Durante a transmissão da Meia Maratona de Lisboa, os responsáveis de marketing das inúmeras empresas patrocinadoras explicaram invariavelmente o seu apoio ao evento como uma manifestação de responsabilidade social.
Afirmaram estarem ali porque promover o desporto é uma causa nobre, porque os deficientes também direito a praticá-lo, porque o atletismo ajuda os jovens a ocuparem meritoriamente os seus tempos livres, porque a maratona fomenta o turismo - enfim, por uma variedade de causas filantrópicas de interesse público.
O economista Milton Friedman tem uma opinião muito negativa sobre tudo isto. A única responsabilidade de uma empresa perante a sociedade, defende ele, consiste em oferecer ao mercado produtos decentes e em gerar lucros para os accionistas. Tudo o resto é não só supérfluo, como, em última análise, uma manifestação de irresponsabilidade.
Terá ele razão? Considerando o despropósito com que hoje se invoca a responsabilidade social, quase me sinto tentado a afirmar que sim.
De facto, pergunta-se: com que critério deverá uma empresa assumir que é socialmente responsável por apoiar o combate à toxidependência e não, por exemplo, por financiar a prevenção da SIDA? Qual é o motivo para optar por uma causa em detrimento da outra?
Mais ainda: quais os limites da responsabilidade social das empresas? Não deveriam elas, para minimizar o desemprego, contratar trabalhadores de que, efectivamente, não precisam? Ou para serem mais úteis à sociedade, lançar produtos benfazejos (como, por exemplo, medicamentos) que todavia dão prejuízo? Como é evidente, a lista de possíveis áreas de intervenção empresarial em prol do bem-estar social não tem fim.
Por mim, acredito que a responsabilidade social é um conceito importante, mas usualmente mal entendido e pior aplicado.
Quando, há cerca de duas décadas, a Johnson & Johnson foi confrontada com a morte por envenenamento de várias pessoas após terem ingerido Tylenol, rapidamente se apurou que a tragédia se devera à acção de um anónimo criminoso psicopata que injectara cianeto nas cápsulas nos supermercados onde o medicamento de encontrava à venda.
A reacção da Johnson & Johnson foi, a meu ver, um exemplo de responsabilidade social. Em vez de sacudir as culpas para cima dos retalhistas, a empresa aceitou indemnizar as famílias das vítimas, recolheu todas as embalagens distribuídas e garantiu que, de futuro, o produto só estaria à venda em estabalecimentos capazes de garantir a inviolabilidade dos blisters.
Assim, responsabilidade social significa antes de mais assumir a responsabilidade pelas eventuais consequências negativas que possam decorrer da actividade de uma empresa ou da utilização dos seus produtos. Um fabricante de celulose tem a obrigação de se esforçar continuamente por reduzir ou eliminar o impacto da poluição que provoca sobre o meio ambiente. Um fabricante de automóveis tem a responsabilidade de velar pelas condições de segurança dos veículos que comercializa. Um canal de televisão tem a responsabilidade de proteger os seus telespectadores infantis de eventuais tentativas de manipulação publicitária.
Por outras palavras, as áreas prioritárias de preocupação social de uma empresa devem ser aquelas em que se manifestam as externalidades negativas inerentes à sua actividade. Convém não confundir isto com o recurso aos patrocínios como forma de comunicação institucional ou de marketing, visto tratar-se de um tema completamente distinto.
Resumindo e concluindo, voto a favor da responsabilidade social como preocupação relevante das empresas, mas voto contra iniciativas sem estratégia nem sentido evidente que se acoitem à sombra dessa designação.
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Há 3 anos
3 comentários:
Gostei do que li. Gostei do que foi dito. E concordo plenamente.
A responsabilidade social das empresas está fundamentalmente ligada ao respeito pelas leis dos países onde opera e pela minimização das externalidades negativas que possa provocar.
A questão da devolução à sociedade de parte dos lucros obtidos com a sua actividade parece-me absolutamente injusta. Injusta porque parte do princípio que esses lucros foram obtidos ilicitamente.
Isto não quer dizer que as empresas não devam patrocinar ou apoiar entidades externas. Devem é fazê-lo como parte de uma estratégia de marketing que traga benefícios concretos para a própria empresa.
Realmente é um tema que dá pano pra manga. A responsabilidade social, no meu entender, começa dentro de casa. De que adianta reflorestamente, cuidado ambiental, doaçoes de comida e agasalho se antes de tudo os funcionários estao sendo mal pagos ou injustiçados com o que quer que seja, nao estao sendo ouvidos ou sofrem assédios morais? Esse é um ponto que acho extremamente fundamental. Dizem que nossa casa é o reflexo da nossa personalidade nao é?!?!
Concordo tambem quando as empresas utilizam da RSE como uma forma de estrategia de marketingm, nao há mal nisso, desde que nao seja uma propaganda enganosa. Responsabilidade social é algo extremamente complexo e emgloba muita coisa.
Joao, quando voce diz que "Um fabricante de automóveis tem a responsabilidade de velar pelas condições de segurança dos veículos que comercializa" eu concordo, mas nao vejo isso como responsabilidade social mas sim como obrigaçao. Assim como um medico tem que atender bem um paciente ou um restaurante nao pode servir comida estragada. Vai prestar um serviço já tem a obrigaçao de faze-lo bem feito. Custe o que custar.
Enfim, terminando o comentário, concordo plenamente com o ultimo paragrafo do post, acho que estratégia é a parte fundamental, pensar e fazer.
Legal, gosto desse tema justamente pela diversidade de opinioes que existe.
Grande abraço.
Inclui o link no meu blog.
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