28.5.04

Pedido de desculpas

Como terão notado, perdemos a cabeça por causa dos novos templates do Blogger - e, em consequência, lá se foram tanto o arquivo de comentários passados como os links para outros blogues.

Quanto aos comentários, não há nada a fazer. Esperamos apenas que o novo funcione, do que não estamos muito certos.

Quanto aos links vamos tentar reconstituí-los logo que possível.

Como se diz em português: tenham paciência...

26.5.04

A imaginação de marketing

Todos os dias, profissionais de marketing imaginam que, como não gostam de verde, o verde não vai funcionar nos seus anúncios.

Outros, tendo lido num manual de auto-ajuda que os pensamentos negativos nos atrapalham a existência, imaginam que não se deve utilizar num headline a palavra "não".

Há ainda os que imaginam que, aumentando o logotipo nos seus anúncios, o reconhecimento e afeição pela sua marca cresce proporcionalmente.

E mais uns quantos que, educados em famílias em que a palavra "você" era usada unicamente para tratar o motorista e o jardineiro, imaginam que o seu uso na publicidade deixa chocados os consumidores.

Sem falar nos que imaginam que uma mensagem totalmente desinteressante, se repetida muitas vezes, ganha por algum misterioso motivo o condão de interessar.

Há os que imaginam que, para ser levada a sério, uma marca não deve brincar.

E por fim os que imaginam ser preferível uma comunicação chata e importuna, mas na qual nada sobre o produto ficou por explicar, a uma comunicação cheia de humor em torno de uma simples ideia central.

Isto porque, como a imaginação de marketing não se cansa de frisar, o humor não vende.

19.5.04

O descoiso

Lembro-me perfeitamente da primeira vez -- já lá vão muitos anos -- que participei num brief criativo de uma agência.

Discutia-se Flora, e o Director Criativo sentenciou: "O grande problema desta marca é que ninguém sabe o que é. Não tem nem uma personalidade própria nem um target definido."

Nesse tempo, porém, sabia-se ao menos que Flora era uma margarina de mesa.

Anos mais tarde, uma extensão de marca ousada acolheu sob a asa protectora da Flora uma série de outros produtos.

Uma campanha publicitária muito criativa, assumindo a dificuldade de precisar o conteúdo da marca, optou por defini-la como "o coiso". Muitos aplausos, muitos prémios, mas, se não erro, poucos resultados.

A verdade é que a pobre dona de casa tem muita dificuldade em encontrar no super-mercado "o coiso", porque pura e simplesmente não existe nenhuma secção com esse nome.

Para além disso, sempre me intrigou como se poderá medir a notoriedade espontânea de uma marca assim. Será que os entrevistadores vão para a rua perguntar às pessoas que marcas de "coiso" conhecem?

Ries e Trout chamaram há três décadas a atenção para o facto de que, no panorama saturado de publicidade dos nossos dias, cada marca deve apropriar-se de uma ideia simples que facilite a sua identificação e interpretação.

É isso que se chama posicionamento e, evidentemente, o melhor posicionamento possível é a identificação de uma marca com uma categoria de produto.

Quando uma marca tenta significar muitas coisas ao mesmo tempo (ou, pior ainda, várias categorias ao mesmo tempo), o mais provável é que o consumidor, que tem mais que fazer do que estudar os anúncios, não entenda nada.

Esse é um dos perigos das extensões de marca.

Quando chegou a Portugal, a Parmalat usava a mesma marca para designar os sumos, os biscoitos, etc. Enquanto isso aconteceu, os consumidores só repararam que a Parmalat vendia leite. Mais tarde, quando os sumos passaram a chamar-se Santàl, e os biscoitos Grisby, foram finalmente criadas as condições mínimas para poderem competir no mercado.

Ora bem, para resolver os problemas tradicionais de indefinição da marca, a Flora pôs agora na rua uma campanha didáctica explicando-nos que "Flora também tem manteiga magra", "Flora também tem doce", "Flora também tem brunch" e "Flora também tem margarina".

Eu, que, tanto por razões profissionais como pessoais, simpatizo com a Unilever, bem gostaria de fazer-lhes a vontade e, da próxima vez que for ao super-mercado, trazer de lá pelo menos uma embalagem
de cada um desses "coisos" para experimentar.

Para ser franco, porém, tenho de reconhecer que o mais natural é que volte a esquecer-me. Sorry.

14.5.04

Quero ir para a cama consigo

No indispensável "Under the Radar -- Talking to today’s cynical consumer", Jonathan Bond e Richard Kirshenbaum têm uma forma expressiva de se referir a um dos erros mais comuns da comunicação publicitária: aquilo a que chamam "deixar a estratégia à mostra".

O exemplo que usam é o do homem que, com o objectivo de marketing de levar uma mulher para a cama, a abordasse com o seguinte headline: "Olá. Gostava de te levar para a cama". Acredito que a maior parte dos anunciantes não aja assim nas suas relações pessoais, mas muitos não têm o menor pudor em fazê-lo quando abordam o consumidor.

O erro é confundir resposta e estímulo, ou pensar que entre eles há uma relação linear.

Acontece que as motivações humanas são complexas e contraditórias. Por isso é tão difícil mudar comportamentos. Só por isso, aliás, é que é preciso ter uma estratégia, ou seja, encontrar um ponto de menor resistência. Nos termos de Bond e Kirshenbaum, um ponto não coberto pelo "radar" do público-alvo. Depois, é preciso que a estratégia não esteja à mostra. O cavalo de Tróia não pode ser feito em acrílico transparente.

Um exemplo de comunicação em que isso foi obviamente esquecido são aqueles avisos macabros que enfeitam os maços de cigarro. A intenção é meritória, mas o raciocínio é tão básico como o do Don Juan do exemplo acima. Se as pessoas tiverem sempre presente que o cigarro faz mal à saúde, terão menos vontade de fumar, correcto? Óbvio que não.

As pessoas sempre souberam que fumar fazia mal à saúde. Sabem-nno pelo menos desde que, na adolescência, foram avisados, muitas vezes aos berros e com castigos pelo meio, pelos próprios pais (eles próprios, frequentemente, fumadores cheios de problemas de consciência). Justamente, fumar era uma forma de mostrar aos pais que eles já não mandavam, por mais que até pudessem ter razão. A liberdade que o tabaco promete não é só a de respirar mais fundo no vasto país de Marlboro. A liberdade mais importante, que nunca precisou aparecer nos anúncios para ser compreendida, geração após geração, é a de transgredir. Transgredir o bom senso, as recomendações dos médicos, as proibições dos pais.

O que faz a comunicação do Estado nos maços? Embute o pai, o médico e a autoridade em geral no próprio produto. Aumenta, portanto, o ansioso prazer de transgredir.

Não admira que seja tão eficaz.

5.5.04

Marketing one-to-one

Estou de pé ao balcão, quando o empregado se aproxima e exige em voz bem alta, para ser ouvido em toda a sala:

«Saem sete bicas: duas italianas, três bem cheias e duas em chávena escaldada!»

O sujeito de serviço à máquina tira, com ar enfadado, nove bicas rigorosamente iguais, e entrega-as ao colega.

O empregado de mesa coloca as chávenas no tabuleiro, chega para um lado três que lhe parecem mais cheias, dirige-se com ar decidido à mesa onde estão sentados os clientes e proclama, outra vez bem alto:

«Ora aqui estão as sete bicas: duas italianas, três bem cheias e duas em chávena escaldada!»

Capisce?

Abaixo o consumo

No outro dia fui briefado por um cliente do Norte que, para descrever o seu problema de vendas, dizia que as donas de casa mais velhas ainda "gastavam" o seu produto, enquanto que as mais novas, assediadas pela concorrência, já não o "gastavam".

Achei curioso esse uso, suponho que regional e mais arcaico, do verbo "gastar" em lugar de "consumir". Mas o que mais me chamou a atenção foi o facto de serem sinónimos tão perfeitos. "Consumir" uma coisa nada mais é, afinal, do que acabar com ela, gastá-la, fazê-la desaparecer.

Nunca tinha reparado nisso -- e menos ainda na visão de nós próprios que aceitamos quando nos deixamos qualificar de "consumidores". É claramente uma visão de fabricante, cujo único interesse é que os seus produtos sejam "consumidos", isto é, gastos, destruídos, para que seja possível pôr outros à venda. Já a quem compra não interessa nada "consumir" o que comprou. Interessa utilizá-lo -- aliás, quanto menos tiver que "consumir", melhor.

A ideia embutida na palavra "consumidor" é a mesma que está por trás da obsolescência programada, ou de truques como os dos mecânicos que, reza a lenda, provocam novos defeitos nos carros para obrigar os clientes a voltar. É uma lógica voltada para o "consumo", não para o uso. Portanto, totalmente contrária aos interesses dos ditos "consumidores".

Assim sendo, a partir de hoje declaro que me sentirei ofendido por quem quer que se atreva a me tratar por semelhante nome. Chamem-me utente, utilizador, usuário, freguês -- ou, melhor ainda, chamem-me Estimado Cliente. "Gastador" é que não.

4.5.04

Lava mais branco

A Veja de 28 de Abril publica uma extensa reportagem sobre a corrupção nas prefeituras (executivos municipais) do Brasil, e dá dicas para quem se queira dedicar a desmascarar as fraudes. "Um caminho simples", ensina a revista, "é conferir se há registo legal de empresas que prestam serviços à prefeitura. O uso de empresas de fachada – de publicidade ou de organização de eventos – é um recurso empregado com frequência por quem quer desviar dinheiro público".

Pode ser só um exemplo, mas não deixa de ser sintomático da reputação que esta nossa actividade tão facilmente conquista. Quase que se podia fazer um anúncio: Quer fazer sumir dinheiro? Chame uma agência de publicidade.