that neuromarketing still has some way to go before it can prove itself effective - either by uncovering our secret wishes or by convincing companies that good behaviour sells. In the end, the controversy may amount to nothing. In April, Montague tried to capitalise on the neuromarketing buzz by organising a conference geared towards marketing professionals. It was cancelled due to lack of interest.

Perhaps this is because the neuromarketers have yet to find what the industry would really love: a signature brain pattern that predicts consumer behaviour. Maybe they never will. "I don't think we have a buy button," says Kilts. Quartz is perhaps nearest, with a plan to compare the brain activity of people who liked a movie trailer and went to see the film with those who liked it but stayed home. But even if such a thing is found, Kilts doesn't think advertisers could manipulate it. "We're not that good and the human brain isn't that stupid," he says.

Emily Singer
Emily Singer is a Boston-based writer who favours Coke, even in blind taste tests

8.11.04

Self-made media

Aqui fica o artigo que publiquei no último número da Alice (Revista do Clube dos Criativos dirigida pela Maria João Freitas).

Durante quase meio século, os publicitários presumiram que os consumidores só tinham existência real sentados no sofá em frente do televisor. Ocasionalmente, admitia-se que poderiam fazer aparições breves junto a uma página de jornal ou a um aparelho de rádio, mas isso era tudo.

Agora, à medida que se reduzem e fragmentam as audiências, começámos a descobrir que, muito provavelmente, os consumidores estão em toda a parte menos aí. Querem uma prova? Segundo a Marktest, apenas um em cada três portugueses assistiu ao último Portugal – Espanha, um jogo que supostamente "toda a gente viu".

Estes factos simples da vida actual encerram enormes consequências para a comunicação de marketing, que no entanto muitos persistem em querer ignorar.

A principal delas é a morte do público. Um público é um grupo de pessoas agregadas em torno de um medium, seja ele a missa de Domingo ou o telejornal das oito. Fora dessa circunstância não existe um público, mas sim pessoas que andam à sua vida, mergulhadas em mil e uma ocupações.

Quando as audiências se fragmentam, como tem vindo a acontecer, conceitos que foram úteis para lidar com massas, (ou com partes significativas dessas massas, a que chamamos segmentos) começam a perder o pé.

A desmassificação das sociedades avançadas teve como consequência, num primeiro momento, o individualismo extremo nos gostos e nos estilos de vida. Mas a angústia resultante desse isolamento repugna à espécie humana e incita-a a reconstruir laços sociais de outro tipo.

Assim surgiram as tribos modernas: flexíveis, efémeras e móveis, uma realidade intermédia entre os grandes grupos sociais homogéneos e o indivíduo isolado despido de compromissos sociais. As tribos não são, como se julga, coisa de garotos, nova versão mais sofisticada dos gangs urbanos: a tribo é hoje a forma dominante de organização social em todos os estratos sociais e classes etárias.

As variáveis sócio-demográficas são na prática inúteis para caracterizar as tribos. O que as une é uma cultura comum, definida por modos de vida e interesses flutuantes e instáveis.

O fenómeno da Lomografia ilustra perfeitamente as novas realidades com que temos que aprender a conviver. Lomo significa Leningradskoye Optiko-Mekhanicheskoye Ob’edinyeniye, designação que denuncia imediatamente a sua origem russa. A Lomo é uma pequena câmera fotográfica de tecnologia rudimentar – não é preciso focar, regular a luminosidade, usar flash ou espreitar pelo visor. Do ponto de vista estritamente técnico, não há nada de especial que a recomende.

Em 1991, o estudante austríaco Matthias Fiegl descobriu uma velha câmera metálica russa em Praga e trouxe-a consigo para Viena. Fiegl achou piada às imagens desfocadas, distorcidas, abstractas e surpreendentes que obteve e transmitiu o seu novo vício a alguns amigos. Nascera a Lomografia.
Aquilo que começara como uma brincadeira de salão tornou-se num movimento tribal que contaminou toda a Europa. Fiegl e o seu amigo Stranzinger afixaram as novas imagens no placard da cozinha e chamaram-lhe LomoWall. Fundaram a Sociedade Lomográfica. Trouxeram mais Lomos da Europa Oriental e, assim que o grupo atingiu as 100 pessoas, organizaram a primeira exposição em Viena.

No início do século XXI, mais de 500 mil pessoas, incluindo as estrelas de rock David Byrne, Laurie Anderson, Moby e Brian Eno, possuíam o objecto de culto. Os pregadores mais entusiastas foram designados Embaixadores Lomo, assegurando a presença da marca em países tão distantes como Cuba ou o Japão. O primeiro Congresso Lomo teve lugar em 1998 em Madrid, onde foi instalado um LomoWall com 108 metros de comprimento exibindo 15 mil imagens. Simultaneamente, na Alemanha Ocidental, um Lomobil percorria o país expondo fotos e alugando Lomos aos curiosos.

Se quisermos entender este movimento, é melhor procurar evitar palavras como mercado ou público. É um facto que se trata essencialmente de pessoas jovens, mas o que melhor as caracteriza é uma forma de encarar e fazer fotografia que as distingue do vulgar cidadão que vai buscar a sua câmera para captar imagens do aniversário do rebento ou das férias no Nordeste brasileiro.

A fotografia não serve, para eles, o propósito de fixar a memória familiar, mas o de se exprimirem de uma forma original. A Lomo é parte integrante de um movimento cultural internacional muito vasto, fora do qual não faz qualquer sentido.

Vivemos, desde o Bauhaus, numa época em que a arte fugiu dos museus e se misturou com a vida. Milhões de jovens em todo o mundo procuram dar largas de uma forma criativa à sua capacidade de auto-expressão, e a Lomo ajuda-os a fazer isso mesmo, estimulando-os a confiarem nas suas capacidades inventivas e colocando-os em contacto uns com os outros.

A Lomografia é um novo estilo de experimentação fotográfica que se distingue tanto pelo modo como as fotos são tiradas, como pelo modo como são combinadas e expostas. O propósito é tirar o maior número possível de fotos nas situações e com os ângulos mais invulgares. Obtém-se assim um fluxo de imagens super-coloridas, demenciais, invulgares e originais, que depois são associadas e expostas em painéis gigantes, cuja diversidade e fulgor fascinam os espectadores. É vulgar juntarem-se num mesmo painel dezenas de milhar de instantâneos.

Leave them all behind: a Lomo encoraja as pessoas a darem largas à sua imaginação, a explorarem novas possibilidades, a buscarem formas não convencionais não só de fotografar como de se relacionarem com outras pessoas com a mesma paixão pelas imagens e pela exploração das suas possibilidades.

Don’t think, just shoot: sejam rápidos e espontâneos, diz-lhes a Lomo, não pensem, não planeiem, não calculem, explorem o ambiente urbano em que vivem nas suas múltiplas dimensões, aprendam a olhar as coisas de outras formas, treinem-se a ser originais, absorvam as imagens que vos rodeiam, misturem-se com o ambiente humano, deixem-se arrastar pelo turbilhão comunicativo dos nossos dias, desprezem as fronteiras, partilhem os vossos entusiasmos com gente que vive do outro lado do planeta.

A Lomo é, por conseguinte, um programa de vida que atrai muita gente em muitos locais separados por dezenas de milhares de quilómetros. É um fenómeno típico do mundo globalizado e da internacional juvenil que, através de meios de comunicação móveis e interactivos, comunica e coopera livremente sem os condicionalismos da distância e das fronteiras. A Lomo tornou-se numa marca ícone da contemporaneidade através de uma combinação sábia, perversa e irónica de hi-tec e low-tec, de sofisticação e inocência. Lomo é um jogo, é um movimento artístico internacional, é um apelo à subversão permanente de modos de vida vetustos e cinzentos.

Os programas europeus de intercâmbio de estudantes universitários favoreceram a difusão original da Lomografia da Áustria para os restantes programas europeus. Hoje, porém, a conectividade potenciada pela net é o principal factor de alargamento do círculo dos seus fãs. O sucesso planetário da Lomografia através de métodos relativamente artesanais não teria sido possível sem o word-of-mouth potenciado pelas novas tecnologias.

A Sociedade Internacional de Lomografia é uma comunidade de meio milhão de pessoas que, por sua vez, integra e anima dezenas de outras sub-comunidades particulares, organizadas por nacionalidades ou tipos de interesses, cada uma das quais com vida e iniciativas próprias. A compra de uma máquina Lomo é um bilhete de entrada para a Sociedade Internacional de Lomografia, que confere ao novo membro o direito de participar nas múltiplas iniciativas da comunidade: propor fotos para publicação online, participar no jornal online, estar presente em eventos e festas diversos.

A posse da câmera Lomo funciona ela própria como um sinal de identidade: quando dois desconhecidos que se cruzam na rua notam que ambos trazem uma Lomo, é certo e sabido que pararão para conversar um com o outro.

A comercialização e distribuição das máquinas assume um carácter voluntariamente amador, no sentido de ser conduzida por pessoas que não estão ali apenas para ganhar dinheiro, mas porque genuinamente se envolveram com o fascínio do movimento. São os Embaixadores Lomo, cuja principal função é dinamizar as comunidades de utilizadores e apoiar as suas iniciativas. Deliberadamente, as câmeras não se encontram à venda nas habituais lojas de artigos fotográficas, para acentuar o facto de que a Lomo não está em concorrência com a Canon, a Olympus ou a Kodak. A Lomo é outra coisa, algo bem mais precioso que não pode ser confiado a meros comerciantes.

O principal site do movimento (www.lomography.com), para além de uma zona destinada a expor e vender os produtos, convida os visitantes a envolverem-se de diversos modos. O site integra uma gigantesca base de dados, o World Archive (shoot, upload, share), onde qualquer pessoa pode expor os seus trabalhos. O projecto Lomo Homes permite pesquisar a partir de um mapa fotos de todas as cidades mundiais onde existem Embaixadores Lomo. Quem o desejar, pode ainda participar na Missão do Lomo do mês e apresentar os seus trabalhos em função de um brief proposto pela marca. Eis o brief de Julho de 2004, cujo sugestivo título é Full Throttle (A todo o gás): Head into the blazing days of sweaty summer (or freezing winter for those down under) and steel your eyes for mind-numbingly fast motorcycles, muscle cars, acrobats, screaming babies, drunken ranting, and all other kinds of intense heart-pounding white-knuckle action).

O que podemos aprender com este fenómeno? Muita coisa, creio eu. Em primeiro lugar, a comunicação de marketing não nos aparece aqui como algo distinto do "produto" ele próprio: parte substancial do apelo da Lomografia é exactamente o facto de nos pôr em comunicação com outras pessoas que partilham connosco os mesmos interesses. Sem a comunicação, a Lomo não seria a Lomo, seria outra coisa.

Esta marca não é apenas, como qualquer outra, uma relação com os consumidores, esta marca é uma conspiração de consumidores organizados em torno dela. Os consumidores relacionam-se uns com os outros e, através dessas relações, relacionam-se com a marca. A relevância da Lomo é, pois, o seu potencial para suscitar iniciativas mobilizadoras.

É isto o verdadeiro Marketing Relacional, demasiadas vezes confundido com programas de incentivos de continuidade que se caracterizam precisamente pelo facto de promoverem um elo puramente interesseiro entre os consumidores e a marca. A insistência cega nesse tipo de programas, fáceis de criar e fáceis de imitar, conduz inevitavelmente as marcas à decadência.

Até que ponto é a Lomografia um exemplo genericamente relevante para o marketing dos nossos dias? Vivemos numa época em que, para terem êxito, os produtos têm que ser geridos como serviços. Ora um serviço não é uma coisa, é um relacionamento cuja avaliação positiva depende mais do processo do que do resultado final obtido (em si mesmo trivial porque indiferenciado).

Precisamos então de novas formas de comunicação de marketing integradas no processo de prestação do serviço, não de campanhas de publicidade marginais, supérfluas e intrusivas. Os consumidores têm já hoje o poder de controlar o fluxo de informação que lhes é dirigido, o que implica o poder de se recusarem a dar-nos ouvidos. É essa a causa profunda da redução do impacto relativo dos mass media.

A boa notícia é que, em consequência destas transformações, alarga-se o âmbito do trabalho criativo, mas também o grau de exigência a que diariamente é sujeito. Não se trata já apenas de fazer campanhas, mas de montar operações de comunicação complexas a favor das marcas. Mais do que nunca, trata-se de construir soluções por medida para situações singulares, construindo de passagem os media mais adequados a cada caso: self made media, portanto.

Lisboa, 15 de Julho de 2004

TPC

O brief da professora para a minha filha de 7 anos era: para amanhã, encontrar um texto que ache engraçado e copiá-lo. O brief da minha filha para mim foi: encontrar um mupi da Sagres Preta, aquele da orelha, para que ela o pudesse copiar.

É claro que a minha filha não é o target da campanha. Mas a boa comunicação é como os mísseis inteligentes dos americanos: às vezes, pode atingir bem mais gente do que a pretendida.

Ok, esta última comparação pode não ter sido muito lisonjeira, mas o que eu quero dizer é que acho a campanha 20. Parabéns à Centralcer e à Young.

27.10.04

Bom senso e bom gosto

«Se Maomé não vai à montanha é porque não come gelado» - Será sensato fazer humor à custa do fundador do islamismo, sobretudo nas circunstâncias presentes, em que as sensibilidades estão mais despertas?

Será, aliás, que a graça tem alguma graça a não ser precisamente troçar de uma minoria religiosa?

Será que essa minoria religiosa, que aliás come gelados, vai rir?

Não me parece. Meus caros amigos: lamento dizê-lo, mas fizeram mal.

Quem foi que disse: «Advertising has a responsibility to behave»?

20.10.04

O titular da pluma

Na corte de Luís XIV havia um alto funcionário, o senhor Toussaint Rose, conhecido como o titular da pluma.

O senhor Rose era um dos quatro secretários pessoais do Rei, mas o seu estatuto era incomparavelmente superior ao dos outros três. A sua singularidade resultava de dois dons muito particulares que o tornavam verdadeiramente insubstituível.

Em primeiro lugar, a caligrafia do senhor Rose era virtualmente indistinguível da do Rei. Assim, todos os soberanos europeus, mas também nobres franceses, titulares de cargos políticos ou eclesiásticos e altas patentes militares eram levados a crer que o soberano se dera ao cuidado de lhes escrever pelo seu próprio punho as longas cartas que dele lhes chegavam.

Essa marca de particular distinção era motivo de particular orgulho para todos eles, graças aos esforços do incansável senhor Rose.

Nessa capacidade, porém, o senhor Rose não era mais do que, digamos assim, um falsificador de cartas autênticas.

Todavia, Luís XIV foi-se apercebendo a pouco e pouco de que o senhor Rose era também capaz de pensar como ele. Isto é, por força do íntimo e prolongado convívio entre ambos, o senhor Rose conseguira penetrar na intimidade do pensamento do Rei e entendê-lo como ninguém. Ele sabia como o Rei reagiria em determinada situação e conseguia por isso antecipar o que ele quereria dizer em tais ou tais circunstâncias.

Tal era a confiança de Luís em Rose que, com grande frequência, nem sequer se dava ao trabalho de ler a cartas que ele lhe propunha antes de lhes apor a sua assinatura.

Como se pode ver, o senhor Rose era um pouco a agência de publicidade ideal: fiel não só ao estilo como à própria essência das marcas que lhe são confiadas. Não há muitos como ele. Se encontrarem alguém assim, não hesitem em confiar-lhe a vossa pluma.

15.10.04

Tribos

O João Pinto e Castro publicou na última Alice (a excelente revista do Clube de Criativos, para quem não conhece) um artigo interessantíssimo sobre a "lomografia" - um fenómeno tribal que, para ele, ilustra as verdadeiras possibilidades do marketing relacional.

É uma visão inspiradora, mas que exactamente por ser tão ambiciosa não é fácil de concretizar. Encontrar interesses em torno dos quais milhares ou milhões de consumidores se queiram constituir em tribo, sob a égide de uma marca e de forma a aumentar as suas vendas, é um desafio complicado.

Basta imaginar a situação em que uma agência, por exemplo, apresentasse ao departamento de marketing a sua grande ideia: vamos propor aos nossos consumidores que se esfalfem para conseguir uma máquina fotográfica antiquada, de uma marca desconhecida, para com ela fazer fotos desfocadas de coisas estranhas. Você apostava numa ideia assim?

E, no entanto, como mostra o artigo do João, a ideia não precisou do patrocínio de nenhum anunciante para ser um enorme êxito. Mas quem seria capaz de prever?

Por outro lado, o facto de ser difícil não tem nada de especial. Também não é fácil fazer um produto de culto, como foi o walkman ou como é o ipod, ou uma campanha de publicidade que as pessoas voluntariamente divulguem pela internet, ou para um estúdio de Hollyywood conseguir um estrondoso sucesso de bilheteira. Em qualquer desses casos, o sucesso depende de muitos imponderáveis. Mas há quem consigo ganhar a aposta uma, duas, três vezes – ou quase sempre. Em relação ao marketing relacional, da forma como o João Pinto e Castro o vê, já se esteve mais longe de chegar lá.

A propósito, vale a pena ler, na Wired de Setembro, o artigo sobre o MoveOn.org e as novas formas de mobilização, via internet e não só, dos eleitores americanos. Tem tudo a ver.


14.10.04

A droga na publicidade II

Se a Presidência da República merecia ou não estar num Museu, não sei dizer com certeza.

Mas que o dito Museu, já que foi criado e custou dinheiro, merecia uma publicidade melhorzinha, lá isso merecia.

12.10.04

Causa da má fama dos marketeers

«O nosso mundo civilizado não passa de uma grande mascarada. (...) Nesse aspecto, a única classe honesta é a dos comerciantes, pois só eles se revelam tal como são: andam por aí sem máscara, pelo que se situam na posição mais baixa da escala social.»

Schopenhauer

A droga na publicidade

As últimas Meios e Publicidade têm trazido uns belíssimos anúncios de uma entidade chamada "Dianova", aparentemente dirigidos a pessoas com sérios problemas de toxicodependência. Os anúncios têm títulos inspiradores como "Agarrado… ou avançando", sobre a imagem de uma bota presa por uma pastilha (!), ou, melhor ainda, "Merda… ou Fertilizante", sobre uma foto de ambas as coisas.

Mas mais criativo do que o copy da campanha é o planeador de meios. Eu confesso que desconhecia que entre os publicitários e marqueteiros houvesse tantos agarrados. Mas, depois de ver uma campanha como esta, já não duvido.

28.9.04

Let's talk about grammar

O que leva uma empresa como a PT, teoricamente com uma imagem a zelar, a veicular nos principais jornais do país um anúncio com um título em várias línguas, que, descontando o facto de não ser nem de longe um bom anúncio, tem erros primários em quase todas as línguas? Embora dirigido a empresas, o tal anúncio da PT Prime parece supor que os quadros portugueses são tão pouco escolarizados que nem vão reparar que "Let’s talk about business" não se traduz por "Laisse parler d’affaires" ou algo do género. Desprezo pelo target? Autismo? Quem souber explique.

14.9.04

Sete anos de truca

Há duas semanas, como andava a recrutar um redactor, fiz apenas duas coisas. Uma delas, naturalmente, foi telefonar para duas ou três pessoas do mercado em cujo julgamento confio. A outra foi mandar um e-mail ao Luís Gaspar pedindo-lhe que colocasse uma notinha na Truca.

O resultado foi o do costume: logo na segunda-feira começaram a chover as candidaturas.

Com sete anos de Truca esta semana, o Luís está merecidamente orgulhoso dos seus 9000 visitantes. Mas a quantidade não é o mais impressionante. Despretensiosamente, como é do seu feitio, o Luís acabou por criar o meio mais certeiro e eficaz que há para falar ao mercado publicitário.

Parabéns ao Luís Gaspar, e obrigado pelas vezes todas em que, precisando de uma forcinha, bastou pedir e… truca!

Escolaridade obrigatória

Quando me iniciei nesta profissão, ainda no Brasil, receei que a falta de formação específica fosse ser para mim uma desvantagem competitiva. Não foi o caso. Nunca senti que os meus colegas que tinham estudado publicidade ou marketing tivessem algum conhecimento essencial que me faltasse. O que não diz nada de especialmente bom a meu respeito; apenas significa que as escolas em que os outros andaram não estavam a cumprir o seu papel.

Cheguei a pensar que o problema era do ensino brasileiro. Mas em Portugal a situação que encontrei era semelhante, senão pior. E, passados muitos anos desde que ando por aqui, não me parece que tenha melhorado muito.

Sempre que avalio candidaturas a emprego ou estágio de gente acabadinha de sair das mais renomadas faculdades de comunicação, marketing ou design, fico impressionado com a ignorância que revelam sobre o mercado em que pretendem entrar, o funcionamento de uma agência, o bê-á-bá do que se propõem fazer. O que sempre me ocorre nessas entrevistas é que felizmente não se formaram em medicina.

Não é que entre os recém-diplomados não haja quem tenha sabido aproveitar o tempo gasto na escola. Nos melhores casos adquiriram hábitos de trabalho e pesquisa, organização mental, alguma cultura geral. Mas face ao investimento que um curso superior representa, quer para o aluno e a sua família, quer para a sociedade, é um retorno bastante magro.

Estudantes teoricamente habilitados a trabalhar como publicitários andaram anos a cursar cadeiras como "Criatividade Publicitária III" e nunca leram nenhum livro sobre o assunto. Saem da faculdade tão desinformados sobre a estrutura de uma agência que tanto lhes faz trabalhar como executivos de conta, redactores ou directores de arte. Parece-lhes que é mais ou menos a mesma coisa.

Se as escolas não cumprem o seu papel, ele terá inevitavelmente que ser desempenhado pelas agências. O que é cada vez mais complicado: com pouca folga financeira, as agências não têm os meios ou o desejo de investir a sério em formação. Além disso, como mesmo os seus quadros mais experientes sofrem de idênticas deficiências de base, nem sequer há lá muita gente capaz de ensinar os mais novos.

É provável que as Etics, Restarts e outras escolas do género, mais plugadas nas necessidades do mercado profissional, venham trazer alguma melhora a este cenário. São cursos mais rápidos, mais específicos, e certamente benéficos. O que não elimina a obrigação urgente das faculdades de comunicação e publicidade de reverem a sua estrutura e currículos. Se não o fizerem, continuarão simplesmente a vender gato por lebre.

12.9.04

Bem passado ou mal passado?

Quando perguntam a Steve Harrison, da Harrison Troughton Wunderman, qual é a sua fórmula para conseguir a excelência criativa que fez da sua agência uma das mais premiadas do mercado inglês, e fez com que ele próprio fosse considerado pela Campaign um dos dez melhores directores criativos britânicos, a sua resposta é de uma decepcionante simplicidade: "Na HTW os briefs levam duas vezes mais tempo a fazer do que o trabalho criativo".

Até onde eu sei, este não é o método de trabalho na maior parte das agências do mundo. Em Portugal, se acontecer algo parecido em um ou dois sítios já será bastante surpreendente. A atitude mais comum em relação ao brief é burocrática. Trata-se de um papel que é preciso preencher, transcrevendo para o formulário próprio o pedido e as informações (quando as há) do cliente. Não é um processo criativo -- a criatividade só é esperada na resposta ao brief, não dentro dele.

Há vários factores na estrutura das agências que favorecem essa má compreensão do que é e como se faz um brief. O planeador estratégico, como função separada, é uma figura rara no mercado português. A responsabilidade de planear acaba por ficar difusa: às vezes será assumida pelo área dos estudos de mercado (por razões que para mim não são nada evidentes), nas agências em que essa área existe; às vezes será do director criativo; quase sempre caberá ao contacto. Há agências em que "planeamento estratégico" é uma expressão simplesmente desconhecida. Existem, sim, os briefs, cujo "preenchimento" cabe aos executivos de conta.

O problema é que muitos desses executivos nem desconfiam que um brief nada mais é do que o resumo de uma estratégia. E uma estratégia pressupõe uma ideia. Se não há uma ideia, de preferência uma grande ideia estratégica, não há nenhum brief a ser passado. Pode haver um pedido, uma encomenda, uma batata quente, um anúncio para entregar amanhã às nove, mas brief não há.

No seu "Disruption", Jean Marie Dru mostra-se adepto de uma fórmula parecida com a de Steve Harrison. Para ele, as ideias "disruptivas" ocorrem sempre entre a estratégia de marketing e o processo criativo -- é o que ele chama de "Disruption Interval", uma fase do trabalho em que as agências, também no seu entender, deveriam investir muito mais.

É ainda de Jean Marie Dru a citaçãozinha com que termino (em inglês, claro, porque sempre fica bem): "Twenty-five years ago, when I was an account executive, I asked my boss what was the most important part of my job. Without hesitating, he answered, ‘The creative brief. Better briefs make more money’ (…) A lousy brief will have to be redone. A bad brief means time lost. A typical agency can lose a full third of creative time due to irrelevant or uninspiring briefs".

Quem sou eu para discordar.

9.9.04

A imaginação

«A imaginação é tanto mais activa quanto menos percepções do exterior nos forem transmitidas pelos sentidos. Uma prolongada solidão, a prisão ou um leito de doença, o silêncio, o crepúsculo, a escuridão, são-lhe propícios: sob a sua influência, entra em actividade sem ser invocada.

«Não obstante, para que a imaginação seja frutuosa, é preciso que tenha recebido muito material do mundo exterior, pois só isso pode encher a sua despensa.»

Schopenhauer.

7.9.04

Haydn direct-mailer

A 3 de Dezembro de 1781, Josef Haydn, mestre de capela de Sua Alteza Sereníssima, o Príncipe Nicolau Esterházy, dirigiu aos seus amigos e aos seus mecenas uma carta circular. A carta endereçada ao Príncipe Krafft-Ernst von-Oettingen, que chegou até nós, dizia o seguinte:

Alteza Sereníssima, Gracioso Príncipe e Venerável Senhor!

Na vossa qualidade de grande mecenas e conhecedor de música, permito-me apresentar a Vossa Alteza Sereníssima os meus recentíssimos quartetos para 2 violinos, viola e violoncelo concertante, correctamente copiados, ao preço de assinatura de 6 ducados. Estão escritos num estilo novo e particular, porque há já 10 anos que eu não compunha quartetos. Os nobres assinantes residentes no estrangeiro receberão os seus exemplares antes de serem editados aqui. Solicito o vosso acolhimento favorável para esta oferta. Sou, como sempre, o mais humilde e devotado servidor de Vossa Alteza Sereníssima,

Josephus Haydn
Mestre de Capela do Príncipe Esterházy

Viena, 3 de dezembro (1781)

Newspeak

Não é cunha, é network marketing.

4.9.04

Quando o marketing funciona

Agora, que o 3G está aí, o público pode experimentá-lo e fazer as suas escolhas. Dispomos, pois, de factos, factos sólidos, sobre os quais é possível elaborar inferências e testar conjecturas.

Primeiro facto: o 3G reduz drasticamente os custo de transmissão de voz. Logo, está aí uma vantagem interessante para os consumidores que aderirem a esta teconologia: a possibilidade de pagarem menos pelas suas chamadas. Não é a «killer-application» que se esperava, mas enfim...

Segundo facto: como o 3G permite oferecer uma variedade de serviços distintos para diferentes tipos de utilizadores, o mercado tende a segmentar-se segundo as preferências dos clientes. Ao contrário do tradicional serviço de voz, os serviços 3G são muito específicos. Interessam muito a certas pessoas, mas absolutamente nada a outras.

As experiências do Japão e da Coreia, os países mais avançados na adopção da tecnologia, mostra que certos segmentos se interessam por video, outros por música, outros por jogos, outros por informação de trânsito, outros por transmissão de dados, outros serviços de notícias, etc. a Coreia, um operador oferece já pacotes de serviços distintos por escalão etário ou por sexo.

Começam a aparecer empresas especializadas na criação e difusão de conteúdos através das redes móveis, os «mobile virtual networks operators» (MVNO). Empresas como a Virgin, a Tesco, a 7-Eleven e a MTV estabeleceram-se já como MVNOs. A Disney está também interessada.

Conseguirão os operadores de telecomunicações tradicionais progredir a juzante e entrar na indústria dos conteúdos? Ou ficarão encurralados na sua posição tradicional de grossistas de redes digitais? Ao que parece, a convergência era também uma fantasia sem bases.

Quem tem unhas é que toca guitarra, ou seja, o facto de alguém possuir um canal não lhe confere nenhuma vantagem comparativa especial quando se trata de criar os serviços que serão difundidos e comercializados através dele.

Quando o marketing não funciona

O marketing recomenda que se inquira junto das pessoas o que é que elas de facto querem.

Acontece que, às vezes, elas não sabem. É o que sucede, por exemplo, quando estão em causa produtos ou serviços radicalmente inovadores, acerca dos quais não dispõem de qualquer experiência.

Há poucos anos, as empresas de telecomunicações meteram-se a adivinhar o futuro da 3ª geração de comunicações móveis. Fantasiaram uma procura extraordinária e pagaram, em consequência, fortunas pelas licenças que os Estados puseram a leilão.

Sabemos hoje que estavam redondamente enganadas.

3.9.04

O pouco que sei sobre marketing bancário

Há algum tempo vi um video onde diversas pessoas explicavam como tinham escolhido ser clientes deste ou daquele banco. Um preferira o banco que ficava mais perto de casa. Outro, o banco mais perto do emprego. Outro, o banco do pai. Outro, o banco onde o avô lhe oferecera ao nascer um certificado de aforro. Outro, o banco por onde a empresa se propunha pagar-lhe o ordenado. Outro, o banco que lhe oferecera a melhor taxa no crédito à habitação. Outro, porque conhecia alguém que trabalhava lá. E por aí fora.

O que mais surpreende nestas declarações é a inércia das vítimas. Segundo os manuais, as pessoas são supostas tomar decisões informadas; na realidade, elas deixam-se arrastar por uma corrente de acontecimentos que não dominam nem tentam dominar.

Se acham que esta atitude não é racional, entendam que, na cabeça das pessoas um banco é tão bom como qualquer outro - por isso tanto faz. Há aí alguém disponível para lhes explicar que estão erradas? Se calhar, não estão.

Cheguei, então, a uma conclusão. Não há verdadeiramente razões que levem as pessoas a seleccionar um banco. O que há é situações que as encaminham num ou noutro sentido.

Essas situações são numerosas, embora inventariáveis: a chegada à idade adulta, a compra de habitação, a mudança de emprego, etc. Talvez seja possível proceder à sua identificação sistemática, mas é duvidoso que essa seja uma forma eficiente de, no actual estado de indiferenciação da oferta bancária, captar novos clientes. Logo, como, quando uma pessoa se inclina para um banco, a única coisa relevante é que o considere uma solução aceitável, o fundamental é a publicidade criar saliência para a marca.

Hoje, o fulcro da concorrência bancária não é a captação de novos clientes, mas a capacidade de fazer mais negócio com os clientes que já se tem. Uma grande proporção dos clientes bancários, que sobe ainda mais quando nos concentramos nos de maior valor, tem conta em mais do que um banco. A penetração no património dos clientes é, por conseguinte, o grande desafio que se coloca à gestão de marketing.

Para fazer isto eficazmente é preciso dispor-se de informação adequada e rigorosa sobre a situação e os objectivos financeiros dos clientes, que depois permitirá orientar programas eficazes de marketing relacional. Digam-me então uma coisa: acham que os vossos bancos estão a fazê-lo?

2.9.04

A imagem de marca existe?

De há uns tempos a esta parte comecei a desconfiar de que a imagem de marca seja um conceito relevante para a comunicação de marketing.

A razão é esta: não sei se de facto existe. Tenho repetidamente constatado que, quando as pessoas são instadas a referir o que lhes vem à cabeça quando é mencionada uma determinada marca, elas falam apenas de dois tipos de coisas: a) ideias, símbolos e sentimentos que não se reportam verdadeiramente à marca, mas em geral à categoria de produto; b) atributos triviais da marca, tais como embalagens ou variantes de produto.

Fui assim levado a formular a seguinte conjectura. Uma marca não deve esforçar-se por assumir rasgos de imagem distintos da concorrência, mas apenas por se identificar o melhor possível com a simbologia que o público espontaneamente associa à categoria.

Vou pensar melhor nisto.

27.8.04

A teoria da montra

Certos comerciantes poem na sua montra os artigos que se vendem melhor, para com isso conseguirem vender ainda mais.

Outros são adeptos do princípio de por antes lá os artigos que se vendem menos, para ver se assim conseguem escoá-los.

Quem terá mais êxito?

Fazer publicidade é como pôr um produto numa montra. Em linguagem técnica diz-se que a publicidade aumenta a saliência das marcas. Coloca-as num pedestal onde toda a gente consegue vê-las, de forma que as pessoas se interrogam se não seria boa ideia experimentá-las também.

Por conseguinte, também deve ser válido o princípio segundo o qual o dinheiro será melhor gasto se for usado para promover coisas de que o público gosta. Se as pessoas já tendem espontaneamente a comprá-lo, um bocadinho de publicidade pode fazer maravilhas.

É por isso que me faz confusão o empenho que a PT põe de há algum tempo a esta parte em promover coisas que tendem a cair em desuso, como é agora o caso das cabinas telefónicas. E que tal falarem-nos mais daquilo que nós queremos , de facto, comprar?

26.8.04

A grande corrida ao queijo roquefort

By chance, the closing last week of the auction for Google's initial public offering coincided almost exactly with the fourth anniversary of the closing of Germany's mobile phone licence auction. The corporate value destruction as Europe's telecommunications operators scrambled for the right to offer third-generation services was on a scale rarely seen in business history.

But what goes around comes around. It was in 2008, I think, that the rumour that the moon was made of blue cheese began to circulate. Most people were initially sceptical. It was not, however, the sceptics who started buying the cheese distribution sector, which strongly outperformed the market. When the chief executive of a cheese business said he would wait before investing in rocket technology, his company's market capitalisation fell 10 per cent in a week. The call to spend more time with his family came soon afterwards.

The lesson was not lost on other executives. Only the crotchety boss and dominant shareholder of Bouygues Cheese continued to say it was all nonsense. Big consulting firms established practices to advise food companies on the challenges of change. There were few fees to be earned from telling clients not to be stupid. Conferences entitled "Space the New Frontier for Food" were held almost weekly. They were addressed by consultants and ambitious company men and women, early believers who had earned promotion through their prescience. Investment banks urged the logic of restructuring. If the merger of New Zealand Dairies with Glasgow Buses looked far-fetched to some, the architects of the deal pointed out there were few big transport companies left to buy. Journalists applauded these visionaries. They understood "Moon made of cheese" was a front-page story: "Moon not made of cheese" was spiked. Grocer's Weekly adopted the subtitle "The Magazine of the Space Age". Only the crustiest columnists dared demur.

Investment managers were reluctant supporters. They had seen bubbles before. But they were obliged to report to clients that underweight positions in cheese had led to underperformance. Views shifted. Perhaps funds should be entrusted to younger managers, with minds unclouded by experience. As fund managers scrambled to increase their market exposure, shares in cheese distribution rose towards the moon and the sky.

Excitement mounted as the day for the launch of the first exploratory rocket approached. The space agency was auctioning the five seats on board and competition was intense. None of the four established cheese companies could be left out and many other businesses were clamouring for a seat.

The auction raised far more than anyone had imagined. Its sophisticated designers made only one mistake. They assumed participants had some faint understanding of what they were doing. Manchego, the Spanish cheese maker, was a particularly aggressive bidder. As one of its executives explained, it was essential to be a lunar player. If you were not aboard, your stock would fall by more than the cost of the seat. Even if you were yourself thinking rationally and mostly you were not you were in the hands of people who were not doing so or could not act on rational beliefs. "What else could we do?" said the chief executive of Lodacheese, whose career was based on the insight that you won auctions by paying more than anyone else.

A multinational crew climbed aboard the rocket to general applause. What happened next is a mystery. Perhaps it blew up before it reached its destination, perhaps it missed the moon and is off to distant space. At any rate, the astronauts were never heard of again. Nor was the myth that the moon is made of blue cheese.

Half way through this fairy tale I realised it had already been written. By Hans Christian Andersen; whose Emperor's New Clothes explained how vanity and greed can promote large-scale self-delusion. Andersen's only error was to exaggerate the effect of one small boy's voice among the brayings of the self-opinionated and self-interested. His emperor continued to wave to the crowds even after he realised they knew he was naked. Great men surrounded by adulation rarely perceive themselves to be wrong, do not often learn from experience other than their own and never listen to small boys. That is why history so often repeats itself.

(Artigo de John Kay, publicado no Financial Times de 24 de Agosto. O título é meu, espero que não se importem.)

25.8.04

Beg, steal or borrow

Acaba de sair o número de Verão da Alice, a revista do Clube dos Criativos. Como seria de esperar, sabendo-se que a directora editorial é a Maria João Freitas, a Alice respira inteligência e bom gosto.

Desta vez inclui um artigo meu – Self Made Media – onde procuro explicar, através do exemplo da Lomografia, o que é efectivamente, na minha perspectiva, o marketing relacional.

20.8.04

Extensão de marca

Os Jogos Olímpicos são um caso bem sucedido de extensão de marca.

O core business sempre foi constituído pelo atletismo, pela ginástica, pela natação e, talvez, por mais um ou dois desportos que só neste contexto conseguem concentrar as atenções do público. Com o tempo, porém, os Jogos conseguiram integrar progressivamente com sucesso uma série de outras modalidades.

Mas o processo foi levado demasiado longe. Coisas como o andebol de praia, o softbol ou o basebol parecem ter sido incluidos só para alguns países conseguirem mais uma ou outra medalha. Para além disso, pouca gente quer saber do futebol ou do ciclismo olímpicos, porque estas provas de pouco prestígio disfrutam no contexto dessas modalidades.

Também aqui os excessos da extensão de marca parecem estar a fazer estragos. E, se não forem travados a tempo, acabarão por afectar os Jogos no seu conjunto.

27.7.04

Três leituras

Em "Under the Radar", Bond e Kirshenbaum vêem o marketing como uma arte marcial, sendo o consumidor o adversário. Um adversário que, por causa da saturação publicitária, sabe defender-se cada vez melhor. A tarefa das marcas é encontrar sempre novas formas de o atingir, procurando o seu ponto fraco, a área do cérebro ainda não coberta pelo radar anti-publicitário que todos nós trazemos embutido.

Do outro lado do tatami, Naomi Klein, no extraordinário "No Logo", vê de forma extremamente crítica o efeito dessa permanente fuga para a frente do marketing e da publicidade: marcas cada vez mais omnipresentes, invadindo sem cerimónia cada milímetro do espaço físico e mental, e dessa forma privatizando o imaginário individual, a cultura, o espaço público, a própria liberdade de expressão.

Entre a visão de activista da jornalista canadiana e a astúcia sem estados de alma dos dois (entre tantos outros) publicitários, existirá algum entendimento possível? É o tipo de questão que poucos publicitários se põem, e ainda menos em Portugal. Discussões deontológicas entre os profissionais da nossa área só costumam ter lugar quando é preciso contornar algum artigo da legislação. Está na ordem natural das coisas, aliás, ocuparmo-nos mais das formas de vencer o cepticismo dos consumidores do que das razões profundas desse cepticismo. Limites éticos? Deve haver alguém para pensar nisso, mas por que haveria de ser eu?

Pelo menos um publicitário existiu, no entanto, que não apenas não fugiu a essas questões como lhes dedicou algumas das páginas mais inspiradas e inspiradoras já escritas sobre esta profissão. Já o citei há uns tempos: chamava-se Howard Luck Gossage e, embora tenha morrido um ano antes de Naomi Klein nascer, algumas das manifestações da voracidade do marketing denunciadas pela jornalista já tinham sido, com uma clarividência impressionante, antecipadas por ele (v. "Is There Any Hope for Advertising?" in "The Book of Gossage") .

Gossage não era um publicitário como os outros. Redactor brilhante, estratega genial, que praticava a comunicação integrada e o guerrilla marketing muito antes de esses nomes terem sido inventados, as suas campanhas seguiam uma lógica totalmente diferente das de Madison Avenue. Numa época em que o massacre mediático e a repetição implacável ainda eram a fórmula incontestada das grandes agências e anunciantes, criava publicidade de alta precisão, destinada a atingir rapidamente o seu efeito e assim tornar-se, quanto antes, desnecessária.

Mas o seu traço mais sui generis era provavelmente a convicção de que um dia esta poderia ser uma actividade para pessoas crescidas – pessoas capazes de compreender e responsabilizar-se pelo efeito do que fazem não apenas na curva de vendas, mas também no aspecto das cidades, na paisagem cultural, na liberdade de expressão.

Gossage, que praticava a arte marcial da publicidade melhor do que ninguém, tinha a inteligência (ou a ingenuidade) de querer que esta fosse uma luta leal. "No Logo" demonstra, com argumentos penosamente convincentes, que o seu ponto de vista não prevaleceu. Será que ainda vamos a tempo?

19.7.04

Palavras sábias de Seth Godin

Just had brunch with my new friend Bob. He's in the TV business.

Twenty years ago, everyone in the TV business believed in the three channel universe. Cable was a myth.
 
That's why the big networks did such a bad job of starting cable networks. They couldn't believe that it was even remotely likely to succeed.

Of course, the first 20 channels did succeed. In a very, very big way. Billions of dollars worth of success.
It took about a decade, but the tv business recalibrated. They now believe that we have reached the natural number of networks and that's it.

What happens, I asked, when Tivo has Java and TCP/IP and there's a million channels?

The people in the TV business can't imagine this. They can't imagine a world where there might be 20 A&E networks, or where there might be a channel just for shows on how to build a model airplane.

XM radio and the Net just increased the number of radio stations by a factor of 100.

And today the NY Times reports that 175,000 books are published every year. And rising.

And we just hit 3,000,000 blogs, up from 100 five years ago.

The number of channels for just about anything keeps going up. The number of GOOD channels, where good means a built in high traffic audience that is non-discerning, keeps going down. The number of good newspaper PR outlets is down to a handful. The number of retailers with shelf space that really matters is tiny. Yes, you can get your thing out there. No, you can't expect that distribution (or carriage, as they say in TV) is going to make you successful.

In other words, owning a printing press is not such a big deal. Knowing the buyer at Bed Beth & Beyond isn't much better.
 

13.7.04

Mobile marketing sem stress

Quando um padre norueguês começa a aceitar confissões por SMS apercebemo-nos subitamente do potencial desta tecnologia para mudar as nossas vidas.

Os clientes sempre estiveram em movimento, mas os pontos de contacto com ele eram fixos, quer se tratasse do ponto de venda, do aparelho de televisão ou do outdoor. Móveis, mesmo, só os vendedores, mas nem eles acompanham o cliente para toda a parte.

Agora, em resultado da presença quase universal dos telemóveis e da crescente difusão dos computadores de bolso, as pessoas estão, se o quiserem, contactáveis em toda a parte e em todo o momento. O mobile-marketing é o equivalente da marcação homem a homem – sem esquecer que, em cada dois homens, um é mulher – o que sugere imediatamente como esta abordagem pode ser odiosa se não for usada com moderação.

Como incorporar eficazmente o mobile-marketing entre as ferramentas de comunicação sem provocar a hostilidade do público alvo? A resposta passa pela compreensão de que a comunicação é – e sempre foi - um serviço que as marcas prestam aos consumidores. Em que circunstâncias é possível aumentar a satisfação do consumidor comunicando com ele em determinados momentos? Se não estamos certos de que ele aprecie essa possibilidade, porque não perguntar-lhe ou dar-lhe a opção de ser ou não contactado?

Não é boa ideia usar o SMS como se se tratasse de um mass medium. A força dos meios digitais está no seu potencial de personalização e de interacção. Por isso, funcionam muito melhor no quadro de uma estratégia de marketing relacional.

7.7.04

Formigas e consumidores

Em meados dos anos 80, alguns cientistas conduziram interessantes experiências com insectos.

Duas fontes de alimentação idênticas foram colocadas a igual distância de uma colónia de formigas mas em direcções opostas. Como é que as formigas consumidoras escolheriam entre as duas fontes de alimentação, dado que tanto a qualidade do alimento como o seu preço (neste caso, o esforço dispendido para chegar à fonte) eram absolutamente indistinguíveis?

Em princípio, poder-se-ia esperar, dada a ausência de diferenciação competitiva, que as formiguinhas se dividissem numa proporção 50:50 pelas duas fontes, numa espécie de processo aleatório equivalente ao lançamento de uma moeda ao ar um número potencialmente infinito de vezes.

Esse raciocínio parece normal para um economista e também para alguns gestores de marketing de inclinação mais racional. Os biólogos, porém, tendiam a pressupor um padrão de comportamento diferente. Quando uma formiga encontra alimento satisfatório num dado local, tende não só a voltar lá como a recomendar a sua descoberta às suas amigas. Assim, tenderia a gerar-se um fluxo constante de formigas na direcção da primeira fonte descoberta enquanto ela não se esgotasse.

Em termos económicos, isso quer dizer que o comportamento de cada formiga tende a ser influenciado pelo das outras formigas, um fenómeno que a teoria económica tradicional ignora, embora tenha sido identificado há um século por Thornstein Veblen e seja conhecido desde então como o «bandwagon effect» (em tradução livre: o efeito carneirada).

Em linguagem técnica, também se chama a isto em teoria dos sistemas um feedback positivo: o facto de a fonte de alimento gerar satisfação atrai continuamente mais formigas, criando um fortíssimo hábito muito difícil de romper desde que não ocorra qualquer ruptura de abastecimento.

Ora bem, admitindo que as primeiras formigas que saem da colónia escolhem aleatoriamente a direcção a tomar, a proporção delas que encontra cada uma das fontes varia também aleatoriamente. Essa proporção pode ser de 50:50, mas factores quase insignificantes, tais como pequenos acidentes de terreno, podem fazê-la desviar-se dessa norma, de modo que ela poderá ser, por exemplo, do tipo 65:35.

Combinando estes dois factores determinantes do comportamento – primeira escolha aleatória e feedback positivo a partir daí – os biólogos prediziam que as formigas tenderiam a fixar-se no longo prazo no equilíbrio inicial, fosse ele qual fosse: 50:50, 65:35 ou 89:11, por exemplo.

Transportando esta ideia para o marketing, presume-se que o equilíbrio final de um mercado depende essencialmente do que se passa na fase inicial do seu desenvolvimento. Uma marca pioneira beneficia de uma grande vantagem, dado que, a menos que alguma outra marca fortemente diferenciada apareça (e todos sabemos como isso é raro), os consumidores fixar-se-ão na primeira experiência positiva que tiverem.

O primeiro a entrar num mercado tende, portanto, a dominá-lo.

Na verdade, o comportamento observado das formigas é muito distinto do previsto quer por economistas quer por biólogos. Mesmo depois de ter decorrido um tempo considerável, a proporção de formigas que visitava cada fonte continuava a flutuar intensamente de forma aleatória e, às vezes, surpreendentemente rápida. O conflito entre a teoria aceite e a experiência levou a que ela fosse repetida em diversas circunstâncias e lugares, mas os resultados permaneceram idênticos.

Antes de prosseguirmos, convém notar que, para surpresa de muita gente, o padrão de comportamento observado nas formigas é, como se pode depreender do estudo dos painéis de consumidores, basicamente igual ao dos seres humanos. Investigadores como Andrew Ehrenberg chamaram há muito tempo a atenção para o carácter aleatório da chamada «escolha» da marca comprada no interior do reportório previamente seleccionado.

Logo, as experiências com os simpáticos insectos são da maior importância para o estudo do comportamento dos consumidores, tanto numa perspectiva teórica como aplicada.

O economista Alan Kirman, pioneiro no estudo de sistemas em que os agentes envolvidos (consumidores ou produtores, por exemplo) interagem uns com os outros – um pressuposto diferente da teoria económica clássica, na qual cada agente toma as suas decisões independentemente dos restantes - construiu e testou um modelo alternativo para ver se ele permitiria replicar melhor o comportamento observado das formigas.

Os princípios desse modelo são simples. Ao sair da colónia, uma formiga pode adoptar uma de três vias: pode regressar à fonte que visitou da última vez; pode ser persuadida por outra formiga a dirigir-se à outra fonte; ou pode, por seu capricho espontâneo, dirigir-se à outra fonte. Repare-se como este modelo pode perfeitamente ser transposto para o mundo dos seres humanos, sem ser necessário entrar numa discussão sobre o significado de expressões como «persuadir» ou «capricho».

Por conseguinte, há neste modelo três parâmetros importantes: a força do hábito, o desejo de variedade e a vulnerabilidade às sugestões dos outros consumidores. Em conjunto, eles determinam a propensão para mudar de marca. A intensidade e a rapidez das flutuações observadas nas quotas de mercado das marcas concorrentes dependem dessa propensão.

O que se constata é que as oscilações das partes de mercado são imprevisíveis no curto prazo. Durante a maior parte do tempo elas são de fraca amplitude, mas, de vez em quando, movem-se bruscamente, sem que tenha ocorrido qualquer causa explicativa especial, como seja uma reformulação do produto, a abertura de novos canais de distribuição ou uma nova campanha de publicidade.

Este facto sugere que se corre frequentemente o risco de reagir exageradamente a acontecimentos desfavoráveis cuja causa é puramente aleatória, ou de atribuir ganhos extraordinários de vendas a uma acção promocional que, por mero acaso, coincidiu com eles.

No longo prazo, porém, verifica-se que as quotas oscilam em torno de quotas de mercado bastante estáveis. Por outras palavras, o aparente caos de curto prazo esconde uma estabilidade essencial do sistema.

Uma consequência contra-intuitiva do modelo é que, ao contrário do que pareceria natural, as quotas de mercado oscilam menos quando a propensão para a mudança dos consumidores é mais alta, e vice-versa. A razão é que, quando os consumidores trocam frequentemente de marca, é muito provável que haja um elevado número deles a mudar num sentido e outro no sentido contrário, Inversamente, quando as mudanças são raras, uma vez que a quota de mercado se altera significativamente, pode mudar muito tempo até que o movimento seja invertido.

A terminar, vejamos então que conclusões relevantes poderão ser tiradas para o marketing em condições de baixa diferenciação competitiva:

1. É crucial entrar cedo num mercado para estabelecer uma posição de liderança.

2. Após a fase inicial, as quotas de mercado podem oscilar muito no curto prazo, mas as posições iniciais tendem a funcionar como um equilíbrio de longo prazo.

3. A maioria das flutuações de curto prazo que ocorrem no mercado deve-se ao acaso.

4. É um erro procurar reagir com medidas correctoras às pequenas variações de quotas de mercado que ocorrem continuamente.

5. Os três factores definidores do padrão geral de comportamento são o hábito, o desejo de variedade e a influência dos outros consumidores.

6. O hábito e o desejo de variedade são intrínsecos à categoria de produto. Apesar disso, a gestão de marketing pode e deve esforçar-se por utilizá-los a seu favor.

7. Do ponto de vista da gestão de marketing, a mais importante variável de controlo é a influência dos outros consumidores.

8. Os consumidores não tomam decisões durante a maior parte do tempo: não inventariam alternativas, não recolhem informação sobre elas, não ponderam os prós e os contras, nem fazem cálculos de utilidade. Essa é a razão pela qual o seu comportamento é idêntico ao das formigas.

6.7.04

FELIZ DIA DO VINHO

Daqui a uns dias, pelos vistos, comemoramos (?) o Dia do Vinho. Vai daí, alguém teve a ideia de gravar um spot de rádio memorável, em que se declama, incrivelmente mal, um erudito poema de louvor à bebida. É daquelas coisas tão ruins, mas tão ruins, que chegam a ser interessantes. Fazem-nos pensar. Eu, por exemplo, estou até agora pensando o que levaria alguém a gastar dinheiro com a veiculação de semelhante obra-prima. Será que imaginam que o poema vai aumentar o consumo do vinho? Melhorar a imagem da bebida? Sensibilizar para a importância capital do Dia do Vinho?

Como a peça não é assinada por ninguém, desconfio que quem aprovou o spot não se teve que chatear com esses detalhes. Provavelmente o dinheiro que se "investiu" ali é público – ou seja, meu e seu. Definir resultados? Para quê?

* Já agora, sempre ouvi dizer que não se podia fazer publicidade a bebidas alcoólicas durante o dia. Mas neste caso não deve haver problema: não é um anúncio à bebida, é uma campanha cívica de comemoração do Dia do Vinho. Está tudo explicado.

5.7.04

Poetas e assassinos

É de Rosser Reeves, creio, a famosa distinção entre matadores e poetas. Distinção muito útil no seu tempo, e certamente ainda hoje, para separar os criativos a sério dos que andam nesta actividade à falta de talento para mais.

Poeta, aqui, quer dizer diletante. Para Rosser Reeves, todos os que acreditavam no "soft-sell", na "imagem", na "criatividade" e noutras mariquices, por oposição ao martelar puro e duro da USP mais básica que se pudesse arranjar.

Em Portugal, há relativamente poucos anos, "poeta" era sinónimo de poeta mesmo. Tendo ouvido dizer que nesta profissão podiam ganhar a vida a escrever, muitos literatos, mais ou menos frustrados, vieram para agências. E como ninguém lhes dizia como fazer bons anúncios, entretinham-se a fazer maus poemas.

É claro que hoje isso mudou. Mas para o típico anunciante as agências e os seus criativos continuam a corresponder ao velho estigma: são poetas, artistas, gente sem senso prático e sem tino para os negócios, preocupados apenas em fazer anúncios bonitos – como se isso tivesse qualquer importância.

Vistos desta forma, parece natural que as agências e os seus criativos inspirem tanta desconfiança aos anunciantes. O negócio deles é vender, não patrocinar artistas. E no entanto…

No entanto a única serventia dos criativos publicitários é serem e se comportarem como artistas. Não apenas no sentido óbvio, de dominarem o seu instrumento para criar efeitos intencionais e não sujeitos a uma regra precisa, de aplicação mecânica, mas dependentes de largas doses dessa coisa indefinível chamada talento. Mas num sentido ainda mais radical.

Se, para um artista que se preze, cada vírgula do seu texto, cada notinha da sua partitura é tão importante, é porque têm um sentido de responsabilidade pessoal pelo seu trabalho que poucos publicitários mostram. Embora os seus meios sejam muitas vezes mais escassos, os seus patrocinadores quase sempre mais avaros, a ambição do artista é muito maior.

Qualquer artista a sério pretende, no mínimo, mudar o mundo. Aliás, mudar, não: suprimi-lo, para o trocar por outro, de sua própria invenção. É por isso que, para um artista que se preze, um detalhe de forma aparentemente insignificante pode ser uma questão de vida ou de morte.

Artistas que se prezam não são "poetas"; são matadores. Quando o que está em jogo é tão importante, vai-se até onde for preciso.

Acontece que os publicitários a sério, os Bernbach, os Gossage da vida, também estão nesta actividade para mudar o mundo. Sabem que podem fazê-lo, e fazem-no. Por isso o seu sentido de responsabilidade pelo que criam, a sua integridade, como há uns tempos é moda dizer, também é tão grande.

Os anunciantes não deveriam ter medo desses grandes poetas. Uma marca como veículo da recriação do universo, já pensaram? Mas não é nenhuma quimera: chamem-na Nike, chamem-na Apple, chamem-na Volkswagen, o facto é que elas andam aí.

22.6.04

Os sinais estão aí

Larry Light, Director de Marketing mundial da McDonald's, anunciou recentemente uma alteração radical do mix de comunicação da marca.

Quando, até agora, 2/3 do orçamento íam para advertising, a partir deste ano essa proporção baixará para apenas 1/3. A novidade, todavia, não está aí, dado que muitas empresas têm reduzido drasticamente os seus orçamentos publicitários ao mesmo tempo que aumentam as verbas gastas com promoções.

Não será esse o caso da McDonald's, que tenciona expandir as suas actividades brand-building recorrendo sobretudo a media alternativa que lhe permita aproximar-se do universo cultural dos seus consumidores.

Até há bem pouco tempo, as marcas pareciam imaginar que o público só tinha existência real em frente do televisor. Agora, começam a pouco e pouco a descobrir que ele passeia, diverte-se , convive, ouve música, dança, pratica desporto, interessa-se por moda -- e que todas essas actividades podem constituir oportunidades tão ou mais relevantes para se inflitrarem nas suas vidas.

8.6.04

Super-Rock Super-Sagres?

Um amigo meu é de opinião que cada euro gasto pela Sagres a patrocinar concertos rock se traduz num ganho imediato para a Super Bock.

Porquê? Porque, na cabeça dos consumidores, a associação entre rock e Super Bock tornou-se tão forte que a mera referência ao primeiro despoleta a memória da segunda.

Eu tendo a concordar com ele. Sempre que peço aos meus alunos para escreverem numa folha de papel o que lhes vem à cabeça quando pensam em Super Bock, ocorre-lhes o rock. Sempre que lhes proponho um exercício similar para a Sagres, ocorre-lhes o futebol.

Isso sugere que, mutatis mutandis, se a Super Bock investisse no patrocínio do futebol, o benefício iria direitinho para a Sagres.

É extremamente difícil levar os consumidores a associarem uma ideia a uma marca (por muito simples que ela seja) em categorias de baixo envolvimento. Porém, uma vez que essa associação seja criada, será ainda mais difícil desfazê-la.

Deveríamos considerar esta uma lei imutável do marketing.

28.5.04

Pedido de desculpas

Como terão notado, perdemos a cabeça por causa dos novos templates do Blogger - e, em consequência, lá se foram tanto o arquivo de comentários passados como os links para outros blogues.

Quanto aos comentários, não há nada a fazer. Esperamos apenas que o novo funcione, do que não estamos muito certos.

Quanto aos links vamos tentar reconstituí-los logo que possível.

Como se diz em português: tenham paciência...

26.5.04

A imaginação de marketing

Todos os dias, profissionais de marketing imaginam que, como não gostam de verde, o verde não vai funcionar nos seus anúncios.

Outros, tendo lido num manual de auto-ajuda que os pensamentos negativos nos atrapalham a existência, imaginam que não se deve utilizar num headline a palavra "não".

Há ainda os que imaginam que, aumentando o logotipo nos seus anúncios, o reconhecimento e afeição pela sua marca cresce proporcionalmente.

E mais uns quantos que, educados em famílias em que a palavra "você" era usada unicamente para tratar o motorista e o jardineiro, imaginam que o seu uso na publicidade deixa chocados os consumidores.

Sem falar nos que imaginam que uma mensagem totalmente desinteressante, se repetida muitas vezes, ganha por algum misterioso motivo o condão de interessar.

Há os que imaginam que, para ser levada a sério, uma marca não deve brincar.

E por fim os que imaginam ser preferível uma comunicação chata e importuna, mas na qual nada sobre o produto ficou por explicar, a uma comunicação cheia de humor em torno de uma simples ideia central.

Isto porque, como a imaginação de marketing não se cansa de frisar, o humor não vende.

19.5.04

O descoiso

Lembro-me perfeitamente da primeira vez -- já lá vão muitos anos -- que participei num brief criativo de uma agência.

Discutia-se Flora, e o Director Criativo sentenciou: "O grande problema desta marca é que ninguém sabe o que é. Não tem nem uma personalidade própria nem um target definido."

Nesse tempo, porém, sabia-se ao menos que Flora era uma margarina de mesa.

Anos mais tarde, uma extensão de marca ousada acolheu sob a asa protectora da Flora uma série de outros produtos.

Uma campanha publicitária muito criativa, assumindo a dificuldade de precisar o conteúdo da marca, optou por defini-la como "o coiso". Muitos aplausos, muitos prémios, mas, se não erro, poucos resultados.

A verdade é que a pobre dona de casa tem muita dificuldade em encontrar no super-mercado "o coiso", porque pura e simplesmente não existe nenhuma secção com esse nome.

Para além disso, sempre me intrigou como se poderá medir a notoriedade espontânea de uma marca assim. Será que os entrevistadores vão para a rua perguntar às pessoas que marcas de "coiso" conhecem?

Ries e Trout chamaram há três décadas a atenção para o facto de que, no panorama saturado de publicidade dos nossos dias, cada marca deve apropriar-se de uma ideia simples que facilite a sua identificação e interpretação.

É isso que se chama posicionamento e, evidentemente, o melhor posicionamento possível é a identificação de uma marca com uma categoria de produto.

Quando uma marca tenta significar muitas coisas ao mesmo tempo (ou, pior ainda, várias categorias ao mesmo tempo), o mais provável é que o consumidor, que tem mais que fazer do que estudar os anúncios, não entenda nada.

Esse é um dos perigos das extensões de marca.

Quando chegou a Portugal, a Parmalat usava a mesma marca para designar os sumos, os biscoitos, etc. Enquanto isso aconteceu, os consumidores só repararam que a Parmalat vendia leite. Mais tarde, quando os sumos passaram a chamar-se Santàl, e os biscoitos Grisby, foram finalmente criadas as condições mínimas para poderem competir no mercado.

Ora bem, para resolver os problemas tradicionais de indefinição da marca, a Flora pôs agora na rua uma campanha didáctica explicando-nos que "Flora também tem manteiga magra", "Flora também tem doce", "Flora também tem brunch" e "Flora também tem margarina".

Eu, que, tanto por razões profissionais como pessoais, simpatizo com a Unilever, bem gostaria de fazer-lhes a vontade e, da próxima vez que for ao super-mercado, trazer de lá pelo menos uma embalagem
de cada um desses "coisos" para experimentar.

Para ser franco, porém, tenho de reconhecer que o mais natural é que volte a esquecer-me. Sorry.

14.5.04

Quero ir para a cama consigo

No indispensável "Under the Radar -- Talking to today’s cynical consumer", Jonathan Bond e Richard Kirshenbaum têm uma forma expressiva de se referir a um dos erros mais comuns da comunicação publicitária: aquilo a que chamam "deixar a estratégia à mostra".

O exemplo que usam é o do homem que, com o objectivo de marketing de levar uma mulher para a cama, a abordasse com o seguinte headline: "Olá. Gostava de te levar para a cama". Acredito que a maior parte dos anunciantes não aja assim nas suas relações pessoais, mas muitos não têm o menor pudor em fazê-lo quando abordam o consumidor.

O erro é confundir resposta e estímulo, ou pensar que entre eles há uma relação linear.

Acontece que as motivações humanas são complexas e contraditórias. Por isso é tão difícil mudar comportamentos. Só por isso, aliás, é que é preciso ter uma estratégia, ou seja, encontrar um ponto de menor resistência. Nos termos de Bond e Kirshenbaum, um ponto não coberto pelo "radar" do público-alvo. Depois, é preciso que a estratégia não esteja à mostra. O cavalo de Tróia não pode ser feito em acrílico transparente.

Um exemplo de comunicação em que isso foi obviamente esquecido são aqueles avisos macabros que enfeitam os maços de cigarro. A intenção é meritória, mas o raciocínio é tão básico como o do Don Juan do exemplo acima. Se as pessoas tiverem sempre presente que o cigarro faz mal à saúde, terão menos vontade de fumar, correcto? Óbvio que não.

As pessoas sempre souberam que fumar fazia mal à saúde. Sabem-nno pelo menos desde que, na adolescência, foram avisados, muitas vezes aos berros e com castigos pelo meio, pelos próprios pais (eles próprios, frequentemente, fumadores cheios de problemas de consciência). Justamente, fumar era uma forma de mostrar aos pais que eles já não mandavam, por mais que até pudessem ter razão. A liberdade que o tabaco promete não é só a de respirar mais fundo no vasto país de Marlboro. A liberdade mais importante, que nunca precisou aparecer nos anúncios para ser compreendida, geração após geração, é a de transgredir. Transgredir o bom senso, as recomendações dos médicos, as proibições dos pais.

O que faz a comunicação do Estado nos maços? Embute o pai, o médico e a autoridade em geral no próprio produto. Aumenta, portanto, o ansioso prazer de transgredir.

Não admira que seja tão eficaz.