27.7.04

Três leituras

Em "Under the Radar", Bond e Kirshenbaum vêem o marketing como uma arte marcial, sendo o consumidor o adversário. Um adversário que, por causa da saturação publicitária, sabe defender-se cada vez melhor. A tarefa das marcas é encontrar sempre novas formas de o atingir, procurando o seu ponto fraco, a área do cérebro ainda não coberta pelo radar anti-publicitário que todos nós trazemos embutido.

Do outro lado do tatami, Naomi Klein, no extraordinário "No Logo", vê de forma extremamente crítica o efeito dessa permanente fuga para a frente do marketing e da publicidade: marcas cada vez mais omnipresentes, invadindo sem cerimónia cada milímetro do espaço físico e mental, e dessa forma privatizando o imaginário individual, a cultura, o espaço público, a própria liberdade de expressão.

Entre a visão de activista da jornalista canadiana e a astúcia sem estados de alma dos dois (entre tantos outros) publicitários, existirá algum entendimento possível? É o tipo de questão que poucos publicitários se põem, e ainda menos em Portugal. Discussões deontológicas entre os profissionais da nossa área só costumam ter lugar quando é preciso contornar algum artigo da legislação. Está na ordem natural das coisas, aliás, ocuparmo-nos mais das formas de vencer o cepticismo dos consumidores do que das razões profundas desse cepticismo. Limites éticos? Deve haver alguém para pensar nisso, mas por que haveria de ser eu?

Pelo menos um publicitário existiu, no entanto, que não apenas não fugiu a essas questões como lhes dedicou algumas das páginas mais inspiradas e inspiradoras já escritas sobre esta profissão. Já o citei há uns tempos: chamava-se Howard Luck Gossage e, embora tenha morrido um ano antes de Naomi Klein nascer, algumas das manifestações da voracidade do marketing denunciadas pela jornalista já tinham sido, com uma clarividência impressionante, antecipadas por ele (v. "Is There Any Hope for Advertising?" in "The Book of Gossage") .

Gossage não era um publicitário como os outros. Redactor brilhante, estratega genial, que praticava a comunicação integrada e o guerrilla marketing muito antes de esses nomes terem sido inventados, as suas campanhas seguiam uma lógica totalmente diferente das de Madison Avenue. Numa época em que o massacre mediático e a repetição implacável ainda eram a fórmula incontestada das grandes agências e anunciantes, criava publicidade de alta precisão, destinada a atingir rapidamente o seu efeito e assim tornar-se, quanto antes, desnecessária.

Mas o seu traço mais sui generis era provavelmente a convicção de que um dia esta poderia ser uma actividade para pessoas crescidas – pessoas capazes de compreender e responsabilizar-se pelo efeito do que fazem não apenas na curva de vendas, mas também no aspecto das cidades, na paisagem cultural, na liberdade de expressão.

Gossage, que praticava a arte marcial da publicidade melhor do que ninguém, tinha a inteligência (ou a ingenuidade) de querer que esta fosse uma luta leal. "No Logo" demonstra, com argumentos penosamente convincentes, que o seu ponto de vista não prevaleceu. Será que ainda vamos a tempo?

19.7.04

Palavras sábias de Seth Godin

Just had brunch with my new friend Bob. He's in the TV business.

Twenty years ago, everyone in the TV business believed in the three channel universe. Cable was a myth.
 
That's why the big networks did such a bad job of starting cable networks. They couldn't believe that it was even remotely likely to succeed.

Of course, the first 20 channels did succeed. In a very, very big way. Billions of dollars worth of success.
It took about a decade, but the tv business recalibrated. They now believe that we have reached the natural number of networks and that's it.

What happens, I asked, when Tivo has Java and TCP/IP and there's a million channels?

The people in the TV business can't imagine this. They can't imagine a world where there might be 20 A&E networks, or where there might be a channel just for shows on how to build a model airplane.

XM radio and the Net just increased the number of radio stations by a factor of 100.

And today the NY Times reports that 175,000 books are published every year. And rising.

And we just hit 3,000,000 blogs, up from 100 five years ago.

The number of channels for just about anything keeps going up. The number of GOOD channels, where good means a built in high traffic audience that is non-discerning, keeps going down. The number of good newspaper PR outlets is down to a handful. The number of retailers with shelf space that really matters is tiny. Yes, you can get your thing out there. No, you can't expect that distribution (or carriage, as they say in TV) is going to make you successful.

In other words, owning a printing press is not such a big deal. Knowing the buyer at Bed Beth & Beyond isn't much better.
 

13.7.04

Mobile marketing sem stress

Quando um padre norueguês começa a aceitar confissões por SMS apercebemo-nos subitamente do potencial desta tecnologia para mudar as nossas vidas.

Os clientes sempre estiveram em movimento, mas os pontos de contacto com ele eram fixos, quer se tratasse do ponto de venda, do aparelho de televisão ou do outdoor. Móveis, mesmo, só os vendedores, mas nem eles acompanham o cliente para toda a parte.

Agora, em resultado da presença quase universal dos telemóveis e da crescente difusão dos computadores de bolso, as pessoas estão, se o quiserem, contactáveis em toda a parte e em todo o momento. O mobile-marketing é o equivalente da marcação homem a homem – sem esquecer que, em cada dois homens, um é mulher – o que sugere imediatamente como esta abordagem pode ser odiosa se não for usada com moderação.

Como incorporar eficazmente o mobile-marketing entre as ferramentas de comunicação sem provocar a hostilidade do público alvo? A resposta passa pela compreensão de que a comunicação é – e sempre foi - um serviço que as marcas prestam aos consumidores. Em que circunstâncias é possível aumentar a satisfação do consumidor comunicando com ele em determinados momentos? Se não estamos certos de que ele aprecie essa possibilidade, porque não perguntar-lhe ou dar-lhe a opção de ser ou não contactado?

Não é boa ideia usar o SMS como se se tratasse de um mass medium. A força dos meios digitais está no seu potencial de personalização e de interacção. Por isso, funcionam muito melhor no quadro de uma estratégia de marketing relacional.

7.7.04

Formigas e consumidores

Em meados dos anos 80, alguns cientistas conduziram interessantes experiências com insectos.

Duas fontes de alimentação idênticas foram colocadas a igual distância de uma colónia de formigas mas em direcções opostas. Como é que as formigas consumidoras escolheriam entre as duas fontes de alimentação, dado que tanto a qualidade do alimento como o seu preço (neste caso, o esforço dispendido para chegar à fonte) eram absolutamente indistinguíveis?

Em princípio, poder-se-ia esperar, dada a ausência de diferenciação competitiva, que as formiguinhas se dividissem numa proporção 50:50 pelas duas fontes, numa espécie de processo aleatório equivalente ao lançamento de uma moeda ao ar um número potencialmente infinito de vezes.

Esse raciocínio parece normal para um economista e também para alguns gestores de marketing de inclinação mais racional. Os biólogos, porém, tendiam a pressupor um padrão de comportamento diferente. Quando uma formiga encontra alimento satisfatório num dado local, tende não só a voltar lá como a recomendar a sua descoberta às suas amigas. Assim, tenderia a gerar-se um fluxo constante de formigas na direcção da primeira fonte descoberta enquanto ela não se esgotasse.

Em termos económicos, isso quer dizer que o comportamento de cada formiga tende a ser influenciado pelo das outras formigas, um fenómeno que a teoria económica tradicional ignora, embora tenha sido identificado há um século por Thornstein Veblen e seja conhecido desde então como o «bandwagon effect» (em tradução livre: o efeito carneirada).

Em linguagem técnica, também se chama a isto em teoria dos sistemas um feedback positivo: o facto de a fonte de alimento gerar satisfação atrai continuamente mais formigas, criando um fortíssimo hábito muito difícil de romper desde que não ocorra qualquer ruptura de abastecimento.

Ora bem, admitindo que as primeiras formigas que saem da colónia escolhem aleatoriamente a direcção a tomar, a proporção delas que encontra cada uma das fontes varia também aleatoriamente. Essa proporção pode ser de 50:50, mas factores quase insignificantes, tais como pequenos acidentes de terreno, podem fazê-la desviar-se dessa norma, de modo que ela poderá ser, por exemplo, do tipo 65:35.

Combinando estes dois factores determinantes do comportamento – primeira escolha aleatória e feedback positivo a partir daí – os biólogos prediziam que as formigas tenderiam a fixar-se no longo prazo no equilíbrio inicial, fosse ele qual fosse: 50:50, 65:35 ou 89:11, por exemplo.

Transportando esta ideia para o marketing, presume-se que o equilíbrio final de um mercado depende essencialmente do que se passa na fase inicial do seu desenvolvimento. Uma marca pioneira beneficia de uma grande vantagem, dado que, a menos que alguma outra marca fortemente diferenciada apareça (e todos sabemos como isso é raro), os consumidores fixar-se-ão na primeira experiência positiva que tiverem.

O primeiro a entrar num mercado tende, portanto, a dominá-lo.

Na verdade, o comportamento observado das formigas é muito distinto do previsto quer por economistas quer por biólogos. Mesmo depois de ter decorrido um tempo considerável, a proporção de formigas que visitava cada fonte continuava a flutuar intensamente de forma aleatória e, às vezes, surpreendentemente rápida. O conflito entre a teoria aceite e a experiência levou a que ela fosse repetida em diversas circunstâncias e lugares, mas os resultados permaneceram idênticos.

Antes de prosseguirmos, convém notar que, para surpresa de muita gente, o padrão de comportamento observado nas formigas é, como se pode depreender do estudo dos painéis de consumidores, basicamente igual ao dos seres humanos. Investigadores como Andrew Ehrenberg chamaram há muito tempo a atenção para o carácter aleatório da chamada «escolha» da marca comprada no interior do reportório previamente seleccionado.

Logo, as experiências com os simpáticos insectos são da maior importância para o estudo do comportamento dos consumidores, tanto numa perspectiva teórica como aplicada.

O economista Alan Kirman, pioneiro no estudo de sistemas em que os agentes envolvidos (consumidores ou produtores, por exemplo) interagem uns com os outros – um pressuposto diferente da teoria económica clássica, na qual cada agente toma as suas decisões independentemente dos restantes - construiu e testou um modelo alternativo para ver se ele permitiria replicar melhor o comportamento observado das formigas.

Os princípios desse modelo são simples. Ao sair da colónia, uma formiga pode adoptar uma de três vias: pode regressar à fonte que visitou da última vez; pode ser persuadida por outra formiga a dirigir-se à outra fonte; ou pode, por seu capricho espontâneo, dirigir-se à outra fonte. Repare-se como este modelo pode perfeitamente ser transposto para o mundo dos seres humanos, sem ser necessário entrar numa discussão sobre o significado de expressões como «persuadir» ou «capricho».

Por conseguinte, há neste modelo três parâmetros importantes: a força do hábito, o desejo de variedade e a vulnerabilidade às sugestões dos outros consumidores. Em conjunto, eles determinam a propensão para mudar de marca. A intensidade e a rapidez das flutuações observadas nas quotas de mercado das marcas concorrentes dependem dessa propensão.

O que se constata é que as oscilações das partes de mercado são imprevisíveis no curto prazo. Durante a maior parte do tempo elas são de fraca amplitude, mas, de vez em quando, movem-se bruscamente, sem que tenha ocorrido qualquer causa explicativa especial, como seja uma reformulação do produto, a abertura de novos canais de distribuição ou uma nova campanha de publicidade.

Este facto sugere que se corre frequentemente o risco de reagir exageradamente a acontecimentos desfavoráveis cuja causa é puramente aleatória, ou de atribuir ganhos extraordinários de vendas a uma acção promocional que, por mero acaso, coincidiu com eles.

No longo prazo, porém, verifica-se que as quotas oscilam em torno de quotas de mercado bastante estáveis. Por outras palavras, o aparente caos de curto prazo esconde uma estabilidade essencial do sistema.

Uma consequência contra-intuitiva do modelo é que, ao contrário do que pareceria natural, as quotas de mercado oscilam menos quando a propensão para a mudança dos consumidores é mais alta, e vice-versa. A razão é que, quando os consumidores trocam frequentemente de marca, é muito provável que haja um elevado número deles a mudar num sentido e outro no sentido contrário, Inversamente, quando as mudanças são raras, uma vez que a quota de mercado se altera significativamente, pode mudar muito tempo até que o movimento seja invertido.

A terminar, vejamos então que conclusões relevantes poderão ser tiradas para o marketing em condições de baixa diferenciação competitiva:

1. É crucial entrar cedo num mercado para estabelecer uma posição de liderança.

2. Após a fase inicial, as quotas de mercado podem oscilar muito no curto prazo, mas as posições iniciais tendem a funcionar como um equilíbrio de longo prazo.

3. A maioria das flutuações de curto prazo que ocorrem no mercado deve-se ao acaso.

4. É um erro procurar reagir com medidas correctoras às pequenas variações de quotas de mercado que ocorrem continuamente.

5. Os três factores definidores do padrão geral de comportamento são o hábito, o desejo de variedade e a influência dos outros consumidores.

6. O hábito e o desejo de variedade são intrínsecos à categoria de produto. Apesar disso, a gestão de marketing pode e deve esforçar-se por utilizá-los a seu favor.

7. Do ponto de vista da gestão de marketing, a mais importante variável de controlo é a influência dos outros consumidores.

8. Os consumidores não tomam decisões durante a maior parte do tempo: não inventariam alternativas, não recolhem informação sobre elas, não ponderam os prós e os contras, nem fazem cálculos de utilidade. Essa é a razão pela qual o seu comportamento é idêntico ao das formigas.

6.7.04

FELIZ DIA DO VINHO

Daqui a uns dias, pelos vistos, comemoramos (?) o Dia do Vinho. Vai daí, alguém teve a ideia de gravar um spot de rádio memorável, em que se declama, incrivelmente mal, um erudito poema de louvor à bebida. É daquelas coisas tão ruins, mas tão ruins, que chegam a ser interessantes. Fazem-nos pensar. Eu, por exemplo, estou até agora pensando o que levaria alguém a gastar dinheiro com a veiculação de semelhante obra-prima. Será que imaginam que o poema vai aumentar o consumo do vinho? Melhorar a imagem da bebida? Sensibilizar para a importância capital do Dia do Vinho?

Como a peça não é assinada por ninguém, desconfio que quem aprovou o spot não se teve que chatear com esses detalhes. Provavelmente o dinheiro que se "investiu" ali é público – ou seja, meu e seu. Definir resultados? Para quê?

* Já agora, sempre ouvi dizer que não se podia fazer publicidade a bebidas alcoólicas durante o dia. Mas neste caso não deve haver problema: não é um anúncio à bebida, é uma campanha cívica de comemoração do Dia do Vinho. Está tudo explicado.

5.7.04

Poetas e assassinos

É de Rosser Reeves, creio, a famosa distinção entre matadores e poetas. Distinção muito útil no seu tempo, e certamente ainda hoje, para separar os criativos a sério dos que andam nesta actividade à falta de talento para mais.

Poeta, aqui, quer dizer diletante. Para Rosser Reeves, todos os que acreditavam no "soft-sell", na "imagem", na "criatividade" e noutras mariquices, por oposição ao martelar puro e duro da USP mais básica que se pudesse arranjar.

Em Portugal, há relativamente poucos anos, "poeta" era sinónimo de poeta mesmo. Tendo ouvido dizer que nesta profissão podiam ganhar a vida a escrever, muitos literatos, mais ou menos frustrados, vieram para agências. E como ninguém lhes dizia como fazer bons anúncios, entretinham-se a fazer maus poemas.

É claro que hoje isso mudou. Mas para o típico anunciante as agências e os seus criativos continuam a corresponder ao velho estigma: são poetas, artistas, gente sem senso prático e sem tino para os negócios, preocupados apenas em fazer anúncios bonitos – como se isso tivesse qualquer importância.

Vistos desta forma, parece natural que as agências e os seus criativos inspirem tanta desconfiança aos anunciantes. O negócio deles é vender, não patrocinar artistas. E no entanto…

No entanto a única serventia dos criativos publicitários é serem e se comportarem como artistas. Não apenas no sentido óbvio, de dominarem o seu instrumento para criar efeitos intencionais e não sujeitos a uma regra precisa, de aplicação mecânica, mas dependentes de largas doses dessa coisa indefinível chamada talento. Mas num sentido ainda mais radical.

Se, para um artista que se preze, cada vírgula do seu texto, cada notinha da sua partitura é tão importante, é porque têm um sentido de responsabilidade pessoal pelo seu trabalho que poucos publicitários mostram. Embora os seus meios sejam muitas vezes mais escassos, os seus patrocinadores quase sempre mais avaros, a ambição do artista é muito maior.

Qualquer artista a sério pretende, no mínimo, mudar o mundo. Aliás, mudar, não: suprimi-lo, para o trocar por outro, de sua própria invenção. É por isso que, para um artista que se preze, um detalhe de forma aparentemente insignificante pode ser uma questão de vida ou de morte.

Artistas que se prezam não são "poetas"; são matadores. Quando o que está em jogo é tão importante, vai-se até onde for preciso.

Acontece que os publicitários a sério, os Bernbach, os Gossage da vida, também estão nesta actividade para mudar o mundo. Sabem que podem fazê-lo, e fazem-no. Por isso o seu sentido de responsabilidade pelo que criam, a sua integridade, como há uns tempos é moda dizer, também é tão grande.

Os anunciantes não deveriam ter medo desses grandes poetas. Uma marca como veículo da recriação do universo, já pensaram? Mas não é nenhuma quimera: chamem-na Nike, chamem-na Apple, chamem-na Volkswagen, o facto é que elas andam aí.