7.9.07

Marketing: o estado da teoria

Num comentário ao último post do Jayme, o Henrique culpa os académicos pela ausência de um corpo coerente de princípios cientificamente fundamentados que possam orientar a acção dos gestores de marketing.

Sendo eu um desses animais anfíbios que os práticos catalogam como teórico e os teóricos desdenham como prático, sinto-me na obrigação de dizer qualquer coisa sobre isso.

O assunto dava pano para mangas. Resumirei com a máxima concisão o que penso sobre ele:

1. O marketing não é uma ciência, é uma técnica. Deveria estar para as ciências sociais (economia incluída) como a engenharia está para as ciências da natureza.

2. Acontece que a teoria económica actual preocupa-se mais em justificar o sistema económico vigente do que em dar-nos ferramentas para entendê-lo e geri-lo. Daí o seu enviezamento anti-empírico e o seu genérico desinteresse pelo tipo de problemas que interessam ao marketing.

3. O núcleo da teoria do marketing reside na modelização do comportamento de compra dos consumidores.

4. A teoria do comportamento de compra foi desde o início, há uns quarenta anos, dominada pelo casamento entre preconceitos infundados oriundos da micro-economia (teoria da escolha) e da psicologia (cognitivismo).

5. Têm vindo a ser acumuladas há décadas provas sucessivas de que o modelo de comportamento de compra Howard-Sheth está errado. Apesar disso, é ele que continua a ser ensinado: veja-se a última edição do manual do Kotler, por exemplo.

6. Os modernos painéis de consumidores permitem analisar com uma minúcia extrema o comportamento de compra das pessoas. Desenvolveu-se, assim, o conhecimento empírico daquilo que as pessoas efectivamente fazem, algo muito diferente daquilo que as pessoas pensam que fazem ou dizem que fazem.

7. Na área das promoções, por exemplo, há uns bons quinze anos que se sabe tudo o que é essencial saber sobre o que funciona ou não funciona. Mas as pessoas encarregadas de diariamente organizarem promoções continuam a cometer sempre os mesmos erros.

8. Logo, dispomos hoje de conhecimentos muito mais rigorosos e úteis para orientar estratégias e tácticas de marketing. Porquê, então, não se encontram eles mais divulgados?

9. Em primeiro lugar, os manuais dominantes não incorporaram estes conhecimentos e, mesmo fora do mainstream, são muito raros aqueles que o fazem. Algumas pessoas imputam a responsabilidade do facto às políticas editoriais que privilegiam as actualizações graduais do material editado em detrimento das reformulações estruturais. Haverá aqui, pois, uma falha de mercado.

10. O resultado é que, em todo o mundo, são ensinadas aos estudantes teorias que cada vez mais investigadores acreditam serem falsas. Se eu não tivesse mais nada que fazer e fosse inglês, candidatar-me-ia a resolver este problema.

11. A maioria dos gestores de marketing não está orientada para os resultados, nem sabe o que é que isso concretamente quer dizer. Afinal, como se medem esses tais resultados? Esta é a segunda parte do problema.

12. O modo como muitas empresas são hoje geridas incentiva os gestores de marketing a preocuparem-se muito mais com as suas carreiras do que com a contribuição de médio e longo prazo que podem dar para o futuro do negócio e das suas marcas.

13. Ora, o mais ajuizado, para um gestor carreirista, é associar-se com agências capazes de criarem aquele tipo de campanhas susceptíveis de serem faladas pelos media no nosso intelectualmente pobre meio profissional e, assim, aspirar a receber um prémio na gala anual da Associação Portuguesa dos Profissionais de Marketing.

Para já, é tudo.

2 comentários:

Consumering disse...

É isto mesmo!
Achei curioso que a falha do mercado seja chamada para responder pela questão editorial, quando todo o fenómeno é ele próprio uma "falha do mercado".
O que nós (mais ou menos anfíbios) lamentamos é uma incapacidade do marketing de ser meritocrático, permitindo, perpetuando, a ineficácia.
Irónico, não? o próprio marketing enredado numa "falha de mercado"!
Avanço com uma alternativa: o mercado não está a falhar, está a acumular volume de erro para fazer uma correcção (o mercado não é necessariamente contemporizador).
-Os teóricos não teorizam (repetem-se)
-Os práticos não praticam (iludem-se)
-Os publicitários não publicitam (entretem-se)
Algum dia isto tudo ainda crasha!

Anónimo disse...

Um fio de baba já me escorre da boca. Sou seu fã. Muito bom esse texto.

E pá, escreva lá o livro, já tem cá pelo menos um comprador. Publique no Brasil e fique rico.

E apenas um comentário: os manuais continuam a vender falsos conceitos pq não interessa a nenhum desses ingleses ensinar o pulo do gato. Kotler há anos malha no mesmo ferro frio e se encheu com isso, mudar para quê?

Edie Falco