22.12.03

A Era dos Autores

Pasmado com a velocidade a que eram editados novos livros no século XVII, Samuel Johnson considerou que a humanidade tinha entrado na Era dos Autores.

Que diria ele desta loucura dos blogues? Provavelmente insistiria em que esta proliferação de centros de proliferação de textos nos impõe a todos uma ética da concisão.

O respeito pelos outros e por nós mesmos impõe-nos que digamos depressa e bem o que temos para dizer.

Há mais gente na bicha.

Não se pode ter tudo

A notoriedade tem o efeito de projectar um poderoso holofote sobre algo ou alguém.

Isso faz ressaltar as suas qualidades, mas também os seus defeitos.

Atenção aos próximos episódios do fenómeno Santana Lopes.

Ex-libris

Desde o século 16, quando foi plantada pelos portugueses à beira da baía de Guanabara, Niterói (a cidade brasileira de onde mando notícias) sempre teve bons argumentos para atrair os visitantes. Localização invejável, praias fantásticas, paisagens de cartão postal. O único problema era que, ali mesmo em frente, do outro lado da baía, estava o Rio de Janeiro. Com uma concorrência assim, durante 4 séculos a cidade não teve muita chance de brilhar por si própria.

Até que entrou em cena o marketing - na pessoa de um nonagenário genial chamado Oscar Niemeyer. Por encomenda da Prefeitura (Câmara Municipal), o velho arquitecto desenhou num guardanapo uma espécie de disco voador levemente pousado na falésia, a que foi dado o nome de Museu de Arte Contemporânea, e assim deu à cidade o que toda cidade tem que ter: um ex-libris. O resultado: não só começaram a vir turistas do mundo inteiro, como o Museu - que enquanto museu não é assim tão extraordinário - foi adoptado como o próprio logotipo de Niterói. Para isso, nem sequer teve de ser estilizado. Com as suas formas simples, graciosas e ao mesmo tempo tão memoráveis, parece ter sido pensado de propósito para ser uma marca.

Aliás, reparo que essa é uma característica de vários projectos de Niemeyer. A catedral de Brasília, o palácio da Alvorada, o sambódromo do Rio de Janeiro, a igreja da Pampulha em Minas Gerais, todos têm essa forma simples e marcante que caracteriza um bom logo. Não admira que mais cedo ou mais tarde acabem por ser usados como símbolos dos lugares onde estão.

Exmo. Senhor Presidente da Câmara (qualquer câmara): se a sua cidade precisar de uma cara, e de uma cara que a torne famosa num minuto, não contrate o gabinete de design do primo do cunhado da irmã da sua mulher. Encomende um teatrinho, um museu, um estádio, uma capela que seja, ao Oscar Niemeyer. A identidade visual do município está incluída no preço.

20.12.03

Jeitinho brasileiro

De férias no meu país, tento ver alguma da boa publicidade que, espero, continua a ser feita no Brasil. Está difícil. No rádio do carro, na pouca TV que vejo, só me aparecem anúncios muito gritados, muito rasteiros, muito "varejo" - que é como se chama no Brasil a comunicação hardselling de saldos e promoções. Ou, então, o uso e abuso de celebridades - aquela forma fácil, muito prezada no país das novelas da Globo, de substituir ideias por caras bonitas, naturalmente com cachês muito simpáticos. Que distância, penso, daqueles anúncios tão chiques, tão elípticos, tão nórdicos, com que as agências brasileiras continuam a brilhar nos festivais internacionais.

Apesar de tudo, reconheço nos maus anúncios que vou vendo uma característica que para mim é o melhor trunfo da melhor publicidade brasileira - embora não necessariamente daquela que sai na Archive. Falo de uma absoluta falta de complexos em ser explícito, directo, ou em falar uma linguagem que toda a gente entende. Ao contrário do típico bom anúncio europeu, que torna virtude uma certa vergonha em ser um anúncio, as campanhas brasileiras não têm problemas em chamar as coisas pelo nome, vender com o à-vontade de um feirante. Quando alegres são abertamente alegres, quando sérias, deslavadamente melodramáticas. Assumem que publicidade tem que ser popular - e isso não é visto como um defeito. Para o pior, isto dá esta publicidade barulhenta e irritante que tenho visto nos últimos dias. Para o melhor, dá campanhas como a da Skol, a cerveja que, verão após verão, continua a descer redondo.

16.12.03

Cocoricó

Para o bem e para o mal, aquilo que fazemos costuma ter mais força do que aquilo que dizemos. Isto vale para as pessoas como para as marcas. Por exemplo: apesar de uma comunicação muitas vezes cinzenta, a trajectória do grupo BCP incluiu alguns dos casos mais brilhantes de construção de marca em Portugal.

Se a comunicação não foi decisiva para erguer esse património, agora está a dar uma valente contribuição para dilapidá-lo. Antiquada, distante, inverosímil e com um copy inacreditável (Cocoricó! Acorde para a vida! Ponha todos os ovos no mesmo cesto! Faça o seu dinheiro cantar de galo!), é um compêndio completo de como não se deve fazer.

O marketing do BCP sempre esteve alguns furos acima da sua comunicação. Agora, não. Com um nome ruim, um posicionamento inexistente, uma identidade visual tristonha e a comunicação que se tem visto, parece que é o BCP quem decidiu pôr todos os ovos no mesmo cesto. Para não sair do universo galináceo, só se pode dizer uma coisa: é pena.

O MARKETING TRAMOU O PAI NATAL?

Todos os Dezembros é a mesma cantiga: "O Natal não é mais o mesmo". "O espírito de Natal já não existe". "O comércio matou o Natal".

É compreensível. Bombardeada por jingle bells e pais natais em cada supermercado, pelo apelo implacável ao nosso consumismo, não há mística que se aguente. Para muita gente, é bem possível que a alegria de festejar, de repartir, já tenha sido substituída por um mecânico intercâmbio de compras: eu dou-lhe um CD, você dá-me um livro, estamos quites. Consumimos brinquedos, electrodomésticos, calorias e já está: para o ano há mais.

Até para as crianças acreditar é cada vez mais difícil. Como conciliar mistério e surpresa com uma lógica comercial que exige que vão elas próprias escolher na loja os brinquedos que viram na TV?

A tradição já não é o que era. Vai daí, fica a pergunta: alguma vez foi?

Todos nós temos uma ideia idílica dos "velhos tempos" – aqueles em que nada mudava e tudo estava mais próximo da sua verdadeira essência. Neste caso, esse tempo coincide com a nossa infância – aí, sim, o Natal era o Natal. O que raramente notamos é que, já então, os nossos pais viam as Festas como uma degenerescência. Para eles, o Natal dos seus filhos já nada tinha a ver com o verdadeiro – o da infância deles, é claro.

E a verdade é que não tinha mesmo. Objectivamente, o Natal mudou muito nas últimas décadas. De geração para geração mudaram costumes, símbolos e muito do famoso "espírito". O marketing obviamente teve tudo a ver com isso. Mas, por muito que o acusem, a sua maior contribuição não foi destruir rituais e mitos. Pelo contrário.

Tem dúvidas? Então pense naquele velhinho gorducho, de barrete vermelho e orlas brancas, a deslizar no seu trenó. O que seria do Natal sem ele, não é? Pois se não fosse o marketing, nem você, nem os seus pais, nem os seus filhos, jamais teriam ouvido falar dele.

A origem do Pai Natal é conhecida: do lendário São Nicolau foi pouco a pouco derivando por todo o lado a figura do velhinho distribuidor de prendas. Mas, tal como o conhecemos, ele só ganhou forma no início do século 19, quando o poema "An Account of a Visit from Saint Nicholas" popularizou na América a imagem do elfo bonacheirão, a precisar de dieta e com um fraquinho por chaminés. Se hoje o mundo inteiro o conhece assim, é porque ele logo se revelou para o comércio um verdadeiro presente de Natal.

Já há 200 anos o hábito de dar prendas na época das Festas tinha despertado o sentido de oportunidade dos comerciantes americanos. Em 1820 as lojas já faziam promoções especiais, e em 1840 havia secções nos jornais só para os anúncios ligados à quadra. O Pai Natal era a estrela de muitos desses anúncios – o que o tornou ainda mais popular. Em 1841, milhares de crianças acorriam a uma loja de Filadélfia para ver um Pai Natal "vivo". A moda dos Pais Natais de shopping, que nos parece tão recente, teve início há exactos 163 anos.

Visualmente, o Pai Natal ganhou a figura que lhe conhecemos em 1881, graças ao marketing da revista Harper’s Weekly. A ilustração de Thomas Nast para a capa fez tanto sucesso que voltou a ser publicada por vários anos seguidos. Foi aí que o Pai Natal ganhou o seu fato vermelho, a oficina no Pólo Norte e os anõezinhos.

O empurrão que faltava veio da publicidade da Coca-Cola, que a partir de 1931 globalizou um fenómeno até então principalmente americano. Em todo o planeta o velhinho torna-se sinónimo de Natal – e acreditar nele, o sinal característico da infância.

Como se vê, o marketing ajudou a dar ao mundo um belo ritual, uma mitologia cheia de significado. Um significado tão importante que até protestamos ao sentir que ele se está a perder. E o Natal não é caso único. O que seria das grandes celebrações desportivas sem as marcas que as apoiam e que se apoiam nelas? O que seria de rituais como o dia da mãe ou o S. Valentim, que de forma menos espectacular mas não menos importante ajudam a estruturar as nossas relações familiares e sociais?

O que certamente custa a aceitar, nessa forma de ver a interferência do marketing nas nossas tradições, é que nela se misturam espiritualidade e comércio, inocência e astúcia, espírito de Natal e espírito de iniciativa. Coisas que talvez gostássemos de imaginar hermeticamente separadas. Mas que, como a história do Natal demonstra, se misturam todos os dias.

E isso será bom ou mau? Para já, é a realidade – não há muito a fazer. Mas talvez possamos dizer que é mau quando a esperteza dos negócios nos leva a ver as tradições como um simples meio, um pretexto a mais para fazer barulho e chamar a atenção. Sempre que nós, publicitários e marqueteiros, fizermos assim a campanha, a promoção, o cartão de Natal da nossa marca, o tal espírito estará a morrer pelas nossas mãos. E, provavelmente, também estaremos a fazer mau marketing.

Felizmente, também se dá o contrário. Como o Pai Natal da Harper’s Weekly ou da Coca-Cola, pode ser que a nossa campanha capture como ninguém o que a festa tem de humano e verdadeiro. Quando isso acontece, não é o marketing que toma conta da festa – mas o inverso: com a ajuda de uma ideia feliz, voltamos a perceber o que significa um Feliz Natal.


(publicado inicialmente em www.theideafiles.com, em Dezembro de 2002)



15.12.03

Millennium

Millennium sugere um banco que faz planos para mil anos: uma expressão que transmite uma auto-confiança quase imperial, talhada na rocha, tipo senhor do universo. Millennium BCP recorda-me uma super-produção tipo Cecil B. de Mille.

Há aqui uma intimação de eternidade, porque um milénio para uma empresa é um horizonte sobre-humano, que pura e simplesmente escapa ao nosso entendimento.

Eis um banco que confia desmedidamente num projecto de futuro, todo apontado para uma dimensão histórica transcendente.

Compreendo como essa perspectiva pode ser exaltante para os seus accionistas, admitindo que a ideia lhes pareça realista.

Mas o que é há aqui para mim, pobre e pequeno cliente que pensa e aje numa desprezível escala de meses, talvez meia dúzia de anos? Que nasce, vive e morre, por assim dizer, enquanto o Millennium pisca um olho?

Como interessar-me eu um instante que seja por uma escala temporal aos meus olhos tão absurdamente dilatada? E como se interessará esse banco por alguém que, à sua escala, não conta mais do que para nós um efémero mosquito?

Estas são dificuldades reais para quem quer que queira comunicar de uma forma envolvente a nova marca do BCP. E não me parece que isso tenha sido conseguido transmutando miraculosamente os mil anos em mil sorrisos.

Como se uma coisa tivesse algo a ver com a outra. Como se fosse possível conquistar a simpatia do público com uma abordagem tão demagógica, tão patente e chocantemente falsa.

9.12.03

Eventualmente

Num notável artigo («Ventos, eventos e inventos»), cuja segunda parte saiu ontem no Público, Eduardo Cintra Torres mostra como a fragmentação da sociedade condiciona o modo como funciona a tv generalista e põe em causa a eficácia da publicidade tradicional.

Todavia, ele confunde evento com espectáculo e retira daí algumas conclusões equivocadas.

Todos os eventos são espectáculos, mas nem todos os espectáculos são eventos. Um evento é único e irrepetível e é aí que, explorando a curiosidade natural do público, reside o seu poder de atracção: não participar num evento é perder uma oportunidade que não volta mais.

A grande maioria dos chamados eventos promocionais não merecem, portanto, esse nome. São apenas mais uma actividade rotineira, concebida sem propósito claro nem fantasia, o que condiciona negativamente o seu impacto. Possivelmente, traduzir-se-ão num desperdício de tempo e dinheiro.

São, em suma, má comunicação de marketing.

5.12.03

Comentário aos comentários

A leitura de alguns comentários afixados neste blogue nas últimas semanas fez-me pensar que o processo de encontrar soluções é muito diferente do processo de encontrar culpados.

O segundo não interessa nada; o primeiro é vital.

O futuro constroi-se com ideias frescas, inovadoras e relevantes. Depois, logo se verá quem está do lado do problema e quem está do lado da solução.

O pai da criança de faca na mão

O primeiro artigo académico sobre segmentação dos mercados foi publicado em 1956 por Wendell Smith. No entanto, mais de vinte anos antes, uma brochura da J. Walter Thompson já expunha com grande clareza esse conceito.

Cada vez encontro mais provas de que o marketing moderno foi, de facto, inventado pelas agências de publicidade.

É verdade que já no princípio do século XX se publicavam livros sobre marketing e se ensinavam cursos de marketing, mas o seu conteúdo cingia-se a temas de distribuição e logística.

Diz-se frequentemente, com toda a razão, que o marketing não se resume à publicidade. Todavia, aquilo que se pode fazer em marketing é condicionado pela viabilidade de comunicá-lo eficaz e eficientemente. Talvez isso explique o papel pioneiro desempenhado pelas agências na emergência do conceito de marketing.

Agora, pergunto eu: acaso não será verdade que os especialistas de comunicação de marketing continuam hoje, pelas mesmas razões, a deter o mesmo papel chave no processo geral de marketing? Ou seja, não será um facto que, embora a comunicação não seja tudo, tudo em marketing é comunicação?

E, se assim for, não revela isto que os publicitários continuam, se forem capazes de valorizar o seu métier, a ter o queijo e a faca na mão?

4.12.03

Revolução

Houve um tempo em que o mundo se dividia em dois tipos de pessoas: emissores e receptores.

Not any more.

Desaparecimento em combate

A comunicação de marketing tornou-se progressivamente numa rotina anúncio/ press-release/ promoção.

Vai daí, perdeu a capacidade de morder.

Diluiu-se na paisagem.

Juro

Se isto fosse um país a sério, ninguém comprava pensos daquela marca que faz um spots de tv falados numa espécie de crioulo, provavelmente sonorizados lá para as bandas de Madrid.

Chama-se Evax, acho eu.

Por mim, juro que não volta a usar.

Proibido a menores

Em entrevista a Paula Moura Pinheiro, transmitida ontem pela RPL, Inês Pedrosa queixava-se da publicidade dirigida às crianças. Não se concebe, dizia mais ou menos a escritora, como é permitida num país democrático essa publicidade que reforça junto das crianças os típicos papéis femininos e masculinos. Não há nesses anúncios uma menina em situações de acção, nenhum menino a cuidar de um bebé. Depois admirem-se de haver tanta violência doméstica, de as mulheres continuarem docilmente no seu papel de vítimas.

O assunto é sério e delicado. Mas presta-se a estes raciocínios ingénuos, que, com a melhor das intenções, levam a sugestões perigosas.

Se bastasse uma boa dose de publicidade para pôr todos os meninos a pedir Nenucos ao Pai Natal, duvido que qualquer fabricante de brinquedos se ralasse com os estereótipos. Meninos ou meninas, que diferença faz, se comprarem o Nenuco? O problema é que não é assim que as coisas funcionam – como eu, que tenho um filho e uma filha, comprovo todos os dias. Por muito que custe aceitar, rapazes e raparigas têm em geral inclinações muito diferentes – e previsíveis. Talvez fosse do interesse social alguém contrariar essas tendências, ou mostrar às crianças que há diferentes formas de viver o próprio género – mas nem esse é o papel da publicidade, nem está ao seu alcance.

Não são os anúncios aos brinquedos que fazem os meninos e meninas serem como são. São os meninos e meninas que obrigam a publicidade a ser como é. Seria fantástico para os anunciantes que a publicidade tivesse os poderes que lhe atribui o pensamento politicamente correcto. Só que não tem.

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A queixa da escritora seria apenas o repisar de um velho cliché, não fosse o remédio que ela sugere: nada menos do que proibir esse tipo de anúncios.

Talvez Inês Pedrosa não desconheça que existem montes de livros infantis, a maioria até (e alguns nem sequer são maus), em que os típicos papéis femininos e masculinos são continuamente reforçados. Já agora, que tal se os proibíssemos também? Será que era isso o concebível num país democrático?

É claro que a exposição à publicidade, como de resto à comunicação em geral, tem os seus perigos para as crianças. Brincar no parque também tem. Por isso, quando os meus filhos brincam no parque eu quero ter a certeza de que há um adulto de confiança por perto. Também procuro estar atento ao que eles vêem na TV – não para impedir que vejam isto ou aquilo, mas para ajudá-los a ir distinguindo o bom do mau, o engraçado do idiota, a realidade da fantasia, o brinquedo que de facto querem do que nem por isso. Como não são esponjas, mas pessoas inteligentes, capazes de escolhas, pouco a pouco aprendem a separar o seu trigo do seu joio. Sempre com a ajuda dos adultos em volta.

Com publicidade ou sem ela, o que ameaça as crianças é não terem esse adulto por perto – quer estejam a ver televisão, a brincar no parque ou a ler um livro. Por outro lado, subtraí-las aos perigos desta vida (maus livros, má publicidade, má televisão, brinquedos estúpidos) não as livra do mal. Apenas as impede de criar os seus próprios anticorpos.

3.12.03

Perdidos e achados

Uma das graças disto de ter um blog é a gente entreter-se a descobrir de onde nos vêm os visitantes. Se alguns itinerários são óbvios – os que vêm dos blogs mais ou menos do mesmo género – outros, traçados pela grande loteria de Babilónia que são os motores de busca, vêm aqui ter nitidamente extraviados. Ontem, por exemplo, o artigo das "Mentiras e Porcarias" atraiu, através do Google, um visitante que andava à procura de… porcarias! Denunciado por esta simpática palavra-chave, eis o "Sangue Suor e Ideias" na categoria dos sites pornográficos. Vendo bem as coisas, sangue… suor… confesso que ainda não me tinha ocorrido.

Os motores de busca são o equivalente electrónico da associação livre psicanalítica. Como provam os visitantes desencaminhados que acabam por esticar a visita, extraviar-se é um dos prazeres da net – os motores de busca apenas introduzem método, aparência de objectividade, nesses ciberdevaneios.

Para quem, como a maior parte dos publicitários, passa a maior parte do tempo à frente do computador, os motores de busca tendem a tornar-se uma muleta inevitável para toda a actividade mental. Cada hipótese, cada fantasia que nos dá na telha pode ser imediatamente verificada, "para ver o que dá". Normalmente não dá nada – e ainda bem. Porque a tentação é cada vez mais substituir pelo motor de busca a necessidade de pensar. Precisa de uma ideia? Vamos ver o que é que há no Google.

Não é nada que já não tenha acontecido antes. Muito antigamente, ao conceber uma peça de comunicação, os publicitários tinham que imaginar as palavras e as imagens. Como as imagens eram inventadas nesse processo, era preciso fazer um boneco. Hoje os bonecos já não se fazem, procuram-se nos bancos de imagem. E quando se dá o caso (que se dá muitas vezes, acreditem) de o boneco encontrado não conferir com a ideia, nada mais simples: muda-se a ideia.

Parece-lhe a cauda a abanar o cão? A mim também. Mas é assim que as coisas funcionam nesta nossa Era dos Motores de Busca.