Os serviços financeiros configuram uma daquelas situações em que existe uma assimetria essencial entre o fornecedor e o cliente.
O fornecedor é um especialista dotado de conhecimentos sofisticados numa área particular. O cliente, mesmo quando não é totalmente ignorante na matéria, não dispõe nem do tempo nem da disponibilidade mental necessárias para: a) ter acesso a toda a informação relevante; b) interpretá-la correctamente; c) escolher aquilo que é melhor para si.
É por isso que ser-se cliente de um banco implica uma relação de confiança, o que significa que nós acreditamos que o nosso banco não abusará da nossa situação de inferioridade para lucrar indevidamente à nossa custa.
A reacção dos bancos portugueses às acusações de que têm sido alvo nas últimas semanas sugere que eles ainda não compreenderam - ou não quiseram compreender - aquilo que de facto está em causa.
Eles não podem dizer que a) os arredondamentos das taxas de juro dos créditos à habitação eram até agora legais; b) os bancos não esconderam dos seus clientes que procediam a esse arrendondamento; c) os clientes nunca se preocuparam com essa prática.
A verdade é que os clientes não têm outro remédio senão confiar nos arranjos particulares que lhes são propostos. O que é que implica ao certo um arredondamento da taxa de juro? Eu próprio, que sou economista, nunca entendi bem o que estava em causa.
Mas nós descobrimos agora que esse expediente gerou para o conjunto dos bancos centenas de milhões de contos adicionais por ano. Ou seja, catrapiscando aqui e acolá umas dezenas de euros, os bancos inflacionaram desmesuradamente os seus lucros. Chama-se a isto abuso de confiança.
Ora isto assemelha-se estranhamente àquela fraude bancária que consiste em tirar de cada conta todos os meses 5 cêntimos. Ninguém dá por nada, mas o gatuno fica rico.
Estamos, por conseguinte, perante uma viragem fundamental nos mercados financeiros portugueses. A partir de agora, os bancos não mais poderão tomar por adquirida a confiança dos seus clientes, porque todos nós vamos espiolhar com muito mais atenção todas as condições que eles nos propõem.
Resultado: a concorrência efectiva vai aumentar e as margens vão baixar. Não acreditam? Estejam atentos, e verão.
Ora bem, estando as coisas neste pé, a gente descobre que há pelo menos um banco - refiro-me ao BPI - que, durante todo este tempo, se comportou de forma exemplar, não cobrando aos seus clientes nem um cêntimo a mais.
Uma boa surpresa, evidentemente. A minha empresa é cliente do BPI, e eu fiquei contente por saber isso.
Seria de esperar, nestas circunstâncias, que o BPI tirasse partido da situação. De pouco vale ter-se um comportamento eticamente louvável se ninguém souber disso.
Pois que fez o BPI? Lançou uma campanha em que afirma que os seus clientes fazem as contas, e por isso o preferem aos outros.
Parece-me isto um erro de perspectiva. Como cliente,
o que ambiciono é não ter que fazer as contas. O que eu espero é poder confiar que as recomendações que o meu banco me apresenta estão correctas porque, tendo ele feito as contas que eu não posso ou não quero fazer, concluiram que elas são as melhores para mim.
Por isso, o que o BPI deveria antes dizer é que os seus clientes não precisam de fazer as contas.
Porque nele é possível confiar-se.
Mais um erro de planeamento estratégico.
3 comentários:
Claro como água.
O BPI é o meu banco e nesta questão achei correcto não utilizarem abertamente este facto (que não é mais que ter uma atitude responsável e de consciência para com os clientes) para seu proveito; pelo menos descaradamente.
Claro que era um óptimo momento (nem o deveriam desperdiçar) para relembrarem que os seus clientes "fazem as contas" e que quem também fizer as contas deverá ser cliente do BPI.Mas lá está, concordo com a perspectiva de que o cliente não está lá para fazer as contas - isso seria desconfiar e escrutinar muito bem o que estava em causa - ele está lá para confiar no banco e acreditar que aquele banco lhe oferece a melhor solução.
Não gostei da campanha em si, surgiu um pouco em cima do joelho, parece-me; não considero que de um momento para o outro os clientes mudem de banco, até porque apesar de a confiança ter sido quebrada com outros bancos, nós somos pessoas de esquecimento..Acredito que em menos de nada os outros bancos irão ripostar e tentar abafar a lembrança deste acontecimento, procurando novas estratégias para se relacionarem com o cliente e fortalecerem a confiança neste.
O facto de se querer passar a ideia de que há clientes que fazem as contas, não significa que seja necessário que o cliente comum as faça, muito pelo contrário, dispensa-os dessa tarefa. Ser cliente do BPI significa agora que não é mesmo preciso fazer as contas, uma vez que estas estão já feitas. Não me parece, por isso, uma abordagem errada e dou os parabéns ao banco pelo bombardeamento: ouvi 17 spots na TSF de seguida, 12 eram clientes que tinham feito as contas!
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