30.12.04

Às vezes fico confuso



Leio no último número da Marketeer, acabadinho de sair, um artigo sobre uma nova marca de vestuário para homens recém lançada.

Fico então a saber que uma empresa portuguesa, constatando que o mercado se encontra «saturado de marcas italianas, inglesas e americanas», decidiu tentar outra coisa para se diferenciar. E que coisa foi essa?

«Olha, que engraçado - observaram eles - o mercado de vestuário não está saturado de marcas suíças». De maneira que, sendo a nova marca uma marca de qualidade (e como poderia não o ser?), os gestores somaram um e um e criaram a marca Helvetica, dado que «a qualidade é um parâmetro transversal a todo o conceito» (qual conceito?) e «a Suíça é o melhor exemplo para traduzir parâmetros como a confiança, credibilidade, qualidade».

De modo que, meus amigos, aí vamos ter brevemente, numa loja perto de nós, uma nova marca diferenciada de vestuário de qualidade chamada Helvetica.

Entusiasmados com a perspectiva? Não? Mas notem bem: é roupa suíça, é roupa de qualidade, é roupa de confiança, é roupa credível, é roupa rigorosa, é roupa pontual.

Podia ser um relógio, podia ser um banco, podia ser um canivete, podia ser um chocolate, mas não é: é roupa. Para homem. Perceberam?

28.12.04

É só papel...



Haverá coisa mais vulgar do que um caderno de apontamentos?

Mas esperem: este foi usado por Hemingway, Picasso, Van Gogh, Matisse, Céline, Breton e Chatwin! Logo, esta humilde colecção de folhas de papel coladas a uma lombada não é um caderno como outro qualquer.

Registou as impressões do momento de grandes artistas, recolheu as meditações de grandes pensadores, inspirou obras de génio.

Sem ele, quantos instantes de inspiração teriam sido olvidados para sempre, quantos sublimes vislumbres teriam abortado por falta de um instrumento que registasse a sua frágil ocorrência, quantas ideias em germe teriam desaparecido vítimas da cruel pressão dos acontecimentos?

Consciente desses temíveis riscos, Bruce Chatwin, que comprava estes cadernos antes das suas viagens na pequena papelaria da Rue de l’Ancienne Comédie, em Paris, escrevia em todos os eles o seu nome e endereço e oferecia uma recompensa monetária a quem os encontrasse no caso de se perderem.

Um dia, porém, a empresa de Tours que os fabricava encerrou, e Chatwin recebeu uma breve mensagem dizendo: «Le vrai moleskine n’est plus».

A força do Moleskine reside nesta efabulação de marca, na capacidade de transcender a sua aparência trivial por meio de um relato inspirador. O Moleskine apropriou-se, com uma história bem contada, do poderoso mito da criação.

Moleskine é uma promessa de experiência que nos eleva ao nível dos grandes autores cujas obras admiramos. Mas é também, inevitavelmente, uma responsabilidade. Não se nos pede que ascendamos ao nível de Hemingway, mas exige-se-nos que estejamos, pelo menos, ao nível das nossas ambições de criatividade e realização pessoal.

A Modo & Modo, empresa italiana que em 1998 tomou conta da marca, dá-nos um grande exemplo de como um produto banal pode ser diferenciado com alguma imaginação e cultura.

Na capa, uma sóbria badana vermelha recorda-nos em breves palavras a lenda do Moleskine enumerando alguns dos seus ilustres proprietários. A ideia de Chatwin foi apropriada: a entretela sugere o registo de um endereço para devolução em caso de extravio e a indicação da recompensa monetária oferecida. Um pequeno folheto conta a história do Moleskine original em quatro línguas: italiano, francês, inglês e alemão. Atenta às necessidades do mercado, a Modo & Modo disponibiliza uma variedade de moleskines para todos os usos: cadernos de apontamentos (simples, com linhas e com quadrícula), cadernos de esboços artísticos, álbum japonês, livro de endereços, diário de bolso, agenda, etc., tudo isto em vários formatos e encadernações.

Se um caderno de apontamentos pode ser diferenciado, o que é que não poderá sê-lo?

(Trabalho de casa: porque é que isto foi feito por uma empresa italiana, e não por uma empresa portuguesa? O que é que faltou aqui? Terá sido o papel? Terá sido a ajuda do ICEP? Será por os impostos serem demasiado altos? O que foi?)

18.12.04

O pós-presente

Prever o futuro é, como se sabe, uma actividade inevitavelmente condenada ao fracasso. A única coisa que podemos fazer de útil é observar o que já aconteceu e estar atento às consequências que daí poderão decorrer.

Eis alguns factos interessantes do mundo de hoje:

1. Pela primeira vez, ao cabo de uma interdição de 6 anos, a Comissão Europeia autorizou a plantação de 17 espécies de milho geneticamente modificado.

2. A captura de algumas espécies de peixe ultrapassou nalgumas zonas em 300% os níveis autorizados.

3. Descobriu-se que o cacau contém 2 vezes mais oxidantes do que um copo de vinho tinto e 3 vezes mais do que uma cávena de chá, pelo que passou a ser considerado um alimento saudável.

4. No sector automóvel, o excesso de capacidade a nível mundial situa-se entre os 25 e os 30%.

5. Os novos sistemas electrónicos a instalar nos automóveis permitirão a sua localização permanente. Má notícia para os ladrões.

6. Com os mercados dos países desenvolvidos a atingirem a maturidade, as grandes cadeias retalhistas mundiais põem-se agora a caminho do Terceiro Mundo.

7. Os sistemas RFID (identificação de produtos por frequência de rádio) estão a substituir rapidamente os códigos de barras. Primeiros utilizadores: Gillette, Gap, Procter & Gamble, Tesco, Wal-Mart.

8. Um dos principais focos do investimento militar norte-americano são as naves aéreas não tripuladas.

9. Outra prioridade militar norte-americana: bases militares flutuantes. (Não, não se trata de porta-aviões.)

10. A população mundial com acesso à internet ultrapassará um bilião de pessoas em 2005.

11. O crescimento do e-commerce na Europa deverá rondar em média os 33% ao ano até 2009.

12. Nos EUA, o e-commerce equivale já a 7% das vendas totais do retalho, estimando-se que essa percentagem subirá para 12% em 2005.

13. No Japão, os telemóveis podem já ser usados como instrumentos de pagamento em substituição dos cartões de crédito.

14. No sector alimentar, os maiores crescimentos e as maiores margens registam-se nos mercados de produtos saudáveis.

15. Outro segmento em crescimento: os alimentos éticos lançados com a finalidade de promover condições de trabalho humanas nos países do Terceiro Mundo de onde são originários. O Common Code for the Coffee Community foi assinado pela Nestlé, pela Kraft e pela Sara Lee.

16. O envelhecimento natural da população fará dos cuidados de saúde uma das indústrias de mais rápido crescimento nas próximas décadas, com grande impacto, designadamente, no turismo.

17. A Europa de Leste está a converter-se num grande centro produtor de medicamentos genéricos de baixíssimo custo.

18. A biotecnologia é já responsável por mais de um quarto dos novos medicamentos lançados no mercado.

19. A cirurgia robótica, aprovada pelo FDA nos EUA, dará os primeiros passos em 2005. Promete menos perdas de sangue, menos complicações pós-operatórias e recuperações mais rápidas.

20. Os mini-hard-drives de 2 giga e 0,85 polegadas começarão a ser incorporados em relógios de pulso, PDAs e auscultadores MP3.

21. O aumento da penetração da banda larga cria condições para uma rápida expansão da publicidade online.

22. Os écrãs FOLED (tecnologia Flexible Organic Emitting Diode) prometem substituir o papel em múltiplas aplicações, dado pemitirem descarregar jornais e revistas da internet e levá-los debaixo do braço para qualquer sítio.

23. Em 2005, a China será responsável por 1/3 do consumo mundial de ferro e aço.

24. Um terço dos habitantes do planeta possuirá um telemóvel em 2005, contra apenas um quarto que tem um telefone fixo.

25. As chamadas telefónicas através da internet são já hoje um concorrente sério às telecomunicações tradicionais.

26. Definitivamente, a video-telefonia não atrai os consumidores.

27. Dentro de poucos anos, a China utrapassará os EUA como a primeira fonte de origem de turistas.

28. Entrará em funções o novo Airbus A380, com capacidade para 555 passageiros.

29. Vai passar a ser possível usar o telemóvel a bordo dos aviões comerciais.

(Informações extraídas do número especial do Economist “The World in 2005”.)

No Natal, a qualidade da publicidade melhora imenso (3)


E entretanto, na Alemanha...

A Der Spiegel desta semana traz como reportagem de capa uma extensa matéria sobre um fenómeno que não nos podia ser mais familiar. Resumindo muito, o consumidor, ao longo da última recessão, ganhou o pernicioso hábito de ligar mais aos preços do que às marcas. Passada (?) a recessão, no entanto, o hábito não se perdeu. O resultado é o enorme crescimento de insígnias como o Lidl ou H&M. E o sintoma mais assustador é o que vemos, também nos nossos shoppings, nesta quadra que deveria ser de alívio para quem comercializa produtos "de marca": em pleno Natal, estão em saldos.

Tempos interessantes, estes, para a malta do marketing.


Receita para a incompetência

1. Don Schulz, professor na Northwestern University, acha que o prestígio do marketing junto das administrações de topo das empresas americanas se encontra no seu nível mais baixo.

2. Um estudo encomendado pela Association of National Advertisers concluíu, pelo contrário, que, para os CEOs, o marketing é mais importante do que nunca para as empresas, e que essa importância ainda vai aumentar mais.

3. Segundo o mesmo estudo, porém, a actual gestão de marketing não se encontra à altura dos novos desafios.

4. A mais importante razão de queixa em relação aos departamentos de marketing é a incapacidade de justificarem com resultados objectivamente mensuráveis os investimentos que propõem.

5. O tempo médio de permanência no seu posto dos Chief Marketing Officers nos EUA é actualmente de 23 meses.

(Uma pista: talvez este último facto ajude a explicar os outros quatro.)

No Natal, a qualidade da publicidade melhora imenso (2)


16.12.04

Quem ganha com as prendas de Natal

Segundo o professor Joe Waldfogel da Universidade de Wharton, as compras feitas pelos consumidores para si mesmos geram um nível de satisfação entre 10 a 18% superior por dólar gasto ao dos objetos que lhes são oferecidos de presente. Quer isso dizer que as opções de compra feitas por terceiros tendem a gerar menos satisfação do que as nossas opções pessoais.

Aparentemente, existiria um ganho económico para todos se apenas oferecessemos uns aos outros cheques de compra – uma perspectiva bastante sinistra, em minha opinião.

Todavia, o professor Waldfogel (parece um nome de cientista de banda desenhada) reconhece que, «se acabássemos com a prática de dar presentes, incentivando as pessoas a dar dinheiro no lugar de objetos, o ganhador, de certa forma, seria beneficiado com essa troca, mas a experiência não seria tão boa para o doador.»

O facto é que oferecer algo a alguém contém um simbolismo que a mera transacção económica não capta. Perder tempo a escolher algo significa que nos preocupamos o suficiente com essa pessoa para nos esforçarmos por entender o que lhe vai na alma. Mas é evidente que, quando falhamos redondamente desse desiderato, o efeito pode ser o oposto do pretendido.

Mesmo assim, digo eu, ignorem o conselho do professor Waldfogel e dêem presentes em vez de dinheiro.

15.12.04

No Natal, a qualidade da publicidade melhora imenso


5.12.04

Comprem este livro porque...



1. 90% dos gestores de produto desconhecem 90% das verdades contidas neste livro.

2. A qualidade da comunicação de marketing produzida em Portugal melhoraria drasticamente se os que trabalham nesta área entendessem o que aqui se diz.

3. O livro é particularmente forte no que toca ao tema do posicionamento que, como se sabe, é o fulcro da estratégia de marketing.

4. O livro está muito bem escrito.

5. O autor revela um nível cultural muito superior àquele que, infelizmente, é corrente nesta maldita profissão.

6. É o primeiro bom livro sobre o assunto editado em Portugal.

7. Se querem que sejam editados mais no futuro, têm que provar ao editor que há público para eles. Já que todos os anos oferecemos no Natal livros que não vão ser lidos, o melhor é oferecer este.