31.3.05

Ainda sobre a beleza

Vem no Briefing desta semana uma coluna do Frederico Saldanha com a história, que eu espero que seja inventada, de um publicitário cheio de problemas de consciência por ter uma filha anoréxica.

Imagino que, numa situação dessas, os problemas de consciência sejam normais. Mas não pelas razões do tal publicitário, que se sente culpado não por ter chegado muitas vezes tarde a casa, ou por não ter estado com a filha tanto quanto deveria – mas por ter feito muitos anúncios com mulheres bonitas.

Costumo ter simpatia pelas discussões éticas em torno da publicidade. Sendo omnipresente nas nossas vidas, e com tanto dinheiro e interesses por trás, é altamente desejável que esta profissão se interrogue, aliás com muito mais frequência do que o faz, sobre os seus limites morais. Mas alguns raciocínios, como este de que a beleza na publicidade causa anorexia, parecem-me completamente ao lado.

Todas as sociedades têm os seus padrões de beleza – e todos nós corremos atrás deles, quase sempre sem sucesso. Não sei se a leitora, ou o leitor, é algum top model. Se for, faça o favor de deixar o seu contacto. Eu, como a maior parte das pessoas que conheço, não sou – com muita pena minha, aliás. Houve alturas, na adolescência e arredores, em que essa gritante injustiça do destino me deixou muito chateado. Depois, lá tive que encontrar formas de sobreviver, arranjar namorada e ter o sucesso que conseguisse, mesmo sem ser nenhum George Clooney. Com o leitor aconteceu a mesma coisa? Ora que coincidência.

Infelizmente há quem não lide tão bem com essas – e outras – pressões sociais. A pressão para termos dinheiro, por exemplo, leva algumas pessoas a roubar, outras a ser corruptas, outras a jogar, outras a cultivar a inveja e a ser infelizes para sempre. A pressão social para sermos limpinhos leva algumas pessoas à desordem obsessivo-compulsiva de lavar as mãos de dois em dois minutos. É um drama horrível. Mas não me parece que a publicidade dos sabonetes seja a culpada.

Não sou especialista na matéria, mas parece-me que na anorexia, por exemplo, há um problema emocional grave que apenas encontra um pretexto nas medidas das top models. Se esse pretexto não existisse, arranjava-se outro.

Responsabilizar a publicidade por esse tipo de coisas é o mais fácil – até por ser um alvo tão visível. Mas, mais uma vez, é atribuir a esta actividade um poder que ela não tem.

Por isso, se o tal amigo do Frederico Saldanha existe, o melhor é que dedique todo os minutos livres que conseguir a estar com a sua filha, assisti-la, dar-lhe o suporte de que ela provavelmente tem tanta falta. Depois, se sobrar tempo, continue a fazer anúncios com mulheres "lindas e magras". Só lhe vai fazer bem.

17.3.05

Exagero

Não passa uma semana sem que o "Meios & Publicidade" ou o Briefing, para só falar nas publicações nacionais, tragam uma entrevista com um director de marketing anunciando a intenção de desviar recursos da chamada "mídia tradicional" para o chamado "below-the-line". Paralelamente, não passa semana sem que mais uma agência de publicidade anuncie os seus planos para reforçar a componente de "comunicação integrada".

Trata-se de uma conversa antiga – ouço falar nisso há pelo menos 10 anos – que de vez em quando parece voltar à baila com mais força. Depois morre um pouco, mas o facto é que há uma transformação em curso.

Para quem, como eu, trabalha com o tal "below-the-line" (mesmo detestando o termo, que quer dizer tudo e nada ao mesmo tempo), deveria ser uma boa notícia. E seria, se nesse processo houvesse apenas, ou principalmente, racionalidade por parte dos anunciantes e das agências. No entanto, pode-se estar a assistir à evolução certa, só que por razões erradas.

Em Portugal, por exemplo, a perda de eficácia da publicidade televisiva, a ser verdadeira, pode ter mais a ver com as más práticas das estações (com blocos de dezenas de anúncios de uma vez, por exemplo) do que com o meio em si. Pode também ter relação com um outro factor, muito importante em publicidade, e do qual deixo falar Rance Crain, editor da Advertising Age:

"Here's a scary thought: Maybe marketers are trying to move away from traditional advertising because traditional advertising has deteriorated to such a low level of creativity.

Maybe the oft-heard statement that the mass market is dead, that consumers can't be reached via the 30-second spot, that all this talk of needing to reach consumers in radically different ways is a gigantic rationale for the real truth -- that traditional advertising isn't creative enough to move the merchandise.

It's nonsense to think that the mass market is dead. It's just harder to reach. But great advertising still has the capacity to bring consumers together, to reassemble them as a mass market. The problem is there's very little reason for them to get together." (para ver o artigo inteiro, vá a http://www.adage.com/news.cms?newsId=444079)

Há, pelos vistos, mais uma notícia de morte um bocadinho exagerada.

16.3.05

Outra vez os Marketing Awards da APPM

A TSF noticiou os Marketing Awards da APPM informando que António Pires de Lima ganhou a categoria Personalidade Marketing Político, Rui Rio a categoria Personalidade Marketing Cidades e Regiões (para a qual também foi nomeado Alberto João Jardim) e Filipe Scolari a categoria Marketing do Desporto.

Nem uma palavra sobre as restantes categorias. Muito principalmente, nem uma palavra sobre o Prémio Carreira atribuido a Jardim Gonçalves, sem dúvida o mais justo de todos os atribuidos na noite passada.

De quem é a culpa?

Ao criar as mencionadas categorias, a APPM apenas pretendeu obter notoriedade a todo o preço para os Awards. Insisto: a qualquer preço.

Neste caso, o preço do folclore mediático foi a desvalorização do papel dos gestores de marketing, colocados no mesmo plano que pessoas que, em geral, não fazem a mínima ideia do que de facto é o marketing.

António Pires de Lima é a excepção, e mereceria de facto um prémio, se alguém valorizasse o esforço que a Compal está a fazer para se internacionalizar, mas não enquanto personalidade do marketing político. Quanto às votações de Rui Rio e Scolari nas respectivas categorias, trata-se de episódios risíveis.

O caso Scolari, em particular, é esclarecedor do que alguns gestores de marketing portugueses acham que é o marketing: uma disciplina que serve para persuadir os portugueses a pendurarem bandeirinhas à janela.

Ficou claro porque é que também nós, gestores de marketing, temos grandes responsabilidades no sub-desenvolvimento do país?

10.3.05

Publicidade científica - agora é que é

Vem no Público de hoje a notícia sobre o programa Hit Song Science, alegadamente capaz de prever, dada uma canção qualquer, qual é a probabilidade de se tornar um êxito junto do grande público. Segundo o jornal, o software, embora compreensivelmente não conte com a simpatia de muitos músicos, está a ser um grande êxito entre os executivos da indústria fonográfica.

Aberto o precedente, agora é só esperar. Façam as suas apostas: em quanto tempo estaremos a ver campanhas de publicidade aprovadas ou chumbadas por um novo programa informático, o Automatic Focus Group?

O estranho caso do Crédito Agrícola (1)

O Crédito Agrícola é essa coisa rara que toda a gente procura nos tempo que correm: um banco de facto diferente.

É diferente porque as suas raízes históricas têm quatro séculos. Porque a sua base é corporativa. Porque a sua actividade está centrada no meio rural e não nas grandes cidades.

Tudo isso permite afirmar que é um banco à escala humana, próximo, caloroso, verdadeiro, genuíno.

Estes conceitos são atraentes para toda gente. Não apenas para os habitantes das zonas rurais mas também para os citadinos stressados que sonham com uma vida mais próxima do que é importante.

O mais importante no Crédito Agrícola são os valores implícitos neste banco. A aparência exterior do banco pode ser tradicional e démodée, mas os seus valores são perenes e sempre actuais.

Por conseguinte, este banco deve ser posicionado sobretudo pelos seus valores. Porque eles são genericamente apelativos, porque são credíveis e ainda porque são compatíveis com uma modernidade bem entendida.

A palavra chave para caracterizar este banco é, portanto: genuíno.

O estranho caso do Crédito Agrícola (2)

Temos que admitir, porém, que um banco genuino é um conceito um bocado estranho. Os bancos lidam essencialmente com dinheiro, que é uma coisa muito pouco genuina. Na verdade, é a coisa menos genuina e mais artificial que existe.

O dinheiro é um símbolo de símbolos, um simulacro de simulacros. O dinheiro é a suprema fantasia, mas a relação dos clientes com os seus bancos não tem nada de fantasista.

O dinheiro é pecado, algo que toda gente quer mas que parece sempre mal querer. O dinheiro é o anti-Cristo por excelência, é o Deus negativo, é o demónio.

Temos todos uma relação de amor-ódio com o dinheiro. O dinheiro só traz infelicidade. Quando não o temos, maldizemos o dinheiro e o seu poder. Quando o temos, permanece o sentimento de culpa que é inerente ao dinheiro.

Parece mal dizer-se que se faz qualquer coisa por dinheiro, apesar de ser óbvio que essa motivação se encontra quase sempre presente. A pior coisa que pode existir é um casamento por dinheiro, ou desistir do amor a troco de dinheiro.

O dinheiro persegue-nos durante toda a nossa vida, para o bem e para o mal. É uma obsessão que não nos larga um só dia. A maior parte da coisas que não se tem ou não se faz é porque não há dinheiro.

O dinheiro é a maior potência negativa do mundo. É uma energia negativa que ninguém verdadeiramente controla. O dinheiro é o grande Satã.

Há pessoas que têm dinheiro e que, por isso, controlam o seu poder? Não: é o dinheiro que as possui e as controla a elas, porque quanto mais se tem mais se cai sob o seu poder. O dinheiro enfeitiça as pessoas. Na verdade, só tem muito dinheiro quem se submete a ele.

Ganhar dinheiro é o prémio de vender a alma, de abandonar tudo, de desistir de tudo, de renunciar a tudo em troco dele. O dinheiro não se dá a quem desejar mais outra coisa do que a ele. É ciumento e possessivo.

Todas estas conotações do dinheiro são transferidas para as instituções que o representam: os bancos.

O estranho caso do Crédito Agrícola (3)

Um banco genuino tem, portanto, que ser um anti-banco.

Como pode isso ser possível? Um anti-banco tem que ser um banco onde o dinheiro desempenha um papel subordinado. Um banco que se subordina às pessoas, em vez de se lhes impor e de esmagá-las como meros instrumentos do seu poder.

Um banco assim não é a casa do dinheiro, é a casa dos projectos de vida dos seus clientes. Isso implica que esse banco se organize de forma diferente e comunique de forma diferente.

Um banco assim não apela à ganância, apela ao bom senso. Os clientes do Crédito Agrícola sabem que nunca serão milionários, mas também não se preocupam excessivamente com isso. Os clientes do Crédito Agrícola vivem felizes com aquilo que podem ter, e preocupam-se principalmente em tirar melhor partido do que têm.

O Crédito Agrícola não convida os seus clientes a aderirem à mesma lógica do sucesso a todo o preço, porque sabe que a felicidade não vem daí. Eis é um banco que sabe que a verdadeira riqueza provém do trabalho e do prazer que o trabalho bem feito proporciona a quem o faz.

O Crédito Agrícola atribui ao dinheiro um papel subordinado: aqui ele não é senhor, mas sim servo. Isso será talvez um mito, mas é o tipo de mito que um banco como o Crédito Agrícola deve representar.

O estranho caso do Crédito Agrícola (4)

É claro que não bastaria dizer isto. Seria preciso demonstrar que o Crédito Agrícola é mesmo isto.

Ora sucede que, neste caso concreto, isso nem seria muito difícil.

A estratégia de comunicação adequada seria um bocado semelhante à usada por Bernbach para o Volkswagen (Think small) e para a Avis (We try harder). O underdog assume abertamente a sua identidade em vez de procurar ser outra coisa.

Sim, somos pequenos; sim, temos poucos clientes; sim, somos feios; sim, somos pouco conhecidos; sim, vamos contra a corrente; sim, somos diferentes; e depois?

Precisamente, toda a gente está farta de carros idênticos, de detergentes idênticos, de bancos idênticos.

O Crédito Agrícola é um banco com alma. E depois?

Não tem sedes luxuosas em edifícios de vinte andares. Os seus administradores não frequentam o jet-set. Não tem balcões de granito. Os empregados não vestem fatos Armani, não falam inglês, nem usam palavras sofisticadas.

Mas tampouco é um banco retrógrado, porque tem todos os produtos que os outros bancos têm para os problemas financeiros de hoje. Nem tem receio de ficar ultrapassado, porque certos valores são eternos.

Ou seja: tratar-se-ía de assumir orgulhosamente a diferença, em vez de pedir desculpa.

A opção para o Crédito Agrícola, talvez o único banco que, em Portugal, é genuinamente diferente de todos os outros, era simples: fazer a diferença, ou continuar a passar despercebido.

E que fez então o Crédito Agrícola? Lançou uma campanha publicitária a «reposicionar-se» como um banco moderno igual a todos os outros. Que lástima!

E não digo mais nada...

9.3.05

Outra vez o reposicionamento

Voltando ao assunto de ontem - a proposta de mudança da bandeira portuguesa -, uma coisa boa dessa sugestão é o reconhecimento implícito de que, ao menos neste caso, estando em causa um país, o reposicionamento não pode ser conseguido por meio de uma simples campanha publicitária.

Eu queria aproveitar o ensejo para ir um bocadinho mais longe. Embora metade das campanhas que se fazem para aí visem reposicionar esta ou aquela marca, a verdade é que não há, nem nunca houve, qualquer prova concludente de que a publicidade possa, por si mesma, fazer isso.

As atitudes das pessoas mudam em função da experiência de uso ou, quando muito, das opiniões que lhes são transmitidas por pessoas de confiança - não em função de campanhas publicitárias. A publicidade «apenas» serve para consolidar e confirmar as opiniões eventualmente positivas dos consumidores.

Estas ideias são corroboradas por toda a investigação realizada nos últimos quarenta anos. Todavia, por razões misteriosas, tanto os gestores de marketing como os publicitários persistem em ignorar estes factos e em investirem somas vultuosas em tarefas irrealizáveis.

O reposicionamento de uma marca só pode resultar eficazmente de alterações significativas nos atributos e benefícios do produto, sendo que o papel da comunicação consistirá apenas e só em dar a conhecer ou destacar essas alterações quando e se elas ocorrerem. Repito: não se conhece nenhuma excepção a esta regra.

Vigaristas e preguiçosos

Não passa uma semana que eu não receba, na minha caixa de correio electrónica, uma ou mais mensagens do seguinte teor:

Good day,

I got your contact from an email directory and decided to contact you for assistance. I am the son of jonas savmbi the rebel leader in angola who was short dead on the 25th of february, 2002 by the opposing Angolan Army.

Before the death of my father he had transferred the sum of sixteen million dollars to a security company abroad.

All datas concerning the deposit and the transfer of this fund to the security firm are with me which my father gave to me for safe keeping.

We have never met, but I want to trust you andplease do not let us down when this fund finally gets into your account.

Please if you are willing to help, get back to me through my email or my alternative email- (j_savmbi@yahoo.co.in ) to enable me give you more details and all necessary documentations.

Please treat this as confidential.

Best regards.
JOHNSON SAVIMBI

Leram? O personagem central da história varia um bocadinho. Uma vezes é o filho do Savimbi, outras uma viúva do Mobutu, outras ainda um afilhado de não sei quem.

Será que isto funciona? O problema é que, como o correio electrónico reduziu drasticamente o custo e a maçada de incomodar os outros, enviar este tipo de emails é quase como jogar a lotaria sem ter que pagar nada pelo bilhete. Não custa nada tentar...

Se funcionar, fantástico! Se não funcionar, que se lixe...

Apesar disso, estou em crer que a mera repetição do mesmo conto do vigário diminui a cada dia que passa a probabilidade de êxito, dado que já quase toda a gente se deparou com este conto vezes sem conta.

Há por aí algum criativo que se disponha a inventar uma história nova?

8.3.05

Grandezas e misérias do posicionamento

A proposta de mudar a bandeira nacional é um extraordinário exercício de auto-promoção da BBDO. Chapeau!

Todavia, eu tenho uma ideia melhor.

A forma mais eficaz de reposicionar o país seria, creio eu, declararmos guerra aos EUA. É um facto que faríamos figura de tolos, mas... e depois? Entretanto conseguiríamos indiscutivelmente atrair as atenções do mundo pelo tempo de um telejornal.

O que eu quero verdadeiramente dizer é que, seja mudando a bandeira, seja declarando guerra aos EUA, estaremos num caso ou no outro a transmitir essencialmente a mesma mensagem, ou seja, que somos um país pouco sério com o qual não há que contar.

Mas isso, enfim, já é o que, com razão ou sem ela, se acha lá fora, não é verdade? Onde é que está o reposicionamento?

7.3.05

Num quarto escuro, à procura de um gato preto que não está lá

Iogurtes com 0% de gordura, iogurtes sem colesterol, iogurtes com bifidus activo, iogurtes com aloé vera, iogurtes de soja – a prateleira dos iogurtes do supermercado lembra cada vez mais uma farmácia.

É o envelhecimento da população a funcionar.

A fazer fé nos spots que vemos na televisão, porém, a sociedade estaria antes a juvenilizar-se rápida e furiosamente.

Aqui há trinta e tal anos era o contrário: a sociedade era esmagadoramente jovem, mas o marketing e a publicidade dirigiam-se primordialmente à população de meia idade.

O que prova que, nestas coisas, por muito absurdo que isso seja, o que de facto conta não é a idade dos consumidores, mas a dos gestores de marketing e dos criativos.

3.3.05

Por que estudar marketing

Alguém chegou a este blogue pesquisando no Yahoo brasileiro a expressão «por que estudar marketing».

O mais curioso é que o «Sangue, suor e ideias» foi o único resultado dessa pesquisa em toda a internet!

Valha-me Deus! Será que neste blogue se explica mesmo «por que estudar marketing»? Vou procurar encontrar o post que trata desse assunto porque também eu gostaria de saber a resposta.

Market Research

Estava eu a vasculhar as prateleiras da FNAC, quando ouvi este diálogo ao meu lado:

«Eh pá! É mesmo este livro que eu tenho que comprar!»

«Então leva...»

«Não sei... A capa está muito estragada. Não gosto de comprar livros com ar velho. Ainda por cima é caro.»

«Tens aqui outro.»

«Esse ainda está pior. Será que eles têm mais?»

«Desconfio que não. Leva esse.»

Olhei para o lado e constatei que o livro que a rapariga tinha na mão era o meu. Apeteceu-me dizer-lhe que seguisse o conselho do namorado. O que interessa é o conteúdo, porque o livro, se for mesmo lido e usado, e isso acontece principalmente com os melhores, acaba sempre por ficar um bocado estragado.

Mas, é claro, não disse nada. Para falar verdade, até olhei para o lado. Se eles me identificassem pela foto da contracapa, eu ia ficar embaraçado.

«Eh pá, não levo mesmo. Hei-de arranjá-lo noutro lugar.»

«Tu é que sabes...»

Foram-se embora. Uma venda a menos! Por este andar nunca mais enriqueço. Fiquei a pensar que tenho que falar ao Manuel Robalo, o meu editor, para dizer-lhe não sei bem o quê.

Desloquei-me para o escaparate ao lado. Entretive-me a folhear o «Free Prize Inside», do Seth Godin, que a propósito, é altamente recomendável, como de resto quase tudo o que este tipo escreve.

Foi então que eles voltaram e que a conversa recomeçou nas minhas costas:

«Por outro lado, eu quero mesmo o livro.»

«Leva!»

«Achas? OK, está decidido: vou levá-lo»

Esta miúda tem um bom namorado, coisa de quem nem toda a gente se pode gabar. Que Deus o conserve.

1.3.05

Tenham medo, tenham muito medo

Só há duas maneiras sustentáveis de uma empresa alcançar uma rentabilidade anormalmente elevada: produzindo mais barato do que os seus concorrentes ou oferecendo algo que eles não são capazes de oferecer.

À medida que a indústria de bens de consumo correntes foi entrando na fase de maturidade, foi ganhando proeminência a teoria segundo a qual seria não só impossível como mesmo inútil diferenciar a oferta, até porque, a prazo, os concorrentes acabam sempre por imitar os inovadores.

Em alternativa, foi sugerido que as empresas deveriam antes diferenciar-se pela imagem de marca.

Fosse por influência dessas doutrinas ou por qualquer outra razão, a verdade é que a generalidade dos fabricantes de bens de consumo correntes desistiram de inovar, talvez convencidos de que já está tudo inventado. Consequência: uma progressiva baixa da rentabilidade da indústria, a qual, acossada pela concorrência das marcas próprias, deixou inclusivamente de ser atraente para os investidores.

Entretanto, muitas empresas pequenas (Ben & Jerry’s) e algumas grandes (Gillette) encarregavam-se de provar que a inovação continua a compensar, proporcionando aos seus accionistas remunerações muito acima da média do mercado.

Agora, a Procter & Gamble, uma empresa que, apesar de se ter distraído durante algum tempo, continua empenhada em lançar no mercado uma corrente contínua de inovações, pagou pela Gillette a bonita quantia de 54 mil milhões de dólares.

Juntas, a Procter & Gamble e a Gillette projectam injectar novas tecnologias em categorias vetustas e actualmente desinteressantes para os consumidores.

É melhor que os seus concorrentes adormecidos tenham medo, mesmo muito medo.