24.1.05

Grandezas e misérias da publicidade

Provavelmente já repararam que o spot publicitário do Montepio Geral que promove o crédito à habitação não contém nenhuma promessa.

Por conseguinte, tampouco procura convencer o público de que o crédito à habitação do Montepio é sob algum ponto de vista superior ao da concorrência.

Pode-se talvez argumentar que ele sugere implicitamente que, no Montepio Geral, as pessoas não se confrontarão com a conversa da treta de que se queixa o jovem que protagoniza o spot. Sem dúvida, mas também é verdade que nada é feito para tentar credibilizar essa alegação.

A realidade, porém, é que a campanha foi um enorme sucesso. Não só por ter alcançado uma enorme notoriedade, o que raramente é prova de eficácia, mas principalmente pela quantidade de jovens que atraiu aos balcões do Montepio e pela duplicação dos contratos fechados.

Como se explica este êxito?

Algumas pessoas - entre as quais eu por vezes me encontro - sentem-se por vezes nostálgicas do tempo em que a publicidade se esforçava por persuadir o público da excelência dos produtos.

É forçoso reconhecer, porém, que, nas actuais condições de saturação do espaço publicitário e fragmentação das audiências, ser meramente notado já é um grande feito.

Cada vez mais, a única coisa que se pode pedir à publicidade é que aumente a saliência da marca, que a traga para a boca da cena, que a coloque no centro do espaço público. Isto corresponde àquela dimensão da comunicação a que Roman Jakobson chamava comunicação fáctica, e que corresponde meramente a sinalizar uma presença e a abrir canais para outras formas de comunicação eventualmente mais eficazes.

Para a grande maioria dos jovens deste país o Montepio não existia. Este campanha resolveu esse problema. Não foi preciso argumentar que o Montepio era melhor, até porque possivelmente não haveria nenhum facto plausível para sustentar uma tal alegação. Bastou que os jovens notassem que o Montepio também existia, para que a procura que lhe é dirigida aumentasse em conformidade.

Depois, é claro, era necessário que os outros canais - balcões, telemarketing, internet, por exemplo - funcionassem a preceito para que as oportunidades de venda pudessem converter-se em vendas efectivas.

Mas a publicidade fez, e fez muito bem, aquilo que hoje se pode razoavelmente esperar dela quando não se tem um produto fantasticamente inovador e excitante para propor.

21.1.05

Levantar o rabo da cadeira

Durante muitos anos, a ANA Aeroportos deixava-se ficar muito sossegada no seu lugar à espera que os clientes viessem ter com ela.

De há um certo tempo a esta parte, porém, criou uma Direcção de Marketing Aviação e decidiu ir à procura dos clientes, convencendo-os a estabelecerem ligações aéreas regulares com os seus aeroportos.

É claro que, para estas iniciativas serem eficazes, tem que promover as potencialidades turísticas das regiões servidas pelos seus aeroportos não só junto das companhias aéreas estrangeiras como também das entidades que poderão contribuir para encher os voos de passageiros.

Ao mesmo tempo, trabalha com os operadores turísticos nacionais para prepararem pacotes atractivos para os turistas estrangeiros.

É por isso que, cada vez mais, veremos notícias como esta na imprensa. Só é pena que não se fale ainda mais destas coisas em vez de se perder tempo a discutir a inefável marca Portugal.

Não sei se as autoridades portuárias nacionais também fazem isto. Mas, se não fazem, deveriam fazer.

18.1.05

Serviço, ou talvez não

Em Novembro último, o forno do fogão cá de casa adoeceu. Como a reparação se afigurava complicada, resolvemos comprar um fogão novo e, depois de algumas voltas, encontrámos o que procurávamos, por um preço atraente e umas condições de pagamento imbatíveis, no El Corte Inglés.

Como o Natal se aproximava, cuidámos de assegurar a entrega do fogão num prazo curto. Uma semana e tal depois, porém, fomos informados de que, como a Bosch tinha as entregas atrasadas, o fogão só poderia ser instalado em nossa casa em Janeiro.

Não nos conformámos, protestámos veemente, fizemos ver que isso nos causaria enormes transtornos tendo em atenção a época do ano. No dia seguinte, o responsável do El Corte Inglés comunicou-nos a solução que encontrara: instalariam provisoriamente, mas de imediato, um fogão em nossa casa da mesma marca e com características semelhantes ao que compráramos. Mais tarde, quando chegasse o modelo encomendado, procederiam à instalação definitiva.

Tudo bem, tudo simples. Numa palavra, serviço de boa qualidade.

Agora vamos à outra história, que é menos edificante e mais longa de contar.

Há pouco mais de um mês o meu portátil Toshiba sofreu um colapso no meio de uma apresentação. Levei-o à Quinta Grande, um representante autorizado da marca que presta assistência técnica e faz reparações. Foi-me explicado que teria que ser substituída a motherboard e que, por conseguinte, o arranjo ficaria caro.

No dia 17 de Dezembro, uma sexta feira, assinei o orçamento que me foi apresentado. A peça teria de vir de Espanha, mas, uma vez chegada, bastaria instalá-la, uma operação instantânea. Previa-se que a peça pudesse estar cá no dia 22 de Dezembro, pelo que fui aconselhado a telefonar nesse dia.

No dia 22 de Dezembro quem me atendeu ficou muito admirado por eu já estar a telefonar. É que a peça só fora encomendada no dia 20, e ainda deveria demorar. Adiantaram-me então como nova data provável o dia 27 de Dezembro.

No dia 27, nada. Como eu pedisse nova previsão, foi-me respondido que não podiam indicar qualquer previsão, dado que haveria uma ruptura de stock em Espanha da peça pretendida. Fiz notar que me parecia inaceitável essa resposta, visto que o computador é um instrumento de trabalho fundamental para mim. Perguntei como se sentiriam como consumidores se lhes dessem uma resposta dessas, mas a minha interlocutora não se comoveu. Limitou-me a chamar a minha atenção para o facto de que, no orçamento que eu assinara, estava escrito em letras pequeninas que a empresa não assumia qualquer responsabilidade por qualquer prazo de entrega.

Predispus-me a entrar no novo ano ainda sem computador. Num dos primeiro dias de Janeiro voltei à carga, mas a resposta mantinha-se: a resposta era que não havia resposta, nem se sabia quando haveria. O «sistema» indicava apenas que a peça estava em ruptura, e mais nada além isso. Pedi-lhes que ligassem para Espanha para procurar saber mais qualquer coisa. Disseram-me que não tinham o número de telefone de Espanha. Sugeri que mandassem um email. Também não tinham o endereço.

Sugeri que fossem ao arquivo procurar uma factura da Toshiba espanhola, que lá haveria de estar um número de telefone. Ninguém podia ir ver. Como a senhora não estava em condições de me responder, pedi para me passarem a chamada a alguém que estivesse. A chamada foi remetida para a Assistência Técnica. Do ponto de vista da Assistência Técnica o assunto estava tratado: fora pedida a peça, e não viera. Ponto final. Pedi para falar com alguém ainda mais acima. Atendeu-me, disse-me imediatamente que iria tentar investigar e que mais tarde voltaria a ligar-me. Desligou. Nunca me ligou.

Falei directamente para a linha da Toshiba. Um funcionário muito atencioso tomou nota do assunto, ficou de informar-se e voltar a ligar. Ligou de facto três horas mais tarde, mas não tinha mais nada para dizer. A peça estava em ruptura, fora pedida para a Alemanha, era preciso esparar. Se o meu interlocutor era da Toshiba e a fábrica na Alemanha também era da Toshiba, porque é que não dialogavam para me dar uma resposta. Impossível. Teria eu o portátil dentro de uma semana? Não sabiam. Dentro de um mês? Impossível garantir. Ainda este ano? Muito provavelmente.

A conversa azedou. Pedi para falar com alguém responsável, era impossível transferir a chamada. Pedi o número do Director, não estavam autorizados a dá-lo. Escrevi um longo email para o endereço da Toshiba que me foi indicado. Veio devolvido por problemas no server de destino.

Passei à táctica de moer constantemente o juízo à Toshiba e à Quinta Grande, mas o assunto não avançava.

Como não podia continuar sem alguns ficheiros de que não possuía cópia, pedi para me fazerem um backup. Pediram-me para passar na loja no dia seguinte, dia 11 de Janeiro, às 17 horas, munido de um CD-ROM. Assim fiz. Cheguei pontualmente à hora marcada, disseram-me para me sentar e esperar, porque estavam a fazer backups de outras máquinas. Fiz ver que não podia esperar muito tempo, tinha uma reunião marcada às 18 horas nos Restauradores. Depois de alguma agitação lá se resolveu o problema.

Dois dias depois recebi finalmente um telefonema avisando-me de que o meu computador estava pronto. Fui levantá-lo. Quiseram que eu pagasse 80 euros pelos backups.

Agora reparem. Considero-me um cliente bastante paciente e cordato. Percebo que há quebras de stocks e que isso pode retardar uma reparação. Mas não percebo que a marca e o seu representante achem normal deixar alguém quase um mês - quatro semanas exactas, para ser preciso - à espera, sem serem capazes de explicar o que se passa e quando estarão em condições de resolver o problema. Não percebo que indiquem datas à toa, que não façam as chamadas necessárias para esclarecer a situação, que sejam escravos do «sistema», que não telefonem quando se comprometem a telefonar, que, enfim, os responsáveis não dêem a cara.

Estas empresas e estas pessoas acham que um serviço de assistência é uma mera estação de correios onde a gente deixa a máquina, para onde alguém envia uma peça, e onde a gente, no final, vai recuperar a máquina, sem se esquecer de pagar, e pagar bem, um serviço que virtualmente não existe.

Imaginemos por um instante que tinham a mesma noção de serviço que tem El Corte Ingles. Provavelmente fariam isto: Ao constatarem que havia uma ruptura de stocks, assumiriam o problema como sendo seu, não da Toshiba ou do cliente. Se a Toshiba não lhes desse uma data, continuariam a assumir que o problema seria seu, visto que eram eles que haviam assumido uma responsabilidade perante o cliente.

Que fazer então? Duas coisas. Primeira, disponibilizar-se-íam imedatamente para fazerem um backup dos ficheiros sem esperar sequer que o cliente o pedisse e sem cobrar por isso. (Note-se que a Quinta Grande teve até o cuidado de se assegurar que eu traria um CD-ROM para não incorrer nessa despesa.) Segunda, poriam provisoriamente à minha disposição um computador em segunda mão que me permitiria ao menos continuar a trabalhar.

Lamento ter sido tão longo, mas parece-me que estes dois casos ilustram na perfeição a diferença entre serviço e ausência dele.

14.1.05

Problemas de trânsito

Aprendi ontem, ao ver televisão, que a Danone está preocupada com o nosso «trânsito intestinal». É que, ao que parece, muitos portugueses não têm um «trânsito intestinal» normal.

E o que vem a ser, afinal, esse famoso «trânsito intestinal»?

Eu, que por razões profissionais me esforço por compreender os anúncios, imagino que terá alguma coisa a ver com prisão de ventre. Mas não aposto.

Interrogo-me sobre as razões que motivarão o recurso a este eufemismo. Outras marcas - não a Danone, esclareço - não se coibem de ofender gratuitamente os sentimentos religiosos dos consumidores, de fazer tábua rasa das suas culturas ou mesmo de ignorar a sua língua ao optarem por não traduzir claims em inglês.

Ao invés, a Danone leva demasiado longe os seus cuidados, como se houvesse algo de grosseiro ou meramente indelicado em falar de prisão de ventre - se é que é isso... - correndo assim o risco de que uma parte substancial dos consumidores não compreendam do que ela está a falar.

Nem tanto ao mar, nem tanto à terra.

13.1.05

APPM Marketing Awards 2004

Fiquei contente por alguns amigos que ganharam os Marketing Awards da APPM do ano passado, e voltarei a ficar pelos que os ganharem este ano. Mas, com toda a franqueza, duvido muito que, globalmente considerada, esta iniciativa seja uma coisa positiva.

Com que critérios é que se premeia o desempenho de um profissional de marketing? Que sabemos nós, que não trabalhamos com ele, sobre a sua capacidade de traçar objectivos, de delinear estratégias, de liderar projectos, de motivar colaboradores?

Nada - ou quase nada - evidentemente.

Mas, então, porque é que premiamos este e não aquele? Porque trabalha numa empresa com maior visibilidade? Porque tem a seu cargo marcas poderosas? Porque é muito falado nos media? Ou - hipótese ainda mais preocupante - porque esteve associado a campanhas publicitárias que deram brado?

Mas qual o mérito real de tudo isso?

A capacidade profissional é difícil de avaliar, às vezes, mesmo por quem está perto, quando mais por quem vê as coisas à distância...

A prudência recomendaria, por isso, que apenas fossem premiadas carreiras sólidas, duradouras e, se possível, consensuais, de outra forma correremos o risco de estaremos apenas a alimentar a feira de vaidades que já aflige quanto baste esta profissão.

Procurarei voltar ao assunto.

12.1.05

O voto é a arma do... como é que ele se chama?

Começou a votação online dos Marketing Awards da APPM relativos a 2004.

Há muita coisa com que eu não concordo nesta iniciativa, desde o conceito geral até às personalidades nomeadas (se tiver oportunidade escreverei um post sobre isso). Mas, já que a votação existe, não devemos deixar que outros decidam por nós.

Vão lá, e cumpram o vosso dever.

Para onde vai a publicidade na televisão?

Prestem atenção a estes dados da Marktest relativos à evolução do investimento publicitário na televisão em 2004:

1. Passaram nos quatro canais generalistas de sinal aberto 827 mil inserções publicitárias, um aumento de 9,2% em relação ao ano anterior.

2. A duração total dessas inserções foi 7.697 horas (5h 15m por canal por dia), uma diminuição de 0,3%.

3. O custo total a preços de tabela foi de 1.740 milhões de euros, um aumento de 13,8%.

Agora, notem o seguinte:

1. 827 mil inserções é muita inserção para um país que só tem cerca de 3,5 milhões de lares – e note-se que estamos só a falar de televisão! Se seu o número continuar a aumentar a um ritmo próximo dos 10% ao ano, um dia deste teremos uma espécie de comunicação one-to-one na televisão.

2. Apesar de o número de spots ter aumentado 9,2%, a sua duração total estagnou ou diminuiu ligeiramente. Logo, a duração média de cada spot reduziu-se quase 10%. Com mais publicidade a competir pela mesma atenção em menos tempo, é óbvio que a eficácia não pode melhorar.

3. Simultaneamente, o preço por unidade de tempo aumentou mais de 14% em termos nominais e mais de 10% em termos reais. Mesmo que as audiências se mantenham estáveis, o que de forma alguma é certo, o custo por contacto dispara para níveis proibitivos.

Tendo em conta este panorama, não admira que a eficácia relativa de outros meios tenda progressivamente a aumentar em comparação com a televisão. Só admira que tanta gente teime em não reconhecer esta realidade.