26.9.06

O que é a responsabilidade social das empresas

Durante a transmissão da Meia Maratona de Lisboa, os responsáveis de marketing das inúmeras empresas patrocinadoras explicaram invariavelmente o seu apoio ao evento como uma manifestação de responsabilidade social.

Afirmaram estarem ali porque promover o desporto é uma causa nobre, porque os deficientes também direito a praticá-lo, porque o atletismo ajuda os jovens a ocuparem meritoriamente os seus tempos livres, porque a maratona fomenta o turismo - enfim, por uma variedade de causas filantrópicas de interesse público.

O economista Milton Friedman tem uma opinião muito negativa sobre tudo isto. A única responsabilidade de uma empresa perante a sociedade, defende ele, consiste em oferecer ao mercado produtos decentes e em gerar lucros para os accionistas. Tudo o resto é não só supérfluo, como, em última análise, uma manifestação de irresponsabilidade.

Terá ele razão? Considerando o despropósito com que hoje se invoca a responsabilidade social, quase me sinto tentado a afirmar que sim.

De facto, pergunta-se: com que critério deverá uma empresa assumir que é socialmente responsável por apoiar o combate à toxidependência e não, por exemplo, por financiar a prevenção da SIDA? Qual é o motivo para optar por uma causa em detrimento da outra?

Mais ainda: quais os limites da responsabilidade social das empresas? Não deveriam elas, para minimizar o desemprego, contratar trabalhadores de que, efectivamente, não precisam? Ou para serem mais úteis à sociedade, lançar produtos benfazejos (como, por exemplo, medicamentos) que todavia dão prejuízo? Como é evidente, a lista de possíveis áreas de intervenção empresarial em prol do bem-estar social não tem fim.

Por mim, acredito que a responsabilidade social é um conceito importante, mas usualmente mal entendido e pior aplicado.

Quando, há cerca de duas décadas, a Johnson & Johnson foi confrontada com a morte por envenenamento de várias pessoas após terem ingerido Tylenol, rapidamente se apurou que a tragédia se devera à acção de um anónimo criminoso psicopata que injectara cianeto nas cápsulas nos supermercados onde o medicamento de encontrava à venda.

A reacção da Johnson & Johnson foi, a meu ver, um exemplo de responsabilidade social. Em vez de sacudir as culpas para cima dos retalhistas, a empresa aceitou indemnizar as famílias das vítimas, recolheu todas as embalagens distribuídas e garantiu que, de futuro, o produto só estaria à venda em estabalecimentos capazes de garantir a inviolabilidade dos blisters.

Assim, responsabilidade social significa antes de mais assumir a responsabilidade pelas eventuais consequências negativas que possam decorrer da actividade de uma empresa ou da utilização dos seus produtos. Um fabricante de celulose tem a obrigação de se esforçar continuamente por reduzir ou eliminar o impacto da poluição que provoca sobre o meio ambiente. Um fabricante de automóveis tem a responsabilidade de velar pelas condições de segurança dos veículos que comercializa. Um canal de televisão tem a responsabilidade de proteger os seus telespectadores infantis de eventuais tentativas de manipulação publicitária.

Por outras palavras, as áreas prioritárias de preocupação social de uma empresa devem ser aquelas em que se manifestam as externalidades negativas inerentes à sua actividade. Convém não confundir isto com o recurso aos patrocínios como forma de comunicação institucional ou de marketing, visto tratar-se de um tema completamente distinto.

Resumindo e concluindo, voto a favor da responsabilidade social como preocupação relevante das empresas, mas voto contra iniciativas sem estratégia nem sentido evidente que se acoitem à sombra dessa designação.

Quod erat demonstrandum

"O objectivo do programa de fidelização é fidelizar os clientes e angariar novos" (sic)

(Retirado de um comentário do Henrique ao meu post Novos e velhos.)

25.9.06

Experiência

Ao contrário de muitas outras pessoas, a quem chamarei bem-aventuradas, eu penso que o panorama publicitário português raramente foi tão pobre como agora.

De modo que, no presente estado de coisas, fico muito comovido quando me deparo com uma campanha realmente bem pensada e executada. Ainda não cheguei ao ponto de chorar, mas já faltou mais.

Os meus parabéns à BBDO pela Experiência Optimus.

22.9.06

Há vida para lá do Sol? O depoimento de um alienígena

Ser um brasileiro há muito tempo em Portugal dá-me a escolha entre o olhar do aculturado e o do estrangeiro.

Nesta celeuma do Expresso e do Sol, é o meu olho estrangeiro que não pára de se espantar. Programas de televisão, polémicas na rádio e em blogs, conversa acalorada nos cafés. Nunca pensei que o lançamento de um semanário e a oferta de uns DVDs pelo concorrente desse para tanto. Por aqui, a série de posts do João sobre o tema provocou, nos modestos parâmetros deste blog, um record de audiência.

Digo que é o meu olho estrangeiro que se espanta porque nunca me habituei realmente a esta coisa totalmente portuguesa do semanário. Desde a adolescência fui educado para ler jornais (que saem todos os dias) ou revistas (que saem uma vez por semana). Quando cheguei a Portugal ainda não havia o Público, o Diário de Notícias era perfeitamente ilegível e não havia revistas de informação. Mas havia o Semanário, o Independente tinha acabado de aparecer e, lá no alto do seu Olimpo, o Expresso.

A consequência disso foi que, durante um ano e tal, até o surgimento do Público, embora até gostasse do Independente daquele tempo, senti-me órfão em matéria de informação. “Órfão” não é exagero. Como toda esta polémica mostra, os jornais são provavelmente a categoria, a par dos cigarros, em que o hábito tem mais força. Mas não é um hábito anódino. É um verdadeiro ritual que nos estrutura a vida, a sociabilidade e o sentido de pertença. Tem qualquer coisa de religioso, como ser adepto de um clube de futebol. Por isso o desafio ao Expresso, ao qual eu, por exemplo, permaneci estrangeiro, deu origem entre adeptos e não-adeptos a reacções tão emocionais – incluindo a do próprio Expresso, como o João já demonstrou. A intenção declarada de desalojar um traço de identidade tão sagrado da classe média portuguesa equivale a um golpe de estado.

No Público de ontem vinha uma crónica do Eduardo Prado Coelho intitulada “Expresso”. Mas não falava do Expresso: autobiografava o autor enquanto leitor do Expresso. Quando e onde começou a ler, com quem o foi lendo ao longo da vida, sentado no chão em Paris ou no café com a mulher e os amigos. Até a torturada questão de saber se o jornal é “de direita” ou “de esquerda” – ou seja, a que tribo implicitamente me filio quando o leio –, que, para mim, ainda estrangeiro nesse aspecto, está sujeita a subtilezas locais de interpretação que até hoje não domino totalmente, mostra a que ponto o ritual do jornal tem associações viscerais.

Se alguma coisa o Sol fez bem, foi cavalgar esse hábito tão enraizado do semanário e disputar um lugar ao lado do Expresso. Mas, por muitos erros de marketing que o concorrente cometa, reconstruir uma ligação emocional tão funda como a do Expresso com os seus adeptos não será propriamente fácil.

21.9.06

Experimentação, repetição e fidelização

O Hidden sugere aqui que o que cria fidelidade a um produto é a sua experimentação. E prossegue:
A consequência da experimentação de um produto pode ser positiva ou negativa. Se for positiva, esta experimentação resultará numa repetição da compra do produto (vamos a caminho da "afamada" fidelização do consumidor). Se a experimentação for negativa, o produto deixa automaticamente de fazer parte das escolhas do consumidor.

A última afirmação está fundamentalmente correcta - o desagrado pode levar à eliminação definitiva da marca do leque de escolhas - mas a primeira não. A pesquisa existente mostra que, mesmo quando a experimentação satisfaz, na grande maioria das ocasiões não ocorre repetição de compra. Logo, o que podemos dizer é que uma experiência satisfatória é condição necessária, mas não suficiente, para a fidelização.

Porque é que as coisas se passam assim? Possivelmente porque a rotina é um factor decisivo para explicar os comportamentos de compra. Só níveis excepcionais de agrado conduzem automaticamente à incorporação de uma nova marca no reportório de marcas habitualmente adquiridas. Caso contrário, o consumidor reverte para o seu comportamento habitual.

Acredita-se hoje que uma das principais funções da publicidade consiste precisamente em recordar as experiências positivas, estimulando, por essa via, a repetição de compra.

Decorre daqui que a boa e velha publicidade é um instrumento mais eficaz de fidelização do que os impropriamente chamados programas de fidelização. E esta, hã?

Novos e velhos

A questão de saber se a intenção do Expresso era conquistar leitores ou reter os que já tinha provavelmente não tem resposta.

Na minha experiência, a grande maioria dos gestores de marketing não é capaz de decidir entre uma coisa e outra quando se propõe lançar uma campanha de publicidade ou organizar uma promoção.

20.9.06

O que marketing quer dizer

Dando aí uma volta pelos blogues, a gente apercebe-se de que o Expresso não é um semanário muito apreciado. Esse facto é relevante, porque:

1. Os bloggers são consumidores intensivos de jornais e revistas

2. Os bloggers dispõem de uma razoável capacidade de influenciar a opinião

3. Os bloggers reflectem a opinião de largos círculos de leitores

Logo, a antipatia dos bloggers pelo semanário de Pinto Balsemão reflecte, com grande probabilidade, uma atitude muito difundida na opinião pública cultivada, que é aquela que se interessa pela imprensa escrita.

A realidade é que, de há uns anos a esta parte, o Expresso tem vindo a diminuir de qualidade, o que inevitavelmente se traduziu numa perda de leitores. Na minha opinião, degradou-se tanto que é hoje humilhante a comparação entre o Expresso e os principais jornais de referência de outros países europeus.

Podemos considerar que cada país tem os jornais que merece. Ou podemos acreditar que os jornais podem desempenhar um papel decisivo para ajudar a tornar os países um bocadinho mais evoluídos.

A meu ver, todos temos interesse em que a imprensa escrita cumpra cabalmente o seu papel civilizador. Por isso, todos temos interesse em que o Expresso seja melhor.

Aparentemente, os proprietários do Expresso estão convencidos de que o seu anterior Director era um obstáculo à melhoria do produto. Seria de esperar que, concretizada a mudança de Direcção, se assistisse a um esforço sério para adaptar o jornal aos desejos dos leitores.

Em vez disso, temos assistido a mudanças pouco mais do que cosméticas e a manobras promocionais cuja estridência denuncia algum desespero. Ora, do que o Expresso antes de mais necessita é de se convencer que tem que dar ouvidos aos consumidores de jornais. Ou seja, necessita de fazer pesquisa de mercado a sério e de se preparar para repensar o seu posicionamento e para reformular em profundidade o produto que todas as semanas coloca nas bancas.

Em síntese, precisa de fazer marketing a sério.

19.9.06

Os jornais e a publicidade

A publicidade ao lançamento do Sol é tão feia que até dói. Como tendemos a evitar olhá-la, quase passa despercebida a inépcia do seu conteúdo. Mas a verdade é que desta campanha se encontram ausentes toda e qualquer promessa de valor, todo e qualquer posicionamento, toda e qualquer ideia criativa relevante.

Tendo em conta que uma boa parte das receitas dos jornais provêm da publicidade, seria de esperar que eles se empenhassem em valorizar o seu papel e a sua importância, a exemplo do acontece, digamos, no Reino Unido. Desse modo, contribuiriam para educar os anunciantes, elevar o nível da comunicação e prestigiar os jornais.

Se os próprios media não acreditam que a publicidade funciona, quem irá acreditar?

Réplica

Li com interesse os dois comentários ao último post. O que penso é o seguinte:

1. Não se espera que os portugueses comprem dois semanários, caro hidden. Espera-se que comprem um semanário por 2 € e um DVD por 2,80 €, porque, ao contrário dos estrategas de marketing do Expresso, os consumidores não são parvos. Eu, por exemplo, que não sou leitor do Expresso, tenciono comprá-lo enquanto continuarem a oferecer-me os DVDzinhos.

2. Se a ideia fosse fidelizar em vez de travar a experimentação, a promoção do Expresso teria começado depois do lançamento do Sol, não antes. Além disso, não se fidelizam clientes oferecendo DVDs. O factor crucial na repetição de compra é a satisfação do cliente, a qual depende por sua vez do conteúdo e da organização do jornal. Está mais que provado que este tipo de promoção equivale a subsidiar os consumidores que, de todo o modo, sempre comprariam o jornal, sem atrair novos clientes de uma forma permanente nem reter os antigos. Essa história da fidelização é mais complicada do que parece. (Ou será que eu deveria antes dizer: mais simples do que parece?)

18.9.06

O marketing do Expresso (2)

Findo o primeiro round, uma coisa é desde já certa: falhou, como não poderia deixar de falhar, a tentativa de dissuadir as pessoas de experimentarem O Sol. O que eu não percebo é como é que alguém tenha podido deixar-se convencer de que esse era um objectivo sensato.

Decorre daqui que o Expresso gastou inutilmente um dinheirão a oferecer DVDs grátis aos seus leitores, com a agravante de que a corrida aos pontos de venda sábado de manhãzinha de pessoas que só estão interessadas no filme, cria a muitos leitores fiéis do jornal enormes dificuldades para poderem encontrá-lo. Creio que este é um facto de observação comum.

Logo, o Expresso conseguiu simultaneamente perder dinheiro e irritar muitos dos seus melhores leitores. Genial.

O marketing foi inventado para impedir que estas técnicas de venda tão agressivas quanto desmioladas levassem as empresas a falência. Aparentemente, já ninguém se lembra disso.

6.9.06

O marketing do Expresso

1. "Basta convencer os leitores flutuantes a comprarem o jornal sempre e podemos chegar aos 140 mil", diz Henrique Monteiro, Director do Expresso. A palavra "basta" sugere uma facilidade que não existe. Se um leitor flutua, alguma razão terá para flutuar. Em todo o mundo, os leitores flutuantes de um determinado título representam uma larga fracção do total dos leitores. Se a teoria do comportamento de compra repetida está certa - e não há razões para crer o contrário - essa proporção deverá ser razoavelmente estável. Assentar a estratégia de expansão de um jornal na transformação de leitores ocasionais em leitores permanentes não é, muito provavelmente, uma boa ideia.

2. Ao que se sabe, o Expresso procurará também captar leitores mais jovens. (Eis o que pode ser classificado como um pensamento pouco original: nos tempos que correm, quase toda a gente que quer crescer decide que o melhor modo de o fazer é atrair clientes mais jovens.) Vai daí, na campanha de publicidade do Expresso, que ainda não tive a felicidade de ver, "em primeiro plano, três jovens lêem o jornal e só atrás surgem pessoas de cabelos brancos". Chega a ser comovente esta convicção de que público se deixa manipular por imagens que tão flagrantemente contrariam as percepções quotidianas. A realidade é que o facto de alguém ler um jornal como o Expresso demonstra precisamente que deixou de ser "jovem" e passou a ter as preocupações e os interesses típicos de uma pessoa madura – o que não é necessariamente um elogio. Além do mais, não entendo a fixação do marketing do Expresso nos jovens quando a população não pára de envelhecer...

3. O formato do Expresso mudará esta semana de broad-sheet para berliner. A avaliar pelos resultados positivos que essa transformação produziu noutros países, trata-se de uma aposta relativamente segura. Só por si, poderá contribuir para aumentar a circulação do jornal entre 10 a 20%.

4. Por outro lado, o preço do Expresso baixará de 3 € para 2,80 €. Mas o Sol custará apenas 2 €. Desse modo, a manobra do Expresso corre o risco de se revelar infrutífera. Em primeiro lugar, porque, apesar da descida, a disparidade entre os dois preços permanece enorme. Em segundo lugar - e esse talvez seja o factor mais importante – ao baixar o seu preço o Expresso chama a atenção para um facto de que muitos leitores poderiam levar algum tempo a aperceber-se.

5. No plano promocional, o Expresso oferecerá DVDs grátis durante as próximas oito semanas - que coincidirão, como se sabe, com as primeiras oito semanas do Sol. É óbvia a intenção de entravar a experimentação do novo jornal. Não creio, porém, que tenha sucesso. O factor determinante da experimentação é a curiosidade despertada pelo surgimento de um novo semanário. Logo, os compradores habituais do Expresso não deixarão de comprar o Expresso, mas comprarão também o Sol para verem como é.

6. Em termos gerais, e salvo melhor opinião fundamentada em estudos que desconheço, parece-me que as iniciativas de marketing do Expresso indiciam uma hiper-reacção em absoluto injustificada perante o aparecimento de um novo concorrente.

7. De facto, não se conhece até agora nenhum elemento significativo de diferenciação do Sol face ao jornal incumbente. Nessas condições, tudo indica que a simples força da inércia o condenará a ser um eterno número dois nesta categoria. O que até poderia nem ser mau, não se desse o caso de o mercado se afigurar excessivamente restrito para comportar dois concorrentes rentáveis.