Uma dos trabalhos mais interessantes que tenho visto nos últimos tempos é a campanha Dove "por beleza real" lançada em 2004 e já na segunda execução criativa. Embora a tradução não me convença muito – os brasileiros saíram-se melhor – é uma daquelas raras ideias a que a globalização não faz mossa. O problema, pelos vistos, é universal. Embora aqui e ali se possa mudar a cara dos modelos, a ideia vive.
Como todas as marcas de cosméticos, Dove alimenta-se da insatisfação das consumidoras com a própria imagem. Se todas se achassem lindas e não ligassem a mínima aos padrões de beleza vigentes, certamente as vendas cairiam muito. Para uma marca com essas características, pôr em causa precisamente esses padrões de beleza é inesperado, corajoso e extremamente inteligente. A marca coloca-se à frente de todas as outras, atacando-as indirectamente com uma espécie de anti-publicidade, que leva a consumidora a baixar a guarda.
Não é uma ideia propriamente nova. Há uns anos, Special K, que também se posiciona como um produto de beleza, fez uma campanha bastante parecida. Dove, porém, foi mais longe.
Em primeiro lugar, por causa da credibilidade. Embora num determinado momento a marca Special K se possa ter lembrado do tema, a maior parte da sua comunicação sempre vendeu a esperança de um corpo tipo top model. De repente começar a atacar a obsessão com esse corpo pode soar a hipocrisia. Com Dove, não. Os famosos testemunhos televisivos da marca criaram ao longo dos anos um estilo próprio – e muito imitado – caracterizado justamente pela escolha de mulheres "normais". O que se tornou explícito com a nova campanha já estava implícito antes. A mensagem que passa é de coerência e honestidade.
Dove também acerta em não limitar a iniciativa à publicidade. Financiar exposições fotográficas e pesquisas sobre o tema (com parceiros "sérios" como a universidade Harvard), abrir espaço à polêmica na internet (publicando, inclusive, as opiniões críticas sobre a campanha), entre várias outras iniciativas capazes de gerar envolvimento e alimentar a presença mediática da marca, é ir além do verniz de preocupação social que é por onde o marketing quase sempre se fica.
E tudo isso venderá cremes para a pele? Não faço a menor ideia, mas aposto que sim. Com esta abordagem, a marca não apenas se mostra inteligente, cúmplice da consumidora e na vanguarda de uma discussão actualíssima. Todos os cosméticos vendem esperança, e isto não é menos verdade para Dove. Simplesmente, ao propor uma redefinição da beleza, o que a campanha faz é tornar essa esperança menos distante. Incluindo para aquelas mulheres que já se achavam um caso perdido.
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Há 4 anos