22.2.07

Sobre a crise da imprensa diária

Um jornal é um instrumento facilitador da conversa que um país mantém consigo próprio.

A aldeia não precisa de jornais: as pessoas informam-se directamente no lavadouro ou na tasca do estado de saúde da burra da Ti Jaquina. Nas cidades, em contrapartida, os diários eram indispensáveis para estruturar as conversas em torno de temas partilhados.

Os tempos passaram, e aumentou a variedade dos intrumentos utilizados para essa finalidade. As pessoas habituaram-se a recorrer simultaneamente a várias fontes alternativas de informação, tais como diários, semanários, revistas mensais, rádio e televisão.

A proliferação dos media levou à fragmentação de experiências e interesses. A multiplicação dos espaços públicos liquidou a uniformização do espaço público. A sociedade é hoje uma nebulosa composta de sub-grupos vagamente conectados: os media também. Os diários não podem subsistir isolados da nebulosa mediática que os envolve. Mas tampouco podem deixar-se dissolver nela.

Um diário é antes de mais um agregador de uma comunidade de leitores. Porém, o que a une não é o jornal, mas uma identidade de interesses, estilos de vida e pontos de vista.

Que factores asseguram a coesão dessa tribo? – Mitos fundadores, sinais de identidade, rituais, instituições e canais de comunicação.

Há sérias razões para duvidar que a cultura própria dos leitores de diários se encontre ameaçada. Por exemplo, com a decadência dos cafés desapareceram os vespertinos. Onde é que as pessoas podem hoje ler o jornal da manhã? As que não usam os transportes públicos não podem, na maioria dos casos, fazê-lo no local de trabalho.

Depois, à medida que o espaço público vai ficando restringido aos centros comerciais deixa também de haver locais onde se comentam as notícias do dia. Este processo de des-socialização da vida quotidiana afecta os diários, visto que eles serviam exactamente de instrumento de lubrificação do convívio social.

As pessoas encontram-se crescentemente remetidas para três espaços específicos: a) a família; b) a profissão; e, quando existe, c) o hobby. Ora, o que interessa a umas profissões não interessa a outras, e o mesmo se passa em relação aos hobbies. Daí a proliferação de media especializados.

O caso das famílias é algo diferente, na medida em que, tirando as disfuncionais, quem viu uma viu-as a todas. Daí os assuntos relacionados com a vida doméstica – desde a educação dos filhos à decoração do lar – se terem tornado presença obrigatória nos mass media.

Vemos assim que tende a reduzir-se a base de clientes da imprensa diária com interesses vastos por tudo o que se passa no mundo. Que espaço resta para a imprensa diária “séria”?

A resposta a esta pergunta só pode ser encontrada descobrindo um sistema de alianças na nebulosa meditica que permita associar os diários a forças em expansão.

A imprensa popular é tributária da televisão, das revistas do coração e dos jornais desportivos. Prolonga a discussão desses temas de uma forma apelativa para o seu público.

Com que aliados de poder equivalente poderá associar-se a imprensa dita de referência? A resposta parece-me óbvia: a internet e os blogues.

Estabelecido isto, resta pensar como fazê-lo.

(To be continued)

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