31.10.06

A democratização da inovação



Há uns bons trinta anos que Eric von Hippel insiste na importância da inovação iniciada e desenvolvida pelos clientes e utilizadores.

A sua tese é facilmente aceite no que respeita aos mercados businness-to-business, mas menos valorizada nos mercados de bens de consumo.

No entanto, a Coca-Cola sob a forma em que hoje a conhecemos foi inventada por consumidores que decidiram misturar o xarope à venda nas farmácias com água gaseificada. O automóvel descapotável foi inventado por condutores que experimentaram serrar o tejadilho. O micro-computador foi inventado por estudantes de informática que desejavam ter capacidade de cálculo em suas casas. A World Wide Web foi inventada por um investigador do CERN insatisfeito com os interfaces disponíveis para buscar informação na internet. E assim sucessivamente.

Von Hippel cita uma interessante investigação levada a cabo pela 3M. Segundo ela, as inovações desencadeadas pelos clientes produziram oito vezes mais vendas do que as inovações iniciadas dentro de casa. Mais: as inovações dos clientes conduzem mais frequentemente a novos produtos e novos negócios, ao passo que as outras traduzem-se usualmente em simples aperfeiçoamentos incrementais do que já existe.

No seu novo livro "Democratizing Innovation", Von Hippel mostra que as tecnologias da informação aumentaram radicalmente a capacidade de inovação dos clientes, conduzindo à democratização do processo. Cada vez mais, os clientes cooperam entre si para desenvolverem produtos e serviços mais adaptados às suas necessidades particulares e para os disseminarem uma vez inventados e testados.

Também aqui encontramos, por conseguinte, um exemplo do crescente poder dos clientes face aos produtores. Que podem estes últimos fazer para não perderem inteiramente o barco?

Von Hippel sugere três estratégias:

1. Disseminar em larga escala as inovações introduzidas pelos clientes e colaborar na sua melhoria;

2. Vender aos utilizadores produtos e software destinados a facilitar o processo de inovação;

3. Vender produtos e serviços complementares das inovações desenvolvidas pelos clientes.

28.10.06

Sobre o declínio do marketing

Quando se discute o estado das relações entre os anunciantes e as agências esquece-se usualmente que ele é sobre-determinado pelo estado geral do marketing.

Ora acontece que, desse lado, as notícias não são boas. Um artigo (*) publicado há um ano na Sloan Management Review (a revista de gestão do MIT), assinado por Frederick Webster, Alan Malter e Shankar Ganesan, sustenta que o estatuto do marketing tem vindo a descer nas empresas norte-americanas. Creio que isso é verdade um pouco por todo o mundo.

Segundo os autores, os gestores de topo dão cada vez mais importância a funções como as finanças e as operações em detrimento do marketing, designadamente na sua dimensão estratégica.

Por um lado, o marketing foi expulso do centro corporativo, arrastado pelo declínio geral das preocupações estratégicas e de longo prazo. Por outro lado, ao nível funcional, o marketing encontra-se frequentemente remetido para a organização de acções promocionais e a negociação com os canais retalhistas.

Num certo sentido, voltou-se à situação que prevalecia antes dos anos 50 do século passado, com a óptica de vendas, mais preocupada com a obtenção de resultados no curto prazo, a sobrepor-se à orientação de marketing, mais preocupada com a construção de marcas fortes. A dificuldade de documentar com resultados sólidos o valor estratégico da filosofia de marketing levou a um retrocesso acentuado das práticas de gestão.

Pressionados para incrementar vendas e reduzir custos de qualquer maneira, os gestores de marketing passaram essa pressão para os seus parceiros, entre os quais se encontram as agências de publicidade.

Pense-se o que se pensar desta situação, é nela que presentemente temos que viver.

(*) F. Webster, A. J. Malter e S. Ganesan, “The Decline and Dispersion of Marketing Competence”, Sloan Management Review, Summer 2005, Vol. 46, Nr 4, pp. 35-43 (foi publicada uma tradução razoável na Revista Portuguesa e Brasileira de Gestão, Jul/ Set 2005).

Estratégia, precisa-se

A campanha dos óleos VG é engraçada, sim senhor.

Mas eu pergunto: o que é que leva alguém a pensar que aquilo haverá de ter algum interesse para as donas de casa que compram o raio do óleo?

Fazem-se hoje demasiadas campanhas publicitárias concebidas para agradar acima de tudo aos publicitários, como se os publicitários tivessem interesses, atitudes e motivações semelhantes às do público a que elas supostamente são dirigidas.

Uma das principais qualidades que um bom publicitário deve ter é a capacidade de se pôr na pele de pessoas que pela sua ocupação e concepção de vida são muito diferentes dele. Chama-se a isso criar empatia com o público.

Eu sei que isso é muito difícil num país onde as supostas elites desprezam a massa dos seus concidadãos, que elas consideram irremediável e definitivamente estúpida.

Mas - que querem? - ninguém é obrigado a escolher esta profissão.

26.10.06

Armadilhas da pesquisa

Há uns anos atrás aconteceu-me ser frequentemente inquirido para o painel de opinião da SIC, uma enriquecedora experiência que me pôs a pensar sobre o que é afinal isso da opinião.

Duas constatações em particular me deixaram perplexo. Em primeiro lugar, embora eu seja em geral considerado um sujeito por vezes incomodativamente opinativo, pude constatar em vários momentos que não tinha de facto qualquer opinião sobre certas questões que me colocavam. Em segundo lugar, a avaliar pelos resultados divulgados, ao contrário de mim (pelo menos na aparência) a esmagadora dos inquiridos manifestavam preferências muito bem definidas por uma das alternativas que lhes eram propostas.

Uma das explicações possíveis para esse fenómeno será que, embora as pessoas não pensem seriamente sobre muitos assuntos, optam por dizer algo que lhes parece socialmente aceitável (ou recomendável) quando insistentemente pressionadas a dizer qualquer coisa, para não sentirem que estão a fazer figura de ignorantes. Naturalmente, isto acentuou as minhas suspeitas em relação à validade de muitas sondagens que vemos para aí publicadas.

Num artigo esta semana saído no Público e que pode ser lido aqui, o Pedro Magalhães debruça-se sobre este fenómeno. Consola-me saber que ele já foi estudado em profundidade. Preocupa-me que o veredito final de John Zaller, um investigador que sobre ele se debruçou, tenha sido este: a maior parte das pessoas não têm verdadeiras opiniões sobre seja o que for, mas apenas "predisposições" e "considerações", sendo relativamente fácil manipular as suas respostas fazendo variar muito ligeiramente o modo como as perguntas são feitas. Para ficarem a saber o que isso quer dizer e entenderem melhor as consequências dessa descoberta, leiam o artigo do Pedro.

Entretanto, acredito que toda a gente que trabalha em marketing e publicidade deveria estar prevenida contra as consequências eventualmente devastadoras de se retirarem conclusões abusivas de pesquisa efectuada sem ter em conta estes fenómenos perversos. Verdade verdadinha, há por aí demasiada pesquisa, nomeadamente qualitativa, em que os respondentes são barbaramente torturados até dizerem aquilo que se quer que eles digam.

A boa pesquisa tem tanto de arte como de ciência. Além disso, só pode produzir resultados fidedignos quando quem a faz está genuinamente interessado em aprender algo e não em impor a todo o custo os seus preconceitos a priori. Não posso deixar de recordar a prevenção de David Ogilvy contra aqueles que usam a pesquisa como os bêbados usam os candeeiros: "for support, rather than for enlightenement".

20.10.06

Anunciantes e agências

Na semana passada moderei, a convite da APAN, um seminário em que anunciantes e agências fizeram o ponto do estado do seu relacionamento mútuo.

As agências fizeram-se representar por uma luzida embaixada. Os anunciantes idem, mas compareceram em número inferior ao que seria de esperar.

O debate foi muito interessante, pelo menos para mim. Tenciono escrever nos próximos dias alguns posts sobre o que ouvi e pensei durante e depois dele.

18.10.06

Modelo de negócio do YouTube

A ler: Wharton sobre o modelo de negócio do YouTube.

17.10.06

Tudo o resto me parece saloio

Hoje descobri, por puro acaso, quando preparava uma apresentação, o site do Neil French.

Se calhar fui o último. Ainda assim aqui fica a recomendação: sem querer ofender ninguém, ao lado do trabalho dele, tudo o resto me parece saloio.

15.10.06

A missa ao vigário

Vale a pena ouvir esta palestra de Seth Godin no Google. Como o próprio diz, é como ensinar a missa ao vigário. Mas não é que ele ensina umas coisas?

14.10.06

Prazos

Não sei quem é o autor, mas este Dicionário que alguém me enviou por email também merece ser adoptado deste lado do Atlântico (afinal, a história do país irmão sempre tem algum fundamento). Vai ser muito útil a quem tem que lidar com os prazos (ou deadlines, como agora dizemos) de fornecedores, clientes-que-têm-que-aprovar-a-campanha e, principalmente, clientes-que-têm-que-assinar-o-cheque.

Passo a citar.

"Para evitar que estrangeiros fiquem pegando injustamente no nosso pé, está sendo compilado o Dicionário Brasileiro de Prazos (que já deveria estar pronto, mas atrasou ...), do qual foram extraídos os trechos a seguir:

DEPENDE: Envolve a conjunção de várias incógnitas, todas desfavoráveis. Em situações anormais, pode até significar sim, embora até hoje tal fenômeno só tenha sido registrado em testes teóricos de laboratório. O mais comum é que signifique diversos pretextos para dizer não.

JÁ JÁ : Aos incautos, pode dar a impressão de ser duas vezes mais rápido do que já. Ledo engano; é muito mais lento. "Faço já" significa "Passou a ser minha primeira prioridade", enquanto "Faço já já" quer dizer apenas "Assim que eu terminar de ler meu jornal, prometo que vou pensar a respeito".

LOGO: "Logo" é bem mais tempo do que dentro em breve e muito mais do que daqui a pouco. É tão indeterminado que pode até levar séculos. Logo chegaremos a outras galáxias, por exemplo. É preciso também tomar cuidado com a frase "Mas logo eu ?", que quer dizer "Tô fora".

MÊS QUE VEM: Existem só três tipos de meses: aquele em que estamos agora, os que já passaram e os que ainda estão por vir. Portanto, todos os meses, do próximo até o Apocalipse, são meses que vêm!

NO MÁXIMO: Essa é fácil: quer dizer "no mínimo". Exemplo: Entrego em meia hora, no máximo. Significa que a única certeza é de que a coisa não será entregue antes de meia hora.

PODE DEIXAR: Traduz-se como "nunca".

POR VOLTA: Similar a "no máximo". É uma medida de tempo dilatada, em que o limite inferior é claro, mas o superior é totalmente indefinido. "Por voltadas 5h" quer dizer "A partir das 5 h".

SEM FALTA: É uma expressão que só se usa depois do terceiro atraso. Porque depois do primeiro, deve-se dizer "Fique tranqüilo que amanhã eu entrego". E depois do segundo, "Relaxa, amanhã estará em sua mesa". Só aí é que vem o "Amanhã, sem falta".

UM MINUTINHO: É um período de tempo incerto e não sabido, que nada tem a ver com um intervalo de 60 segundos e raramente dura menos que cinco minutos.

CHIIII...: Se dito neste tom, após a frase: "Não vou mais tolerar atrasos, OK?", exprime dó e piedade por tamanha ignorância sobre nossa cultura.

ZÁS-TRÁS: Palavra em moda até há uns 30 anos atrás e que significava ligeireza no cumprimento de uma tarefa, com total eficiência e sem nenhuma desculpa. Por isso mesmo, caiu em desuso e foi abolida do dicionário."

5.10.06

Band Aid


É um livro que está na moda. Daqueles que, mal é mencionado numa roda de conversa, põe toda a gente a dar opiniões – até vir um desmancha-prazeres perguntar se alguém de facto o leu. Pois, olhe, ainda vai a tempo. Vale mesmo a pena.

The tipping point articula com clareza uma teoria simples (ainda que, como vinca o próprio autor, nada intuitiva) de como se propagam os mais diversos comportamentos sociais. Os exemplos vão do suicídio entre adolescentes à Rua Sésamo, da compra de discos por catálogo ao crime. Em cada caso, o ponto comum é sempre uma propagação não linear, com um ponto de viragem a partir do qual o comportamento em causa dá ou não origem a uma “epidemia”.

As implicações para o marketing são enormes – e estão explícitas no livro. Alguns dos exemplos são mesmo de “epidemias” criadas ou simplesmente aproveitadas por marqueteiros – como a moda dos Hush Puppies nos anos 90, ou a forma como Lester Wunderman ajudou o Columbia Record Club a vender mais discos.

Obviamente o livro não traz nenhuma receita pronta, mas uma forma nova de procurar aquilo que define qualquer estratégia: o ponto sobre o qual agir para obter o máximo resultado com o mínimo esforço. Os seus “tipping points” são isso mesmo. Para Malcolm Gladwell, a resposta pode estar numa mensagem particularmente contagiosa (é normalmente aí que os publicitários se concentram); pode estar num certo tipo de mensageiros, capazes de retransmitir a mensagem melhor do que o comum dos mortais; ou na procura do contexto adequado.

Não surpreende que, na sua Conclusão (“Focus, test and believe”) Gladwell acabe por preconizar soluções cirúrgicas, mais próximas da guerrilha do que da artilharia pesada. Diz ele: “A critic looking at these tightly focused, targeted interventions might dismiss them as Band-Aid solutions. But this term should not be considered a term of disparagement. The Band-Aid is an inexpensive, convenient, and remarkably versatile solution to an astonishing array of problems. (…) The Band Aid solution is actually the best kind of solution because it involves solving a problem with the minimum amount of effort and time and cost”.