27.4.04

Quarenta anos depois

Há cerca de 40 anos, um senhor chamado Howard Luck Gossage espantava-se de algumas peculiaridades do mercado publicitário. Para ele, um sistema de remuneração das agências baseado não em quanto dinheiro o cliente ganha, mas em quanto ele gasta, só poderia conduzir ao desastre. Também se referia à publicidade das grandes corporações como "a multibillion-dollar thumbtack sledgehammer to drive an economy-size thumbtack", ou seja, uma máquina absurdamente cara dedicada a produzir comunicação medíocre, repetitiva e importuna.

Já na última Archive, um senhor chamado Nizan Guanaes falava da sua descrença no velho sistema de comissões, ainda em vigor mais ou menos por todo o lado, e referia-se à insólita característica do mercado publicitário: enquanto noutras áreas ter mais dinheiro à disposição significa poder comprar o que há de melhor, "really enormous clients use all the power they have to get the worst, the ordinary, the ‘déjà vu’".

Ou o senhor Gossage estava mesmo à frente do seu tempo (o que é provável -- quem não conhece leia e inspire-se com "The Book of Gossage") ou esta actividade tem uma tendência a andar em círculos.

16.4.04

Sensibilizar

Sensibilizar é a grande receita nacional para todos os problemas que afligem a pátria.

Sensibilizar as donas de casa para a separação do lixo, sensibilizar os jovens para o perigo da SIDA e para a actualidade do 25 de Abril, sensibilizar os cidadãos para a importância de votarem nas eleições europeias, sensibilizar os veraneantes para a protecção da floresta, sensibilizar os trabalhadores para a competitividade das empresas portuguesas, sensibilizar as crianças para a protecção das espécies ameaçadas.

Meio mundo tenta sensibilizar o outro meio, e os grandes sensibilizadores profissionais são os jornalistas, que diariamente desenterram no telejornal das oito mais uma mão cheia de causas que prometem salvar a humanidade da catástrofe iminente.

Infelizmente, estes beneméritos esforços esbarram invariavelmente em dois obstáculos de monta. Por um lado, com tanta gente a sensibilizar, os seus esforços anulam-se mutuamente. Em segundo lugar, e mais importante ainda, as pessoas aprendem principalmente com a sua experiência e não com sermões.

Na ausência de planos de acção e de trabalho metódico, sensibiliza-se. Que é como quem diz: finge-se que se faz qualquer coisa.

15.4.04

Um blogue competitivo

23% dos visitantes do Sangue, Suor e Ideias vêm do Brasil.

É a nossa contribuição para a balança de pagamentos intelectual portuguesa.

Não haverá por aí um subsídio para isto?

6.4.04



Basquiat: Profit I, 1982.

Que tem isto a ver com marketing ou publicidade?

Nada, claro. E tudo.

Os publicitários -- os bons publicitários, é claro -- são seres omnívoros. Alimentam-se de tudo o que vêm e ouvem à sua volta: filmes, Cds, conversas no metro, reality-shows, revistas do coração, jornais desportivos, horóscopos, museus, horários de comboios, performances, peep-shows, prateleiras de supermercados, toques de telemóveis, bibliotecas, videotecas, palavras cruzadas, instruções do Windows XP, Google, coscuvilhices, exposições de fotografia, poetas mortos, profetas vivos, debates políticos, best-sellers, romancistas intragáveis, cartoons, ficção científica, ficção política, contos fantásticos, romances policiais, estelas funerárias, breviários, Bíblia, Corão, Veda, telejornais, debates na rádio entre os ouvintes, ruínas romanas, assembleias gerais do Benfica, instalações, discursos do Papa, palestras do Scolari, crítica literária, concertos rock, boletins paroquiais.

A qualidade mais importante em alguém que trabalhe em marketing ou publicidade é a curiosidade, mãe da compreensão e antecâmara da inteligência, arauto da imaginação e da inovação.

Uma classe publicitária inculta é uma receita segura para o fracasso. Há poucos dias, o João Maria recordou-me com veemência estas verdades e eu jurei a mim próprio que este blogue deveria começar a fomentar activamente o interesse por tudo o que mexe, em particular no mundo das artes.

Esta história é verdadeira

A Ogilvy Direct da África do Sul, à data dirigida por Joost van Nispen, que mais tarde me relatou este episódio, foi em tempos contratada por um banco local para promover um novo fundo de investimento.

Como o produto se dirigia a uma vasta clientela potencial de todas as idades, a agência propôs um mailing que comunicava de forma diversa com cada um dos sub-segmentos etários a atingir.

Assim, aos mais jovens, a carta dizia: «Tem toda vida à sua frente, chegou o momento de pensar o que quer fazer com ela». E, aos clientes de idade mais avançada, eventualmente já perto da reforma, recomendava: «Sei que é uma pessoa madura, que não necessita dos meus conselhos. No entanto, gostaria de sugerir-lhe...»

Campanha aprovada e produzida, mailings a saírem rapidamente para a rua -- tudo perfeito, portanto.

Eis senão quando a agência se apercebe de que houve um erro, um estúpido e imperdoável erro: o mailing dirigido aos clientes mais jovens foi parar aos mais velhos e vice-versa. Sem perder tempo, a agência informou o banco do sucedido, mas não conseguiu evitar ser despedida na hora.

Novo golpe de teatro. Logo que começam a chegar as respostas torna-se evidente que a campanha é um extraordinário êxito. Surpresa das surpresas, as mais elevadas taxas de sucesso registam-se entre os segmentos extremos dos clientes mais jovens e dos mais velhos.

A razão? Muito simples: imaginem como reage um jovem a quem alguém diz que é uma pessoa madura que não necessita de conselhos, ou um cidadão sénior ao qual afirmamos que tem toda a vida à sua frente.

Embora por engano, o que esta campanha fez foi dizer a cada target exactamente o que ele queria de ouvir.

Extraordinária lição de comunicação, não acham?

2.4.04

Uma discussão nada original

Por alguma misteriosa razão, entra ano sai ano algumas velhas questões da relação anunciante-agência (ou, dentro das agências, da relação contacto-criativos) não se resolvem, e continuamos indefinidamente a discuti-las, inclusive neste blog. É a vida.

A oposição clássica diz respeito à obsessão de algumas agências (e, dentro delas, dos criativos) com a originalidade e a frescura das ideias, obsessão à qual muitos anunciantes respondem: quero lá saber de originalidade, só estou interessado nos resultados! É como se o dono da fábrica dos carros respondesse ao engenheiro: quero lá saber de rodas, só preciso que o carro ande.

A verdade é que a eficácia da comunicação depende da originalidade como os carros (pelo menos para já) dependem das rodas. Se para muitos marqueteiros isto não é óbvio (!), para os consumidores não costuma haver dúvidas.

Um exemplo muito actual. Todos os dias venho no meu carrinho ouvindo a TSF, e acho que há neste momento pré-Euro 2004 umas quinze marcas a anunciar usando como gimmick a velha ideia dos relatos futebolísticos, incluindo pelo menos uma que transpõe a fórmula para o relato de uma prova de atletismo (por causa das Olimpíadas), e ainda outra que narra uma partida de ténis (por causa do Open). Resultado: não sei que marcas são, nem o que dizem, porque quando começa aquela lengalenga tantas vezes ouvida, o meu cérebro faz uma espécie de zapping interno, ou seja, penso noutra coisa.

Basta, no entanto, que à mesma fórmula seja acrescentada uma volta realmente original para que o meu cérebro de consumidor volte a sintonizar. É o que me acontece ao ouvir o spot dos relógios do BPI. É surpreendente, é inesperado, apanha-me desprevenido. Por isso, sei o nome do anunciante, sei qual foi a promoção comunicada. Se ela for relevante para mim, as minhas probabilidades de aderir aumentam dramaticamente.

Isto é só bom senso, não é? Então, por que é que a originalidade é algo tão difícil de vender?

O problema da originalidade, ou, se quisermos, o preço que é preciso pagar por ela, é que é sempre mais arriscada que a sua falta. Ou seja, nenhuma ideia realmente original é sinónimo de resultados 100% garantidos, pela simples razão de que original é o que nunca foi feito antes. Por isso há tantos anunciantes que, contrariando o bom senso e a sua própria experiência como consumidores, preferem ficar com velhas e surradas fórmulas. É claro que elas vão passar em branco. Mas, pelo menos, isso é 100% garantido.