30.5.06

Magister dixit

Imagine que uma empresa de serviços – uma oficina mecânica, por exemplo - comunica aos seus empregados que na avaliação de cada um também passará a ser levada em conta a apreciação dos clientes.

O representante sindical da categoria reage imediatamente: “Inaceitável! O trabalho que fazemos é muito complexo, os clientes não têm a menor competência para avaliar se está bem feito ou não. Além disso, é intolerável que a opinião de meros clientes possa afectar a nossa progressão na carreira”.

Não foram estas, mas parecidíssimas, as palavras com que o representante dos professores rechaçou ontem a proposta da Ministra da Educação de que na avaliação dos educadores seja considerada a apreciação dos pais. É claro que ele não usou a palavra “cliente” – não faz parte do seu vocabulário, nem lhe terá alguma vez ocorrido que um pai de aluno é mesmo isso: o cliente. Ou seja, aquele que paga, e que ao fim do dia leva o produto que pagou, bom ou mau, de volta para casa.

27.5.06

Neutron Jack



Quando eu era miúdo, contavam-se anedotas sobre o General Electric. Em nossas casas havia televisões General Electric, frigoríficos General Electric, rádios General Electric, ferros de engomar General Electric.

Alguém sabe o que é que a General Electric, a empresa fundada pelo grande inventor Thomas Alva Edison, faz hoje? Aparentemente, faz dinheiro.

Quando, em 1981, Jack Welch tomou as rédeas da General Electric, ela empregava 411 mil trabalhadores. Oito anos depois, abandonara todas as linhas de produto que a haviam tornado mundialmente conhecida e reduzira os seus efectivos para apenas 276 mil pessoas.

O novo CEO ganhou a alcunha de Neutron Jack porque, tal como a bomba de neutrões, matava as pessoas deixando intactas as coisas.

Parece, pois, que o único propósito da General Electric passou a ser "gerar valor para os accionistas". Mas, aqui há uns anos, o economista britânico John Kay fez notar que as acções da empresa apenas haviam superado ligeiramente o índice Standard & Poor's. Por outras palavras, o "método do chimpanzé sueco", consistente em seleccionar aleatoriamente uma carteira de títulos, teria produzido no longo prazo ganhos equivalentes aos conseguidos pelo gestor mais admirado da América.

Não deixa de ser irónico que, vinte e cinco anos depois da ascensão ao poder de Jack Welch, a empresa outrora famosa pelas suas inovações seja mais conhecida do público pelos livros sobre a sua pessoa encomendados pela super-estrela do mundo de negócios do que pelos produtos que vende no mercado mundial.

25.5.06

Freud explica?

Há nas ruas uma campanha que, até por não ter qualquer pretensão à criatividade, ilustra lindamente a patologia de boa parte da publicidade portuguesa – mesmo a mais criativa.

A patologia foi descrita há uma porção de anos pelo Dr. Freud: chama-se narcisismo. Quanto à campanha, é a de um tal Grupo Sil.

Nunca tinha ouvido falar? Eu também não. E agora que ouvi fiquei na mesma.

Tosca como é, a campanha do Grupo Sil nem por isso é mais vazia do que outras, mais vistosas e melhor vestidas, que andam por aí. Num dos anúncios, por exemplo, fico a saber que eles têm uma recepcionista poliglota com 23 anos de casa. Uau!

No entanto, essa informação sem dúvida verdadeira, e de tremenda importância (pelo menos para a recepcionista: pensem bem, no caso de ela ser despedida, o tamanho da indemnização que vai receber) não é mais indiferente para a minha felicidade do que o facto de o BES ter uma nova cor. Ou de a TMN ter um novo logo.

A criatividade, às vezes, é só uma maneira gira (e cara) de mascarar a irrelevância.

24.5.06

Morreu de velho

“O que acontece a si, acontece aos seus”, diz a mais recente campanha da Fidelidade Mundial, destinada, segundo o Meios e Publicidade, a “sensibilizar o consumidor para os riscos e consequências de um acidente”. “Há coisas que só acontecem a quem tem seguro”, responde a campanha da Império Bonança, baseada, segundo a sua directora de marketing, num novo conceito comunicacional”… “em que se encontra subjacente o conceito de Aversão ao Risco”.

Sem entrar no mérito criativo das ditas campanhas, o estranho é como num sector já de si tão pouco propício à construção de identidades de marca (na mente do consumidor o elemento preponderante é sempre a imagem da categoria – e não é uma boa imagem) cada novo esforço de comunicação vem reforçar mais ainda a indiferenciação reinante. É como se nenhuma seguradora tivesse mais nada a dizer além de que é uma seguradora, e que é prudente fazer seguro.

A propósito, na Marketeer de Maio vem um suplemento especial sobre seguros, em que alguns directores de marketing desfiam as suas orientações estratégicas para este ano. De 9 entrevistados, 4 estão preocupados em fidelizar clientes, “através de upselling e cross selling”. É saudável. Mas praticamente todos baseiam as suas prioridades em problemas relativos à categoria, que pretendem todos resolver em proveito próprio. Ou seja, tencionam voltar a convencer-nos de que é bom fazer seguro. “Aumentar a notoriedade”, “reforçar a confiança” são as soluções de que se lembram grandes e pequenas marcas, aspirantes à liderança ou candidatos, no máximo, a um pequeno nicho.

Cheira-me que não vai funcionar.

22.5.06

Lifetime value, parte III: lavagem de dinheiro

Então foi assim: entrei na fila para lavar o carro, paguei, entrei naquele mega jacuzzi que os carros devem achar super excitante. Lavagem completa com mais não sei quê, 5 euros. Quando terminou fui-me embora, sem pensar mais no assunto.

Mas uns quarenta minutos depois, quando cheguei ao meu destino e saí do carro, olhei para ele e o coitado estava tão sujo quanto antes. O jacuzzi, por alguma razão, não tinha funcionado.

Como o posto da Galp ficava no meu caminho de volta, umas duas horas depois passei por ali e mostrei o carro ao senhor da mangueira. Ele entendeu mas não podia decidir nada; passou-me à supervisora. A supervisora entendeu mas não podia decidir nada; passou-me ao gerente. O gerente explicou-me que reclamações daquelas só podiam ser aceites imediatamente a seguir à lavagem. Argumentei que, sendo uma lavagem automática, a pessoa não sai do carro imediatamente a seguir à lavagem, simplesmente vai à sua vida. O amável gerente contra-argumentou que o sistema era assim e pronto, se eu tivesse alguma queixa pedisse o livro de reclamações.

Foi o que fiz. Saí a deitar fumo, por me terem lavado mais 5 euros em troca de nenhum serviço, mas já sem esperança de qualquer consequência.

Foi por isso uma surpresa quando, uns 10 dias depois, vou à caixa de correio e está lá uma simpática cartinha da Galp. Afinal eles ligam aos clientes, pensei. Mas não ligavam. O que a carta dizia era que não me podiam refazer o serviço nem devolver o dinheiro, porque, “como eu devia compreender”, reclamações daquelas só eram aceites quando feitas imediatamente após a prestação do serviço. Ou seja, após a lavagem automática eu devia ter saído do carro e verificado se estava mesmo lavado. Como não o fiz, lá se foram os meus 5 euros pelo ralo.

5 euros da lavagem, 1 euro do anúncio no FastAccess, numa mesma semana foi esse o meu prejuízo com a Galp. Visto de outra forma, esses 6 euros era o que a Galp me deveria ter devolvido, se me quisesse manter como cliente. Mas como o meu lifetime value não deve chegar a tanto, a Galp não se importou que eu me fosse embora de vez.

O que me chamou a atenção nestas duas histórias é que os processos de atendimento ao cliente funcionaram sempre: os meus e-mails acabaram por ser respondidos, a minha reclamação escrita chegou a quem de direito e foi respondida. Mas aparentemente foi respondida por máquinas, ou por pessoas que simplesmente executavam procedimentos, sem qualquer disposição para pensar ou decidir em função de circunstâncias especiais. A maior parte dos call-centers das nossas grandes empresas (em especial as de telecomunicações) estão cheios de pessoas assim. É por isso que, por mais sistemas que implementem, estas empresas só demonstram não ter entendido ainda o que significa a palavra “serviço”.

16.5.06

Lifetime value, parte II: o sistema tem sempre razão

Tudo aconteceu porque queria vender o meu carro (já agora, é uma carrinha Mondeo 2002, full extras, todas as revisões na marca – e se você for o primeiro a ligar ainda leva grátis uma assinatura da revista Certa).

Tive então a ideia de pôr um classificado no portal FastAcess. Custa um euro. Você manda um SMS com esse custo, eles enviam um código que teoricamente permite inserir o anúncio. Digo “teoricamente” porque quando pus o código o sistema não o aceitou. Pensei que o erro era meu (o sistema tem sempre razão). Paguei mais um euro, recebi mais um código, voltei a inserir, novamente o sistema não o aceitou.

Por essa altura já queria desistir – ainda por cima é um processo complicado, cada vez que há um erro é preciso voltar a preencher tudo. Mas, como não gosto que fiquem com o meu dinheiro, mandei antes um email à Galp: por favor resolvessem o problema, ou então devolvessem os 2 euros.

Quase uma semana depois tive uma amável resposta. O serviço Fast agradecia o contacto, mas não era ali. Era no balcão ao lado, no email do portal. Reencaminhar o email à pessoa certa é que não passou pela cabeça de quem me respondeu. O sistema não previa esse procedimento.

Mandei outro email, explicando outra vez a situação. Vários “reply” e três semanas depois, consegui que a amável senhora do outro lado me enviasse, “gratuitamente”, um novo código. Preenchi outra vez o formulário, tentei inserir o código e… erro.

Mais um email, a pedir o dinheiro de volta. Mas a senhora não conseguia entender como aquele erro acontecia, uma vez que o sistema estava OK. E, como não entendia, não devolvia. Inseriu ela o anúncio. Fiquei com um euro de prejuízo, paciência.

Pelo menos já tinha o carro à venda. Agora só faltava lavá-lo, para impressionar os compradores. Ora, a lavagem mais à mão era justamente na Galp Foi aí que, juntando uma coisa com a outra, acabei por descobrir o meu lifetime value: 6 euros, nem mais nem menos.

Como é que cheguei a essa conclusão? Hoje já não lhe posso explicar, está na minha hora de almoço. Apareça amanhã.

Lifetime value

E por falar em serviço, recentemente descobri qual é o meu lifetime value para a Galp.

Eu, com a minha tosca matemática, imaginava que ainda fosse um valor simpático. Só em abastecimentos são uns 60 euros, sem falar nos jornais e noutras conveniências, que deixo todas as semanas ali na estação de serviço de Oeiras. Mas uma empresa com o tamanho e a lógica da Galp (“Se a Galp é nº 1 em Portugal, Portugal pode ser nº 1 no mundo…”) tem instrumentos de cálculo muito mais sofisticados.

Esses cálculos, naturalmente, são secretíssimos, guardados numa torre ali para os lados de Sete Rios, bem longe dos olhos do consumidor - mas acontece que tive acesso a eles. E, assim, já sei quanto valho para a Galp, enquanto cliente, ao longo da vidinha toda.

São 6 euros, se faz favor.

Mas olhe, agora tenho que ir ali beber um café e não lhe posso explicar como cheguei a este número. Apareça aqui amanhã que eu conto a história toda.

15.5.06

Serviços sem serviço

Se uma coisa nem é agricultura nem é indústria, presumem os economistas que então deve ser um serviço.

Decorrem daqui muitas confusões, visto que muitas empresas de serviços não prestam qualquer serviço.

Quer falemos de empresas de telecomunicações, de transportes públicos ou de electricidade, a regra é elas limitarem-se a manter uma dada infra-estrutura física em funcionamento, acreditando que, dessa maneira, estarão a prestar um serviço.

Assim, a concessionária de auto-estradas acha que para prestar um serviço basta manter as faixas de rodagem abertas. O retalhista de combustíveis e lubrificantes supõe que o seu papel se reduz a manter as bombas abastecidas. O hospital acredita que cumpre a sua obrigação se tiver médicos, enfermeiros e equipamento diverso.

É verdade que, em Portugal, a linha telefónica ainda cai com demasiada frequência, os autocarros nem sempre são pontuais e se perdem muitas aulas por falta de professores. Esses problemas têm evidentemente que ser resolvidos, mas é um erro pensar que isso será suficiente para assegurar um bom serviço.

O nosso maior problema com a empresa de telecomunicações não é a avaria da linha, mas as enormes complicações de que somos vítimas quando necessitamos de algo que sai daquilo que a companhia considera a norma. Porque, precisamente, não há ninguém disponível para prestar serviço. Estou a falar de todas as empresas de telecomunicações sem excepção.

Ao contrário de um produto, um serviço é uma relação, e as relações são todas diferentes, quanto mais não seja porque a mera duração afecta o seu conteúdo. Os clientes vão adquirindo experiência no seu relacionamento com uma empresa ou com uma marca. Isso significa que aprendem a tirar melhor partido dela, mas também que as suas necessidades se vão transformando e sofisticando.

As empresas que verdadeiramente prestam serviço apercebem-se disso e, por conseguinte, vão fazendo evoluir a sua oferta por forma a adaptá-la à mutação das exigências dos seus clientes.

Isso, sim, é serviço.

9.5.06

Intimidade com o consumidor

Recomendo esta entrevista do Sérgio Santos a O Nosso Portfolio, que só agora tive ocasião d ler.

Pro testo

O termo “comunicação integrada” foi usado com tanta liberalidade que hoje se transformou numa receita infalível para pôr os clientes a dormir. Afinal, ou é uma promessa tão fácil de cumprir que está ao alcance de qualquer empresa, seja qual for a sua especialidade, ou tão esotérica que só mesmo a agência A ou B têm o know-how e os estrategas e os modelos e as ferramentas que permitem concretizar esse altíssimo ideal.

Os anunciantes desconfiam, e preferem aplicar o seu dinheiro naquilo que julgam conhecer. Um anúncio é um anúncio, um mailing é um mailing, um folheto é um folheto. Ou um flyer, como se diz agora, em bom portuglês. Se é isso o que a sua agência sabe fazer, é isso que estamos dispostos a pagar. A tal comunicação integrada fica para outra altura.

O que é pena, porque a tal comunicação integrada costuma ser uma simples aplicação do bom senso. Significa, antes de mais, que os vários departamentos de uma empresa comunicam uns com os outros. Assim, o que o marketing faz encaixa com o que fazem as vendas. O que a publicidade faz é reforçado, em vez de desmentido, pelo marketing directo. A marca tem a mesma cara na embalagem, no produto, na publicidade, na caixa do correio e na arenga do vendedor. Parece simples, não é?

Pois na prática, pelos vistos, é muito mais complicado. Ocorreu-me isso no outro dia, ao receber mais uma das brilhantes peças de marketing directo da revista Pro Teste.

Nunca comprei a Pró Teste, mas simpatizava com a ideia de uma revista dedicada a denunciar os abusos contra o consumidor, através de testes e estudos credíveis. Pois essa imagem desfez-se completamente quando passei a receber, por não sei que artes dos tratamentos de bases de dados, os tais mailings.

“Abra rapidamente, Exmo. Sr. Kopke, e fique a saber como poderá receber gratuitamente este leitor de MP3” “PEDIDO DE RESPOSTA URGENTE” “Último aviso para Exmo Sr Kopke”. “Mensagem urgente”. “Abra por aqui para descobrir os seus Cartões de Acesso Pessoais”. Tudo isso no mesmo envelope.

O uso dos truques mais rasteiros do marketing directo, à moda banha da cobra do Reader’s Digest, até pode ser eficaz para um determinado target. Mas certamente não reforça a credibilidade de uma marca para a qual a credibilidade é tudo. Um bocadinho de comunicação integrada – ou seja, bom senso – não faria mal nenhum aqui.