23.10.03

Morte anunciada

As novas e ameaçadoras embalagens de cigarros já tiveram até direito a um debate (razoavelmente incompetente, mas isso é normal) na televisão.

A mim o que me fascina neste caso é a teoria da comunicação implícita professada pelos burocratas que conceberam a medida.

Em resumo, eles acham que, num processo de comunicação, o importante é aquilo que a gente quer dizer, e não o que a audiência está predisposta para escutar. Se o dissermos de uma forma suficientemente intrusiva, agressiva e persistente, as pessoas adoptarão naturalmente a nossa posição. Se isso fosse assim, qualquer ideia, por mais abstrusa ou criminosa, poderia ser imposta por via da publicidade; mas, felizmente, não é.

Eles acham que é a publicidade que obriga as pessoas a fumar. Por conseguinte, invertendo a perspectiva, também acham que deverá ser possível usar a publicidade como técnica de lavagem ao cérebro para obrigar as pessoas a deixarem de fumar.

A primeira coisa a notar é que as mensagens inscritas nas embalagens limitam-se a dizer o que todos os fumadores já sabem: o tabaco faz mal à saúde, e eventualmente pode propiciar doenças mortais. (Os textos dizem isto sob uma forma extremista, cientificamente falsa e insustentável.) Assim sendo, o facto de isso ser reafirmado em letras garrafais não afecta em nada o estado mental dos destinatários. Como muito bem disse o advogado Alves Pereira (é meu amigo, mas trata-se de um mero acaso), se os fumadores não alteram o seu comportamento não é porque não queiram, é porque não podem: eles são, tecnicamente falando, viciados.

Talvez se pretenda, então, vencer pela repetição, considerando que porventura a recordação dos malefícios do tabaco no momento em que o fumador puxa do cigarro funcione como um poderoso elemento dissuassor. Mas, das duas uma: ou o fumador se habitua à mensagem e nem a nota (uma vez habituado à sua presença, encara-a como aquilo a que os ingleses chamam wall-paper), e o seu efeito é neutralizado; ou acha-a tão desagradável que começa a usar uma cigarreira para não se sentir violentado por esse show de fealdade agressiva.

A conclusão é, a meu ver, óbvia: esta inovação é uma violência psicológica gratuita contra os fumadores, cujos resultados serão absolutamente nulos. O único lado positivo da iniciativa é poder ser usada pelos publicitários como um exemplo brilhante do que é comunicação incompetente que, por conseguinte, não funciona.

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