14.9.04

Escolaridade obrigatória

Quando me iniciei nesta profissão, ainda no Brasil, receei que a falta de formação específica fosse ser para mim uma desvantagem competitiva. Não foi o caso. Nunca senti que os meus colegas que tinham estudado publicidade ou marketing tivessem algum conhecimento essencial que me faltasse. O que não diz nada de especialmente bom a meu respeito; apenas significa que as escolas em que os outros andaram não estavam a cumprir o seu papel.

Cheguei a pensar que o problema era do ensino brasileiro. Mas em Portugal a situação que encontrei era semelhante, senão pior. E, passados muitos anos desde que ando por aqui, não me parece que tenha melhorado muito.

Sempre que avalio candidaturas a emprego ou estágio de gente acabadinha de sair das mais renomadas faculdades de comunicação, marketing ou design, fico impressionado com a ignorância que revelam sobre o mercado em que pretendem entrar, o funcionamento de uma agência, o bê-á-bá do que se propõem fazer. O que sempre me ocorre nessas entrevistas é que felizmente não se formaram em medicina.

Não é que entre os recém-diplomados não haja quem tenha sabido aproveitar o tempo gasto na escola. Nos melhores casos adquiriram hábitos de trabalho e pesquisa, organização mental, alguma cultura geral. Mas face ao investimento que um curso superior representa, quer para o aluno e a sua família, quer para a sociedade, é um retorno bastante magro.

Estudantes teoricamente habilitados a trabalhar como publicitários andaram anos a cursar cadeiras como "Criatividade Publicitária III" e nunca leram nenhum livro sobre o assunto. Saem da faculdade tão desinformados sobre a estrutura de uma agência que tanto lhes faz trabalhar como executivos de conta, redactores ou directores de arte. Parece-lhes que é mais ou menos a mesma coisa.

Se as escolas não cumprem o seu papel, ele terá inevitavelmente que ser desempenhado pelas agências. O que é cada vez mais complicado: com pouca folga financeira, as agências não têm os meios ou o desejo de investir a sério em formação. Além disso, como mesmo os seus quadros mais experientes sofrem de idênticas deficiências de base, nem sequer há lá muita gente capaz de ensinar os mais novos.

É provável que as Etics, Restarts e outras escolas do género, mais plugadas nas necessidades do mercado profissional, venham trazer alguma melhora a este cenário. São cursos mais rápidos, mais específicos, e certamente benéficos. O que não elimina a obrigação urgente das faculdades de comunicação e publicidade de reverem a sua estrutura e currículos. Se não o fizerem, continuarão simplesmente a vender gato por lebre.

1 comentário:

Rosa Cueca disse...

O problema está nas faculdades, que não investem numa formação mais prática e nos alunos que não têm apetência para a profissão (qualidades como a curiosidade, a vontade de trabalhar, o esforço, a persistência ...). Esta "mistela" dá algo imprevisível e maioritariamente defeituoso. Contudo não se pode esperar com grande espectativa o trabalho de um recém-licenciado, basicamente ele pode ser até bastante criativo, mas falta-lhe o savoir faire e as "armas" para lutar neste mercado, servindo-o e chegar à grande massa.