Há na publicidade dois mundos que não se tocam. Quando não conseguem ignorar-se mutuamente, olham-se com desconfiança e às vezes com desprezo.
Aquele em que a maior parte de nós (publicitários das agências) se revêem e que reconhecem como sendo o único é o mundo das grandes marcas. Das que o são ou das que o querem ser. Não é para isso, afinal, que serve a publicidade? Criar e manter grandes marcas. Torná-las famosas. Torná-las amadas.
Essa publicidade, filha (ou irmã) dos meios de comunicação de massa, supõe todo um modelo voltado para os grandes números. Queremos que todo o país comente o anúncio. Queremos que o tagline entre na linguagem corrente. Se isso for conseguido, recitamos nós, publicitários das agências, as vendas acontecerão por si mesmas. Ou melhor, há de haver alguém lá no anunciante que se encarrega delas, mas nós, publicitários, não nos temos que preocupar muito com essa parte.
Existe, no entanto, o tal outro mundo, onde se anunciam marcas que muitas vezes nem se vêem como tal: são simplesmente os produtos e serviços de empresas (que até podem ser grandes, mas não necessariamente) que não querem comunicar com toda a gente, mas apenas com o seu nicho. E que não tendo, ou não querendo ter, o budget das “grandes” marcas, dão à publicidade um papel totalmente diferente. Nesse mundo, é como se cada peça de comunicação fosse apenas mais um elemento da força de vendas: a sua missão não é tornar a marca amada mas fechar negócios. E a sua carreira depende inteiramente dos resultados de vendas muito concretos que conseguir demonstrar.
Não é que os dois universos sejam rigorosamente paralelos: há obviamente anunciantes que integram o segundo modelo, o do marketing directo puro e duro, no seu esforço global de criação de marca – ou que até o tornam o centro desse esforço. Mas, na maior parte das vezes, há entre as duas lógicas um grande fosso, que a Internet veio tornar ainda maior. Ao dar a milhões de micro e pequenas empresas a possibilidade de se tornarem anunciantes, o novo meio criou um mercado gigantesco em que os princípios da publicidade de resposta directa à la Claude Hopkins têm total prevalência sobre a mística das “love brands”.
Veio-me isto à cabeça a propósito desta notícia sobre um estudo da Nielsen que revela que “o consumidor ainda não tem grande confiança na publicidade online”. Como não vi o estudo posso estar redondamente enganado, mas cheira-me que há aí a aplicação de uma lógica que pode fazer sentido para a comunicação de massas a um meio – a Internet – em que a lógica já não é bem a mesma. E cheira-me isso porque, até onde consigo ver, essa é uma confusão muito típica das grandes marcas na sua abordagem da Internet.
É óbvio que há uma aura do meio televisão, por exemplo, que se transmite aos anúncios – quaisquer anúncios – que veicula, e a Internet não tem essa aura. Qualquer empresa de vão de escada pode fazer uma campanha no Google. Ir para a TV é bem diferente, e o consumidor sabe disso. Dito isto, qual será a serventia de avaliar a “credibilidade” da publicidade online, quando estamos a falar de um meio em que se pode medir com absoluto rigor a eficácia real de um anúncio?
O internauta que clica num banner, navega pela página de destino e afinal compra o produto (ou assina a newsletter, ou o que for) certamente achou essa publicidade credível. Se o número de clicks e conversões remunerar o investimento, a publicidade funcionou – independente de ser ou não “credível” e “de confiança” para o resto da humanidade.
A publicidade na net é um outro mundo. Não necessariamente um mundo novo; mas, com certeza, um mundo ainda bastante opaco para as tais "grandes" marcas.