27.10.04

Bom senso e bom gosto

«Se Maomé não vai à montanha é porque não come gelado» - Será sensato fazer humor à custa do fundador do islamismo, sobretudo nas circunstâncias presentes, em que as sensibilidades estão mais despertas?

Será, aliás, que a graça tem alguma graça a não ser precisamente troçar de uma minoria religiosa?

Será que essa minoria religiosa, que aliás come gelados, vai rir?

Não me parece. Meus caros amigos: lamento dizê-lo, mas fizeram mal.

Quem foi que disse: «Advertising has a responsibility to behave»?

20.10.04

O titular da pluma

Na corte de Luís XIV havia um alto funcionário, o senhor Toussaint Rose, conhecido como o titular da pluma.

O senhor Rose era um dos quatro secretários pessoais do Rei, mas o seu estatuto era incomparavelmente superior ao dos outros três. A sua singularidade resultava de dois dons muito particulares que o tornavam verdadeiramente insubstituível.

Em primeiro lugar, a caligrafia do senhor Rose era virtualmente indistinguível da do Rei. Assim, todos os soberanos europeus, mas também nobres franceses, titulares de cargos políticos ou eclesiásticos e altas patentes militares eram levados a crer que o soberano se dera ao cuidado de lhes escrever pelo seu próprio punho as longas cartas que dele lhes chegavam.

Essa marca de particular distinção era motivo de particular orgulho para todos eles, graças aos esforços do incansável senhor Rose.

Nessa capacidade, porém, o senhor Rose não era mais do que, digamos assim, um falsificador de cartas autênticas.

Todavia, Luís XIV foi-se apercebendo a pouco e pouco de que o senhor Rose era também capaz de pensar como ele. Isto é, por força do íntimo e prolongado convívio entre ambos, o senhor Rose conseguira penetrar na intimidade do pensamento do Rei e entendê-lo como ninguém. Ele sabia como o Rei reagiria em determinada situação e conseguia por isso antecipar o que ele quereria dizer em tais ou tais circunstâncias.

Tal era a confiança de Luís em Rose que, com grande frequência, nem sequer se dava ao trabalho de ler a cartas que ele lhe propunha antes de lhes apor a sua assinatura.

Como se pode ver, o senhor Rose era um pouco a agência de publicidade ideal: fiel não só ao estilo como à própria essência das marcas que lhe são confiadas. Não há muitos como ele. Se encontrarem alguém assim, não hesitem em confiar-lhe a vossa pluma.

15.10.04

Tribos

O João Pinto e Castro publicou na última Alice (a excelente revista do Clube de Criativos, para quem não conhece) um artigo interessantíssimo sobre a "lomografia" - um fenómeno tribal que, para ele, ilustra as verdadeiras possibilidades do marketing relacional.

É uma visão inspiradora, mas que exactamente por ser tão ambiciosa não é fácil de concretizar. Encontrar interesses em torno dos quais milhares ou milhões de consumidores se queiram constituir em tribo, sob a égide de uma marca e de forma a aumentar as suas vendas, é um desafio complicado.

Basta imaginar a situação em que uma agência, por exemplo, apresentasse ao departamento de marketing a sua grande ideia: vamos propor aos nossos consumidores que se esfalfem para conseguir uma máquina fotográfica antiquada, de uma marca desconhecida, para com ela fazer fotos desfocadas de coisas estranhas. Você apostava numa ideia assim?

E, no entanto, como mostra o artigo do João, a ideia não precisou do patrocínio de nenhum anunciante para ser um enorme êxito. Mas quem seria capaz de prever?

Por outro lado, o facto de ser difícil não tem nada de especial. Também não é fácil fazer um produto de culto, como foi o walkman ou como é o ipod, ou uma campanha de publicidade que as pessoas voluntariamente divulguem pela internet, ou para um estúdio de Hollyywood conseguir um estrondoso sucesso de bilheteira. Em qualquer desses casos, o sucesso depende de muitos imponderáveis. Mas há quem consigo ganhar a aposta uma, duas, três vezes – ou quase sempre. Em relação ao marketing relacional, da forma como o João Pinto e Castro o vê, já se esteve mais longe de chegar lá.

A propósito, vale a pena ler, na Wired de Setembro, o artigo sobre o MoveOn.org e as novas formas de mobilização, via internet e não só, dos eleitores americanos. Tem tudo a ver.


14.10.04

A droga na publicidade II

Se a Presidência da República merecia ou não estar num Museu, não sei dizer com certeza.

Mas que o dito Museu, já que foi criado e custou dinheiro, merecia uma publicidade melhorzinha, lá isso merecia.

12.10.04

Causa da má fama dos marketeers

«O nosso mundo civilizado não passa de uma grande mascarada. (...) Nesse aspecto, a única classe honesta é a dos comerciantes, pois só eles se revelam tal como são: andam por aí sem máscara, pelo que se situam na posição mais baixa da escala social.»

Schopenhauer

A droga na publicidade

As últimas Meios e Publicidade têm trazido uns belíssimos anúncios de uma entidade chamada "Dianova", aparentemente dirigidos a pessoas com sérios problemas de toxicodependência. Os anúncios têm títulos inspiradores como "Agarrado… ou avançando", sobre a imagem de uma bota presa por uma pastilha (!), ou, melhor ainda, "Merda… ou Fertilizante", sobre uma foto de ambas as coisas.

Mas mais criativo do que o copy da campanha é o planeador de meios. Eu confesso que desconhecia que entre os publicitários e marqueteiros houvesse tantos agarrados. Mas, depois de ver uma campanha como esta, já não duvido.