14.12.07

Outra vez a Marca Portugal

O grande argumento a favor da Marca Portugal é este: se os espanhóis têm uma marca país, nós também devemos tê-la.

Ora eu discordo da ideia por razões de princípio.

Comecemos pela confusão terminológica. Quando eu admito que Portugal tem necessariamente uma carga simbólica associada não tenho que admitir que se trata de uma marca. Por outras palavras, nem todos os símbolos hão-de ser marcas.

É intrínseco ao conceito de marca ela ter um dono. Acontece que o nosso país, hoje, não tem dono.

Houve um tempo em que teve, e houve também por isso um tempo em que teve uma Marca Portugal. Refiro-me ao trabalho realizado pelo Secretariado Nacional para a Propaganda (depois Secretariado Nacional para a Informação, apreciem o eufemismo) e pelo seu líder António Ferro, que, em estreita associação com Salazar, concebeu não só a Exposição do Mundo Português como o melhor slogan de promoção do país no exterior jamais inventado: "Portugal, o segredo mais bem guardado da Europa".

Se tivéssemos memória colectiva conheceriamos o que esses homens fizeram e saberiamos que eram gente competente e tecnicamente bem preparada.

Hoje, porém, nas nossas sociedades abertas e plurais, consideramos justamente inadmissível que alguém defina o que o país é e como deverá ele apresentar-se exteriormente, pois é nisso mesmo que consiste a selecção de um posicionamento nacional. Como pode então o Governo, ou o AICEP, ou seja lá quem for, obrigar milhares de empresas e milhões de portugueses a comunicarem a uma só voz? Absurdo, não é verdade?

Há dois anos, quando convivi ao longo de vários dias com Wally Wolins - um dos profetas das marcas país e a pessoa que há década e meia foi chamada pelo governo português para orientar um projecto desse tipo - coloquei-lhe precisamente essa questão.

Estava à espera de uma acesa disputa, mas, para minha grande surpresa, concordou logo comigo. "É evidente que numa sociedade livre", disse-me ele, não necessariamente por estas palavras, "ninguém tem o poder de impor aos outros uma ideia do país. A única possibilidade consiste em construir sobre o que é consensual, ou seja, sobre uma ideia do país com a qual quase todos possam estar de acordo."

Bom, isto é desanimador para nós, pois Portugal é precisamente aquele país no qual o exacerbado e quase doentio sentido crítico dos seus habitantes impede que se ponham de acordo sobre o que quer que seja.

"Então", alvitrou ele, "talvez seja esse o ponto de partida sobre o qual se deva construir a Marca Portugal. Mas notem que os irlandeses também são assim!"

4 comentários:

João Plantier disse...

Olá João. Comentei esta mesma questão no Consumering. Parece-me inocente achar que o Ministério de Economia ou qualquer outro organismo do Estado, pode criar uma marca Umbrella que possa satisfazer todos os sectores da sociedade. O país não é um produto, nem uma marca, pelo que não pode ser gerido como tal.A marca (ou marcas) Portugal são consequência das acções das empresas, entidades ou pessoas e não de campanhas.
Em vez de manter esta abordagem, o ME devia posicionar as agência AICEP para o apoio a empresas nacionais (Market Intelligence) e internacionais (informação sobre investimentos em Portugal).

Domingos Pereira disse...

Viva,
permitam-me que me junte a esta discussão que é tão complexa quão fascinante.

Se por um lado a grande irreverência de uma marca país é o de fazer associar um conjunto de conceitos a um povo - é como a empresa que cria a sua marca de dentro para fora e apenas de acordo com aquilo que pensam ser o melhor - por outro, a necessidade de um projecto pensado para a imagem do nosso país é imperativa. Bem sabemos que um país não precisa de ser trabalhado como uma marca para existir como tal, ou não associamos todos um monte de ideias sobre este ou aquele país?

O problema é sabermos se a ideia ou ideias que têm de nós, dá-nos ou não jeito?

O facto de o País não ter dono não é o problema, a dificuladade que isso acarreta é que, se já uma empresa é dificil controlar o que se diz, como é que se põe um povo a comunicar a mesma mensagem?

Depois como é que um colaborador não convencido, pode convencer um cliente?

João Pinto e Castro disse...

Nós, os portugueses, adoramos dedicar o melhor dos nossos esforços a problemas que não têm solução. (Olha, lá estou a fazer doutrina...)

Consumering disse...

O Governo parece concordar com o João: Não existe Marca Portugal. Tanto que o Ministério aproveita o assunto apenas para impressionar os tugas com a sua iniciativa, ou não estivessem todos os anúncios da WC cuidadosamente colocados onde os estrangeiros não os podem ver.

A mim, parece-me que um bom posicionamento, um produto para entregar, uma boa execução criativa e um plano de meio razoável sempre vende qualquer coisita. E Portugal, com ou sem marca, tem muito a ganhar nessas vendas. Se fosse esse o objectivo dos governantes, estaria contra os Joãos, mas como, infelizmente, os meus 3 milhões de euros estão a ser queimados na Av.República, sou forçado a concordar, deixem-se de propaganda e por favor trabalhem no produto.