Há futuro para as agências? Durante a última década, assisti a muitas discussões, e participei nalgumas, sobre o modo como as agências de publicidade se deveriam transformar para melhor corresponderem às novas condições dos mercados.
Muita ideias surgiram, algumas delas bastante originais, mas temos que reconhecer que, na prática, o modelo que prevaleceu foi aquele que define a criatividade como o core business das agências.
Numa perspectiva estritamente pessoal, não vejo inconveniente nenhum nisso. Acontece, porém, que esse modelo não é o mais indicado para assegurar a boa saúde económica das agências.
A razão é esta: a qualidade do trabalho criativo de uma agência depende esmagadoramente da qualidade dos criativos que ela emprega. É verdade que certas agências conseguem fomentar um ambiente mais favorável ao trabalho criativo, mas esse factor não tem um peso decisivo. Assim sendo, com todas as agências a disputarem entre si o recurso escasso que é o génio criativo, o resultado inevitável é a inflação dos salários ao mesmo tempo que se contraem as margens da actividade.
Diz-se que, nas agências de publicidade, os activos da empresa vão todos os dias dormir a casa. Infelizmente para as agências, neste sistema, eles também levam os lucros para casa; e está certo que assim seja, porque as agências elas mesmas pouco valor acrescentado criam.
Nos tempos áureos da publicidade, as agências detinham um know-how específico que não se aprendia nem se ensinava em mais parte nenhuma: o marketing. É verdade: até há uns 30 anos, nos EUA, e até mais recentemente, na Europa, só nas agências se sabia qualquer coisa sobre isso. Para se perceber como as agências inventaram o marketing moderno, basta ler o Scientific Advertising do Claude Hopkins, publicado nos anos 20 do século passado.
De então para cá, o negócio publicitário foi sendo desarticulado. A agência de serviço completo era o braço de marketing dos anunciantes, mas depois perdeu a produção de peças, a fotografia, a ilustração, a pesquisa, o planeamento de compra de espaço e, finalmente, a estratégia. Mais do que a perda de funções, porém, o que se passou foi a deslocação do know-how fundamental da agência para o anunciante, o que, a prazo, aumentou o poder negocial deste último e transformou a agência num fornecedor como qualquer outro.
O que basicamente distingue as consultoras das agências é que as primeiras criaram a percepção de que geram um fluxo contínuo de ideias inovadoras para os negócios dos seus clientes, ao passo que as segundas continuam a falar das mesmas coisas há décadas. A última ideia de grande sucesso nascida no meio publicitário foi, talvez, a de posicionamento, já lá vão uns bons trinta anos. Não é que não haja outras, mas ou não chegam a ser conhecidas, ou as consultoras apropriam-se delas (como sucede com a gestão integrada da marca ou com o CRM) apesar de o know-how das agências sobre esses temas poder ser bem mais relevante.
As agências correm, assim, o risco de serem percebidas como pouco relevantes para o sucesso comercial dos seus clientes. É isso mesmo, creio, que tem vindo a acontecer.
Por isso, para todos aqueles que, como eu, acreditam que as agências de publicidade continuam a ser as casas onde residem a inteligência e a fantasia que tanta falta fazem no mundo do marketing, o desafio principal é o de consolidar, desenvolver e valorizar o know-how específico que elas legitimamente podem reclamar como seu. Gestão do conhecimento, chama-se hoje a isso.