3.2.05

Política

Os inacreditáveis cartazes da campanha eleitoral fazem-me pensar numa leitura recente: o livro Casos e Coisas, de Duda Mendonça.

Duda, para quem não sabe, é um dos mais conhecidos publicitários brasileiros, com uma trajectória brilhante desde que abriu na Bahia, lá nos anos 70, a primeira DM9. Criou nessa época uma sucessão de campanhas antológicas, tanto mais notáveis por partirem de um pequeno mercado regional, fora do eixo Rio-São Paulo.

Mas isto é história. Nos últimos anos, Duda reconstruiu a sua fama tornando-se um dos dois gigantes da publicidade política brasileira – sendo o outro Nizan Guanaes, o da segunda DM9, "filho profissional" de Duda Mendonça, como ele mesmo diz, e que apesar de muitas e ruidosas diferenças com o "pai", é quem lhe prefacia o livro. Na última disputa presidencial Duda venceu Nizan: Lula, o seu cliente, é hoje o presidente do Brasil.

O livro passa por toda a carreira do publicitário mas concentra-se principalmente nesse seu lado de marqueteiro político. É uma leitura particularmente interessante para quem vive em Portugal, por mostrar uma forma de fazer comunicação política muito diferente, mas ao mesmo tempo com algumas semelhanças em relação à que se usa por aqui.

As diferenças são óbvias. As campanhas eleitorais brasileiras são "à americana", com muito dinheiro envolvido e um uso intensíssimo da televisão. Seguramente isso é fonte de muitos vícios e distorções, mas por outro lado garante, ao menos nas grandes disputas, que a comunicação é feita por profissionais, de forma profissional. Esse profissionalismo no mínimo evita aos candidatos mais endinheirados algumas asneiras, algumas mensagens ao lado, alguns tiros no pé. Este é um grande contraste com o que se tem visto em Portugal por estes dias. Ocasionalmente, o profissionalismo dos marqueteiros também pode dar origem a alguma comunicação brilhante (o livro traz alguns exemplos).

Mas o que mais me chamou atenção é um ponto em Brasil e Portugal são tão parecidos. Exposta no livro com uma candura a que ninguém por cá se atreveria, a semelhança está na relação alegre e promíscua entre agências, candidatos e governantes. No Brasil como aqui, os políticos, uma vez no poder, usam sem a menor cerimónia os recursos públicos para atender aos seus interesses de candidatos - por exemplo, para compensar as agências que os ajudaram a lá chegar. Duda Mendonça não parece ver mal nenhum nisso. Narra como a coisa mais natural do mundo a expectativa que tinha, depois da eleição de um cliente seu, de que a sua agência ficasse com várias contas do governo. Quando isso não aconteceu Duda sentiu-se traído, mas depois, com o tempo, diz ter percebido as razões (100% políticas, 0% éticas) do político em causa. A meu ver, nesse particular, ele não percebeu nada até hoje.

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