28.1.04

É proibido fumar

Uma das peças de comunicação que mais me chamaram a atenção recentemente é um anúncio, publicado na imprensa brasileira, que alerta para as confusões a que se pode ser induzido pela publicidade do tabaco. "Não suponha que os cigarros com menos alcatrão são mais seguros para você", diz o título. Segue-se um texto, rigorosamente informativo, que desfaz um por um os equívocos laboriosamente cultivados pela indústria do tabaco ao longo de vários anos, através de milhões investidos na publicidade aos cigarros "light" ou de "baixos teores". Por fim, o anúncio remete para um site onde, entre outras coisas, se pode aprender como parar de fumar.

O dono do site é a mesma entidade que assina o anúncio – e dá pelo nome de Philip Morris.

A estratégia, igual em todo o mundo, é simples e irrefutável. Se não os pode vencer, junte-se a eles. Atacado por todos os lados, retratado a partir dos Estados Unidos como um monumento à má fé, o gigante do tabaco metamorfoseia-se num campeão da responsabilidade cívica – e, assim, desarma os seus inimigos. Se um dos principais argumentos dos anti-tabagistas sempre foi a alegação de que as marcas de cigarros sonegavam informação aos consumidores, agora já não o têm. Impossível ser mais transparente do que um anúncio que diz, com todas as letras: "Se estiver preocupado com os efeitos do consumo de cigarros sobre a sua saúde, você deve parar de fumar". A responsabilidade é assim totalmente devolvida ao consumidor – o que, desde que estejamos a falar de pessoas adultas, faz todo o sentido,.

E para não haver dúvidas de que é de adultos que se trata, a PM promove em vários países (Portugal incluído) uma campanha anti-tabaco dirigida aos adolescentes. Tudo para continuar a vender em paz os seus milhões de maços por dia.

Entretanto, ainda em Portugal, a PM compensa a proibição à publicidade das suas marcas assinando, enquanto Tabaqueira, um spot televisivo a promover a rede de teatros do Ministério da Cultura. Definitivamente, não são lineares os caminhos do marketing.

26.1.04

Esclarecimento ao público

Nós também não sabemos o que aconteceu às nossas caixas de comentários. Mas já contratámos um informático indo-americano que promete que em poucos dias o problema estará resolvido.

Os tazos comem criancinhas?

Alguns jornalistas têm uma concepção muito particular da liberdade de expressão. São rapidíssimos a reagir a qualquer sugestão de cerceamento da liberdade jornalística (no que geralmente fazem bem). Ao mesmo tempo, não têm a menor cerimónia em sugerir proibições quando se trata da comunicação publicitária.

Desta vez é Graça Barbosa Ribeiro, articulista do Público, que quer ver proibidos os brindes naqueles produtos que "contribuem para a obesidade infantil" – os Bollycaos, os Matutanos da vida.

O seu raciocínio é difícil de acompanhar. Começa por reconhecer que muitas vezes as crianças compram o produto não porque o queiram comer, mas exclusivamente por causa do brinde. Nesse caso, qual é o mal? Contanto que não comam o brinde – o que, aí sim, seria um sério caso de saúde pública – o maior dano que pode haver é ao bolso dos pais. Mas esses são maiores e vacinados, portanto não se pode acusar a publicidade de os levar a fazer o que não querem.

É um mito persistente, esse dos superpoderes do marketing. Agora até já engorda as criancinhas. Nessa compulsão paternalista de proibir a comunicação de mercadorias perfeitamente legais há sempre um ponto que me escapa. Se estamos a falar de produtos que fazem mal ao consumidor, então tenha-se a coragem de defender a sua proibição pura e simples. Se o Bollycao é tão mau para as crianças como o tabaco, proíba-se a venda a menores de 18 anos – ou a maiores de 90 quilos, tanto dá. Mas querer manter o produto legal e proibir a sua promoção é hipocrisia. Uma no cravo, outra na ferradura – exactamente como no caso do tabaco, mantido legal pelos impostos que arrecada, cerceado no seu marketing em nome do politicamente correcto.

Como sempre, atacar a publicidade e o marketing é ir ao sintoma, ignorando a doença. As crianças (e os adultos) preferem açúcares, sal e gorduras por um atavismo da espécie difícil de contrariar. Para o fazer, é preciso uma educação alimentar que os pais não têm. Ou, quando o têm, é preciso que não sejam permissivos e tenham a pachorra (e o amor) suficiente para contrariar os pimpolhos. Tudo coisas difíceis de resolver – mas duvido que proibir os tazos e similares fosse mudar muito a situação.

No fim do artigo, no entanto, a jornalista avança com uma sugestão de marqueteira. Porque é que o governo não subsidia os brindes em produtos que façam bem à saúde (como a pescada ou as cenouras)? A sugestão é para ser sarcástica, mas eu não vejo porquê. Aliás, não é preciso subsídio nenhum. Às mesmas diabólicas multinacionais que vendem gelados e batatas fritas com brindes também acontece venderem pescada e legumes. Também promovem esses produtos com publicidade, com sorteios e até com brindes. E, se o fazem, é porque deve funcionar.

Bom ou mau, o poder o marketing não se combate com proibições. Combate-se com marketing.

23.1.04

Promoções -- a gata borralheira do marketing



Creio ter sido Ted Levitt quem escreveu que a importância que os manuais de gestão atribuem a um dado tema varia na razão inversa da sua relevância prática. É assim que, por exemplo, nenhum deles menciona sequer os almoços de negócios, apesar de ninguém ignorar a sua importância.

Passa-se algo semelhante com as promoções: com razão ou sem ela, os departamentos de marketing gastam seguramente 80% do seu tempo a organizar e a gerir promoções; apesar disso, trata-se de um dos campos mais descurados no plano teórico.

Ao que vejo, os professores de marketing não gostam de ensinar esta matéria por a acharem pobre ou indigna e, como tal, somos condenados a sobreviver à base de palpites. Nas discussões entre anunciantes e agências ouvem-se as opiniões mais inteligentes, díspares e infundadas que é possível imaginar, ficando-se às vezes com a ideia de que, apesar de todos se esforçarem por dar o seu melhor, o resultado final será uma completa incógnita.

Por outro lado, a minha experiência revelou-me um facto surpreendente: a esmagadora maioria das promoções mobilizam muito pouco consumidores, de modo que um sujeito que concorra por sistema a sorteios tem uma probabilidade muito razoável de ganhar de vez um quando um excelente prémio.

É claro que não serei eu a resolver este problema de uma vez por todas. Primeiro, porque não sei o suficiente para isso. Segundo, porque, se soubesse, não iria contar tudo com essa facilidade.

De todo o modo, aqui ficam algumas ideias.

A primeira coisa importante é perceber-se o que é uma promoção. Há promoções de muitos géneros e feitios, mas o que as caracteriza a todas, acho eu, é que consistem sempre numa alteração temporária do marketing-mix normal da marca. Oferece-se mais ou melhor produto, propõe-se um preço de algum modo mais apelativo, usa-se a distribuição de uma forma original ou mais intensiva, promove-se a marca de algum modo inusual. Mas só se faz isso por algum tempo, porque de, outra forma, a marca iria à ruina.

Quase sempre, as promoções procuram desencadear alterações de comportamentos sem que seja necessário primeiro mudar a forma como os consumidores encaram a marca. Talvez, quem sabe?, seja possível que as atitudes se alterem depois, e não antes, dessa mudança de comportamento oportunisticamente estimulada.

Ora, pensando bem, em marketing só há dois tipos de comportamentos de compra. Das duas uma: ou queremos que as pessoas comprem a nossa marca pela primeira vez; ou queremos que voltem a comprá-la. Estas duas situações admitem uma infinidade de variantes, mas não há uma terceira situação. Esta constatação, acho eu, ajuda muito a decidir o que verdadeiramente queremos conseguir com uma determinada promoção.

A minha última observação prende-se com algo que disse atrás, ou seja, com o facto de a maioria das promoções ficarem às moscas. É curioso notar que, não raramente, apesar de pouca gente participar nas promoções, as marcas conseguem aumentar significativamente as suas vendas. Porquê? Porque, para divulgar as promoções, as marcas precisam de fazer alguma forma de publicidade, e esta funciona de forma mais previsível (pelo menos, é o que eu acho) do que as promoções. Logo, se calhar, essas marcas deveriam ter concentrado os seus esforços em fazer boa publicidade, e ter esquecido a promoção.

O problema verdadeiramente grave ocorre quando ninguém dá pela promoção -- e isso hoje é muito frequente. Há dias assisti a uma apresentação que descrevia as promoções realizadas no mercado bancário no ano de 2003. Tanto eu como os restantes membros da audiência ficámos surpreendidos: nenhum de nós tinha sequer reparado na esmagadora maioria das ofertas promocionais que os bancos tanto se esforçaram por nos dar a conhecer, dispendendo sem dúvida avultados recursos financeiros nesse exercício.

A grande conclusão a tirar é que, hoje, as ofertas promocionais anulam-se umas às outras. Por isso, quem quiser ter sucesso nesta área tem que estar preparado para fazer muito melhor do que os seus concorrentes. E, aqui, só vejo duas hipóteses: ou se gasta muito mais do que eles, o que não parece muito viável; ou se concebem acções que despertam a fantasia dos consumidores e apelam ao seu sentido lúdico.

22.1.04

Pedido de ajuda

Recebi uma carta da PT Comunicações que diz o seguinte:

Estimado Cliente,

Vimos por este meio, informar que para efeitos de Portabilidade do número da PT Comunicações, deverá V. Exª dirigir-se ao outro operador a fim de pedir esse serviço.

Mais informamos que o pedido de retirada da linha de rede, para efeitos de portabilidade, manter-se-à activo na PT Comunicações, enquanto não for enviada para o outro operador a informação de quais os números de linha de rede que pretende portar. Como possui um acesso básico com dois MSN'S terá de informar o outro operador se pretende portar os mesmos.

Para qualquer informação adicional, agradecemos o contacto para o nosso Serviço de Apoio ao Cliente "16200" (dias úteis das 9 às 20 horas).

Com os melhores cumprimentos,

Serviço de Apoio ao Cliente

Se alguém conseguir explicar-me o que isto quer dizer, eu fico muito agradecido. Acrescento que eu não pedi nada à PT que me pareça relacionar-se com o teor desta carta.

21.1.04

A guerra das audiências



Ouvi dizer que fotografias de garotas aumentam as audiências dos blogues. Vamos lá ver se é verdade.

Competitividade

Há uma dúzia anos, quando o conheci, era um jovem e brilhante investigador que projectava criar uma empresa de base biotecnológica a partir de algumas descobertas que fizera.

Encontro-o casualmente ao virar de uma esquina. Está feliz e próspero. Desistiu dos seus planos, comprou uma farmácia e leva uma vida sem chatices.

Esta é uma fábula do país em que vivemos extraída da vida real, e estou certo que escuso de explicitar a moral da história.

14.1.04

É grave, doutor?



O director de marketing vai ao médico.

- Doutor, já pensei sobre aquela cirurgia que me recomendou. Tem mesmo que ser, não é?
- Tem. Podemos marcar o hospital?
- Sim. Mas primeiro temos que acertar alguns detalhes.
- Diga, diga.
- Disse-me que a operação leva 6 horas, não é verdade? Não pode ser.
- Desculpe?
- Tem que ser mais rápido. No máximo 3 horas. Tenho muita urgência de ver isso resolvido. E, já agora, aqueles custos que me deu, nem pensar. Tem que ficar pela metade.
- Mas como é que eu vou fazer isso? Não é só o meu trabalho, há o hospital, os enfermeiros, o anestesista…
- Não se preocupe com essa parte. O senhor só tem que dizer onde é para cortar, o resto eu trato directamente com uma Central de Operações. Sai muito mais em conta, e além disso eu tenho a certeza de que ninguém me engana enquanto estou anestesiado.
- Mas assim eu não garanto o resultado.
- Tem que garantir, ou perde o paciente. Não se esqueça que isto é um concurso. Ah! E há só mais uma alteraçãozinha.
- …?
- Disse-me que a operação era à vesícula, não é? Já não vai mais ser.
- Então?!
Estive a conversar com a minha mulher. Ela acha muito mais chique se eu fizer uma plástica.

11.1.04

Já vi este filme

Nada como uma longa viagem de avião para a gente ver uns filmes que nunca iria ver de outra forma. Foi assim que assisti, do início ao fim, The Fighting Temptations: uma sequência ininterrupta de bobagens em que só o que vale é a banda sonora, para quem gosta do género. Uma das bobagens, mas essa interessante de registar, é a caricatura que o filme faz da publicidade e dos seus praticantes. Nada de novo: apenas o velho estereótipo que faz de Madison Avenue o laboratório onde alguns brilhantes aprendizes de feiticeiros, regiamente pagos e muito amigos de charutos e "corner offices", se dedicam alegremente à arte de ludibriar o público. O filme todo, aliás, está construído sobre a oposição entre esse mundo artificial e falso – sujeito às perversas manipulações dos publicitários – e o mundo das pessoas "autênticas", que moram no sul, cantam gospel e são fiéis aos seus sentimentos. Uma tolice? Claro, mas sintomática. Lá por ser caricaturada com traços tão primários, não deixa de ser a visão mais corrente sobre esta nossa actividade. Uma visão tão enraizada e persistente que não adianta argumentar com ela. O que é preciso é nunca deixar de a ter em conta.

9.1.04

O verdadeiro milagre da rua 34




Eu julgava que a Federal Express tinha inventado a ideia de patrocinar um filme inteiro (O Náufrago com o Tom Hanks, lembram-se?) no intuituo de se promover.

Mas soube agora que, já em 1947, os armazéns Macy’s de Nova Iorque haviam recorrido à mesma técnica para se promoverem através do filme Miracle on 34th street--com uma particularidade altamente relevante que adiante referirei.

Revoltado pela comercialização do espírito da quadra natalícia, o Pai Natal em pessoa arranja emprego no Macy’s com a intenção de alterar esse estado de coisas. O seu princípio orientador é que o importante é fazer as crianças felizes. Por isso, quando uma mãe não consegue arranjar no armazém o brinquedo que procura para o seu filho, o incógnito Pai Natal explica-lhe que poderá comprá-lo ao virar da esquina num concorrente do Macy’s.

Este e outros episódios semelhantes despertam a ira dos seus supervisores, e particularmente do psicólogo da empresa, que pretende despedi-lo alegando insanidade mensal. Todavia, R. H. Macy, o patrão da empresa, põe-se ao seu lado ao constatar que os clientes apreciam esta estratégia de serviço genuinamente desinteressado, e exorta todos os restantes trabalhadores a seguirem o seu exemplo.

Moral da história: o altruismo bem entendido produz melhores resultados comerciais do que o egoismo tacanho. Nas palavras do sr. Macy: «Quando uma loja coloca o serviço público à frente do lucro consegue ter mais lucro do que antes.»

Para além da óbvia eficácia promocional do filme (Miracle on 34th Street é um dos mais amados filmes de Natal de sempre), o mais notável é que o conceito de marketing é aqui expresso com toda a clareza meia dúzia de anos antes de ter sido formulado por Peter Drucker e Ted Levitt.

Quem diria que, afinal, o marketing moderno nasceu num estúdio de cinema e não numa academia universitária?

7.1.04

Maus sonhos

Uma dia destes adormeci cliente do BCP e acordei cliente do Millennium. Será que gostei?

5.1.04

Desconfiem

Não se deixem iludir pelos manuais de marketing: nos mercados passam-se muitas coisas que ninguém entende.

Não façam prisioneiros

Comprei por curiosidade uma nova publicação de economia e gestão e pus-me a ler o editorial.

Constatei que, na opinião do articulista, o aço é uma matéria-prima e o atum Ramirez um «emblema do sector primário». Saberá ele o que é o aço, como se fabrica e a que partir de que matérias-primas? E julgará que as sardinhas são pescadas já enlatadas, única justificação para classificar no sector primário uma actividade industrial?

Leio mais um bocadinho e apercebo-me também de que, para ele, «mítico» e «místico» querem dizer a mesma coisa. Cada cavadela, cada asneira.

Como é possível que quem não domina sequer a língua portuguesa se permita opinar sobre assuntos de elevada complexidade? Se esta situação fosse excepcional, ainda vá: a gente deixava de comprar a publicação prevaricadora, e estava o caso resolvido.

O problema é que a ignorância não só é endémica como não pára de crescer. Como diria o outros, temos de preparar-nos para combatê-la nas nossas praias, nas nossas ruas, nas nossas casas.