25.6.06

Novas assombrações II

A pedido do Edie Falco, que comentou o post anterior, segue a minha opinião sobre o novo enredo com leões fantasmas.

Há uns anos, numa reunião de criativos de uma multinacional, por acaso lá em Cannes, estávamos todos contritíssimos a dizer mal dos fantasmas e de quem os cria. De repente chegam notícias do Palais: um dos “nossos” directores criativos ia quase certamente ter um Leão. Ainda empolgado pela discussão em curso, o tal director criativo (de Singapura, se não me engano), que era um rapaz muito novinho e talentoso, entre radiante e ruborizado confessa: o trabalho era um fantasma, criado por uma dupla quase à sua revelia. O que fazer agora?

As opiniões dividiram-se. A maior parte de nós, incluindo o “senior management” presente, preferiu ficar-se pelos parabéns calorosos, e assobiar para o lado em relação ao que discutíamos cinco minutos antes. Mas houve quem desse a ideia de a agência devolver o prémio. Várias pessoas – eu inclusive – defenderam com força essa opção. Alguns, como o próprio e angélico premiado, puramente por razões de coerência e ética. Mas a maior parte, com o profissionalismo do Edie Falco, estava a pensar no aproveitamento mediático que se poderia tirar de um gesto tão desprendido.

E, no entanto, olhando para trás, volto a pensar que esse tipo de jogos é péssimo para as agências – mesmo que os resultados imediatos sejam esses que o Edie aplaude. As “ferramentas de mercado” a que se refere são (já que estamos no Mundial) como faltas e simulações no futebol. Se uma falta bem cavada levar a um gol da minha selecção, quero lá saber se era tudo teatro. O que importa é ganhar, ter visibilidade, e afinal é só um jogo, né?

Acontece que, mesmo descontando qualquer aspecto ético (o que levaria para uma discussão meio propensa à hipocrisia e à dor de cotovelo), para os anunciantes a publicidade não é só um jogo.

Há uns tempos houve neste blog uma discussão com o Henrique Agostinho sobre a utilidade dos prémios de publicidade. O ponto de vista dele, que é o de muitos anunciantes, era que os prémios fazem mais mal do que bem. Distorcem o mercado e dão às agências um critério errado de qualidade publicitária. Eu defendia o contrário. Acho que prémios como Cannes, com todos os seus defeitos, fazem avançar a indústria, e por isso são bons para os anunciantes. Mas era preciso que as possibilidades de fraude e manipulação em proveito exclusivo das agências, como a que salta desta história da Giovanni FCB, não fossem tão imprudentemente expostas pelas próprias agências.

A gente sabe que há hoje uma enorme relutância dos anunciantes em pagar às agências os valores que elas precisam para manter os seus níveis tradicionais de serviço. A percepção de muitos clientes é que as agências são máquinas esbanjadoras, um luxo caro demais para os tempos que correm. Os festivais, que não são baratos, fazem parte desse suposto esbanjamento. Se as histórias que circulam sobre eles não reforçam a sua utilidade para os anunciantes, mas ao contrário o seu lado extravagante, narcisista, um jogo cintilante cheio de “ferramentas de mercado” de legitimidade duvidosa, a prazo as agências estão a dar um tiro no pé.

8 comentários:

Edie Falco disse...

Continuo com a minha opinião: aplaudo o criativo que estava de saída da Giovanni, que colocou o seu fantasma no festival. Fez o seu papel!! Se existem buracos no sistema, são para ser utilizados, como os advogados fazem com a legislação. Afinal, ninguém nasce santo. Se o sistema permite a inscrição de um fantasma, por que é que o criativo não vai usar? Se nãoe stão contentes, mudem as regras. É que isso eles não querem... quanto cairia a receita do Festival se não fosse possível inscrever fantasmas? 40%? 60?
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Criativo existe no mundo para criar e ganhar prémios. Enquanto houver tempo para criar fantasmas e brechas nos regulamentos para os inscrever, sejam bem-vindos os fantasmas. Toda a indústria agradece, incrusive Cannes (já agora, será Cannes a cidade dos Cães? O prémio devia ser o Cão, e não o Leão).
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A Giovanni também está de parabéns: recusou um leão porque se sentiu instrumentalizada. Abdicou de expor na estante de prémios mais um leãozinho. 20 valores.
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Festival de publicidade é uma inutilidade inventada pela indústria da publicidade para dar alguma dignidade e um pretenso status de arte ou excelência técnica a essa profissão tão estúpida e abjecta que é a de publicitário, que consegue ser mais desacreditada, trapaceira e suja do que a de advogado. Portanto, pudores e pundonores expelidos por virgens vestais acerca de fantasmas e outros golpes de relações públicas que todo dia se vê nas publicações do ramo, são totalmente dispensáveis e passíveis de descrédito, não fossem resultado de um descarado cinismo.
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No dia que fizerem um festival de publicidade (que na verdade é um festival de técnica criativa a serviço das vendas) em que a criatividade seja avaliada juntamente com a eficácia dos resultados obtidos, aí sim podemos estar a falar de alguma coisa decente. Até lá, é tudo falácia. Vamos portanto aproveitar e começar a preparar os nossos fantasmas.

Edie Falco disse...

É por que és muito novo e ainda não conheces nada. Ainda estás na 1ª agência. Logo, logo vais ver que é como digo, e então lembrará de Edie Falco. Quando começares a sair da tua casca de criativo, quando retirares por cinco minutos os antrolhos que te cegam e olhar à tua volta 5 minutos, verá que o que falo é verdade. E vc no fundo sabe que é assim, basta observar como se move no mercado o director da sua agência. Desculpe se te choquei com as minhas palavras e antecipei o que vai descobrir dentro de 2 ou 3 anos. Mas não perca mais tempo comigo, volta para os teus fantasmas. O país precisa dos teus prémios.

Edie Falco disse...

(cont) E só queria dizer que, apesar do que disse, não tenho uma visão negra da publicidade, isso é vc que está dizendo. Fiz uma constatação. Não sou é iludido com esse negócio, tenho é uma visão realista das coisas. Quem já percebeu como se ganham contas neste e noutros países, sejam elas privadas ou públicas, sabe que esse negócio está longe de ser o negócio "da criatividade". E para comprovar o que digo sobre a profissão, basta fazer uma pesquisa banal, enumere outras 4 profissões e pergunte a 10 pessoas qual daquelas 5 (a profissão de publicitário incluída) lhe transmite mais confiança. Depois comente aqui as percentagens obtidas. Eu dou uma sugestão de lista:
-jornalista
-advogado
-publicitário
-policial
-político

Todas profissões que popularmente suscitam dúvidas. Faça a pesquisa, aposto que o publicitário fica abaixo do político.
Caro Praga, isso só para dizer para não dar essa importância toda ao que fazemos. O que fazemos, definitivamente, não é importante para a sociedade. É sim, para os nossos egos. E não me venha com a treta do capitalismo e da sociedade de consumo, vêm-me logo ânsias à garganta.

Edie Falco disse...

Acerca do seu comentário "crime e castigo": não seja vc também abjecto... já basta estar nesta profissão...

"a minha profissão não é abjecta. Ok?" não, não está ok, não tenho a mesma opinião que a sua, penso diferente, ok?

Parece até que ficou ofendido... e por tão pouco... te pus a pensar, não é?

Não percebo o tom de ofensa, levando para o lado pessoal... que infantilidade... nem parece um veterano...se os políticos fossem ficar ofendidos com o que falam da profissão deles e mesmo deles...

Edie Falco disse...

E ainda acrescento: só você acha que a sua profissão é confiável... mais ninguém (refiro-me ao português médio. Ou seja, para quem fazemos publicidade, é para eles, não é para nós) por que não faz a pesquisa? Você ia se surpreender em saber como as pessoas simplesmente ignoram ou não dão nenhum crédito aos publicitários... até porque, a qualidade do que vêem, no cômputo geral, não é boa. Faça a pesquisa...

Ficou chateado com o adjectivo utilizado? Sorry, mas não se deixe levar pelo corporativismo cego... relativize, foi apenas uma opinião... não se ofenda com nada, fique antes ofendido com a corrupção dos directores de marketing... fique antes ofendido com o picanço... com os falsos concursos... contra isso não vejo nenhuma virgem vestal ficar ofendida...

Edie Falco disse...

(cont) as agências que fizeram fantasma estão mal por:
1- Incompetência, não souberam utilizar o prémio a seu favor.
2- Forretice, não seguraram os criativos, que foram para agências maiores onde valorizaram os prémios.
3- Terceiro mundismo, aqui não têm culpa, o problema é do atraso do país, que se está a marimbar para prémios de publicidade. Clientes incluídos.
4- Inveja generalizada, a pessoa ou empresa neste país, quando ganha um prémio, passa a ser o alvo a abater.

Enfim, nada que vc que é um veterano, não saiba... talvez só não queira admitir. Ou não parou para pensar no assunto com um olhar mais distanciado. Aconselho menos corporativismo... Slazar tentou levar o país com corporativismo e morreu na praia... corporativismo é um sinal de atraso.

Consumering disse...

Eu sou contra o festival de Cannes (e outros de criatividade) precisamente porque não valoriza aquilo que é o objectivo unico da publicidade, as vendas, o negócio dos clientes.
Assim, a questão dos fantasmas é secundária se a exemplo dos prémios de eficácia, em Cannes fosse necessário demonstrar os resultados atingidos, os fantasmas seriam excluidos à partida.
Nem um concurso só de fantasmas é viavel porque não é possível avaliar condignamente a qualidadde (o resultado) de um trabalho que não utilidade. Os fantasmas são maus porque não cumprem com o objectivo da publicidade.

Não quer dizer que os prémios de eficácia sejam impolutos, nada disso, mas pelo menos fazem um esforço para que se avalie aquilo que deve ser avaliado, o resultado. Esforço esse que os festivais de criatividade não fazem, abdicando de ser objectivos, para bem da vaidade.
Se fosse preciso mais exemplos bastaria ver como a Leo se farta de ganhar prémios e de perder clientes. Ilustra como a criatividade pura é um onanismo do ego, desvantajosa para a agência (ainda que não pareça).
Em resumo: Sempre que alguma profissão abdica da sua função em prol dos outros para se concentrar no seu ego arrisca-se a ser julgada por isso. Veja-se o exemplo da confiança atribuida pelos consumidores aos publicitários (pior só os politicos) e porquê? porque os publicitários (não todos), ostensivamente se preocupam com o seu umbigo em vez de se esforçarem por contribuir para a economia, em serem uteis.
Quem quer ser um artista em vez de um profissional arrisca-se a ser considerado pouco profissional.

Edie Falco disse...

Vocês dão uma importância demasiada aos prémios. Prémio é puro marketing, seja ele qual for. É uma coisa inventada para o ego dos criativos e para mostrar aos clientes. É como eu digo, esse negócio é abjecto e pelintra, a publicidade se move no campo da trapaça, da mentira e da mistificação. Faz parte do negócio. E vai continuar assim, não há nada a fazer. Os criativos querem. Os clientes são indiferentes. Os donos de agência, julgam-se mais importantes. Acabou.