Haverá futuro para os jornais diários? É possível que não. Mas, se acaso houver, terá forçosamente que assentar no entendimento de qual é de facto o seu negócio.
Dizer-se que o negócio dos diários é informação é tão absurdo como acreditar que o negócio de um fabricante de automóveis é montar motores em carroçarias.
Vivemos numa época em que toda gente se encontra submergida pelo excesso de informação. Logo, ninguém vai pagar para ter mais se não souber o que fazer com ela.
A informação é um meio para um fim. Qual é esse fim? Isso depende, até certo ponto, de que jornal estivermos a falar.
O anúncio que reproduzo acima mostra que o Economist acredita que, entre outras coisas, os seus leitores encontram nele ajuda para progredirem nas suas carreiras. Porquê? Porque no Economist eles encontram algumas das coisas de que necessitam para serem melhores executivos.
Essa é sem dúvida uma razão, mas decerto não a única, para alguém comprar a revista. Outro conhecido anúncio do Economist diz o seguinte: "Would you like to sit next to you at dinner?" Por outras palavras: está certo de que é capaz de fazer uma conversa interessante com as outras pessoas?
É claro que quem lê habitualmente o Correio da Manhã procura no seu jornal algo diferente de quem prefere o Público. Por sua vez, isso indicia que essas pessoas frequentam meios sociais e culturais diversos com interesses bem demarcados.
Se nos concentrarmos no mercado daquilo a que se convencionou apelidar imprensa de referência, parece claro que a compra desse tipo de jornal sinaliza, quer se queira quer não, a pertença a uma élite exclusiva que, ao menos implicitamente, retira alguma íntima satisfação da demarcação em relação aos gostos mais populares dos frequentadores da imprensa tablóide.
Ficaríamos muito surpreendidos se soubéssemos que António Lobo Antunes, Vasco Graça Moura ou Cavaco Silva genuinamente preferiam o 24 Horas ao Diário de Notícias, porque isso seria um puro contrasenso.
Logo, os compradores do Público, por exemplo, procuram nele certas pontes com as preocupações dos concidadãos com os quais se identificam culturalmente, sem prejuízo de poderem distanciar-se deles em muitas questões particulares. Seja como for, a partilha de um jornal de referência cria uma plataforma comum de entendimento entre os seus leitores acerca da importância relativa que certas coisas ou certos temas têm na vida em comparação com outros.
E que papel desempenha aqui o jornal, ou seja, qual é exactamente a mais-valia que ele aporta a esta comunidade de leitores?
Esta pergunta faz hoje ainda mais sentido do que no passado, na medida em que já não necessitamos dos jornais para ter acesso a informação ilimitada ou, mais especificamente, para sabermos o que se passa no mundo. A televisão e a rádio - quando não o telemóvel ou o email - trazem-nos instantaneamente as notícias do dia, e se quisermos saber melhor o que se passou, aí estão a internet e os motores de busca para descobri-lo.
Tradicionalmente, os jornais desempenham um papel de intermediação entre o mundo e os leitores. Num passado, já distante, os jornais recoliam as notícias, directamente ou através de correspondentes, e punham-nas à nossa disposição. Depois, começaram a recorrer aos serviços de agências noticiosas especializadas, reservando para si o papel de escrutínio, hierarquização e comentário. Logo, os jornais são agregadores de conteúdos.
O advento da internet não reduz a necessidade de intermediação, bem pelo contrário. Quanto mais cresce a informação ao nosso dispor, mais necessitamos de que nos ajudem a seleccioná-la e a dar-lhe sentido, e isso só pode ser feito por alguém competente e credível. Essa é a competência essencial que os jornais devem possuir e que é a condição da sua sobrevivência, mesmo quando o suporte de papel tiver deixado de fazer sentido.
A novidade a ter em conta é o novo poder que a digitalização da informação sob todas as suas formas colocou ao dispor dos cidadãos. O público não é mais puramente passivo: o receptor é agora também emissor, e participa activamente no processo de produção e circulação da informação. Os novos media estão nas mãos dos cidadãos.
O resultado imediato é uma grande confusão. Se toda a gente fala ao mesmo tempo, é bem possível que o caos se instale e o público se fragmente até ao infinito. Alguém disse que, com os blogues, nunca tantos falaram para tão poucos. Por outro lado, se há no mundo qualquer coisa como 70 milhões de blogues, alguns deles têm que ser bons.
Quem se chega à frente para ajudar a emergir a nova ordem comunicacional?
(To be continued)