25.2.05

Beleza

Uma dos trabalhos mais interessantes que tenho visto nos últimos tempos é a campanha Dove "por beleza real" lançada em 2004 e já na segunda execução criativa. Embora a tradução não me convença muito – os brasileiros saíram-se melhor – é uma daquelas raras ideias a que a globalização não faz mossa. O problema, pelos vistos, é universal. Embora aqui e ali se possa mudar a cara dos modelos, a ideia vive.

Como todas as marcas de cosméticos, Dove alimenta-se da insatisfação das consumidoras com a própria imagem. Se todas se achassem lindas e não ligassem a mínima aos padrões de beleza vigentes, certamente as vendas cairiam muito. Para uma marca com essas características, pôr em causa precisamente esses padrões de beleza é inesperado, corajoso e extremamente inteligente. A marca coloca-se à frente de todas as outras, atacando-as indirectamente com uma espécie de anti-publicidade, que leva a consumidora a baixar a guarda.

Não é uma ideia propriamente nova. Há uns anos, Special K, que também se posiciona como um produto de beleza, fez uma campanha bastante parecida. Dove, porém, foi mais longe.

Em primeiro lugar, por causa da credibilidade. Embora num determinado momento a marca Special K se possa ter lembrado do tema, a maior parte da sua comunicação sempre vendeu a esperança de um corpo tipo top model. De repente começar a atacar a obsessão com esse corpo pode soar a hipocrisia. Com Dove, não. Os famosos testemunhos televisivos da marca criaram ao longo dos anos um estilo próprio – e muito imitado – caracterizado justamente pela escolha de mulheres "normais". O que se tornou explícito com a nova campanha já estava implícito antes. A mensagem que passa é de coerência e honestidade.

Dove também acerta em não limitar a iniciativa à publicidade. Financiar exposições fotográficas e pesquisas sobre o tema (com parceiros "sérios" como a universidade Harvard), abrir espaço à polêmica na internet (publicando, inclusive, as opiniões críticas sobre a campanha), entre várias outras iniciativas capazes de gerar envolvimento e alimentar a presença mediática da marca, é ir além do verniz de preocupação social que é por onde o marketing quase sempre se fica.

E tudo isso venderá cremes para a pele? Não faço a menor ideia, mas aposto que sim. Com esta abordagem, a marca não apenas se mostra inteligente, cúmplice da consumidora e na vanguarda de uma discussão actualíssima. Todos os cosméticos vendem esperança, e isto não é menos verdade para Dove. Simplesmente, ao propor uma redefinição da beleza, o que a campanha faz é tornar essa esperança menos distante. Incluindo para aquelas mulheres que já se achavam um caso perdido.

17.2.05

Paulo Portas é fixe?

"Um político não é um sabonete", reza uma das fórmulas preferidas dos praticantes do marketing político. O que, não sendo mentira, também não é a verdade toda.

Um carro também não é um sabonete, e um banco menos ainda. O primeiro é um produto mais complexo, com motivações de compra mais embrulhadas. O segundo é um serviço, que pode ser experimentado pelo cliente de formas muito mais variadas e imprevisíveis do que um produto industrializado – seja o carro, seja o sabonete. O político, sendo uma pessoa, tem uma performance ainda menos previsível. Nem por isso a comunicação do sabonete, do banco ou do político deixa de ter muitos pontos em comum.

Como para o sabonete, o banco ou o político, o "consumidor" está sujeito a muita comunicação, muita oferta, e não é fácil perceber a diferença. A complexidade do produto não ajuda – pelo contrário. E nada é mais complexo do que um programa ou as "provas dadas" de um candidato.

Em qualquer desses casos, o papel da comunicação é definir um ponto focal, simples, diferenciador, fácil de entender e de memorizar, a partir do qual todas as minúcias da experiência do "produto" passam a fazer sentido. Não me refiro apenas à comunicação publicitária. Um exemplo: por muito complicado que seja para um eleitor comum fazer uma avaliação exaustiva de tudo o que se passou nos governos de Cavaco Silva, o sentido geral desse período está completamente apanhado numa frase como "Deixem-nos trabalhar". É uma promessa de pragmatismo, pés na terra, mangas arregaçadas e poucas modernices que é claríssima para o eleitor - que a seguir a abraçará ou rejeitará, mas sabendo por quê. Para percebermos como é diferenciadora, basta tentarmos intercambiar esta "USP" de Cavaco com outra, igualmente célebre e eficaz. "Cavaco é fixe" – não cola, pois não?

Na actual campanha, o único candidato que parece estar a aplicar esse princípio de síntese e clareza no seu posicionamento – como se recomendaria a qualquer marca de sabonetes – é Paulo Portas. O "voto útil" pode ser uma proposta boa ou má - mas ao menos o eleitor percebe perfeitamente o que lhe estão a pedir.

15.2.05

Ascensão e queda de Carly Fiorina

A ler com toda toda a atenção o artigo desta semana de John Kay no Financial Times.

Tenciono escrever também em breve sobre este assunto.

O felicitómetro

A APEME, uma empresa de estudos de mercado, revelou em 2004 que, apesar da persistente choraminguice, os portugueses afinal consideram-se felizes. Numa escala de 1 a 10, o cidadão médio situa-se a si próprio no nível 8, e nada menos que 37% de nós incluem-se mesmo nos níveis 9 e 10.

O mesmo inquérito descobriu ainda que 40% dos portugueses gostam muito de si mesmos, contrariando frontalmente a persistente ladainha que nos cataloga como um povo com baixa auto-estima.

Comentando estes resultados, o professor Roberto Carneiro notou que, durante os últimos 30 anos, os portugueses satisfizeram no essencial as suas necessidades de bens de primeira necessidade, ascendendo significativamente na escala material. Mas agora, acrescentou, “há uma evolução para novos patamares de felicidade”, que implicam “mais necessidades de fantasia”.

Em Portugal, a exemplo do que já antes sucedeu noutros países, à medida que cada vez mais consumidores logram satisfazer as suas necessidades básicas, as motivações higiénicas, orientadas para a resolução de problemas ou o alívio de carências, tendem a ser substituídas pelas motivações transformacionais, viradas para a auto-realização e o desenvolvimento da personalidade. Ainda segundo o estudo, os portugueses buscam agora a felicidade numa combinação equilibrada de sociabilidade e realização profissional.

Eis um claro mandato para os gestores de marketing no decurso dos próximos anos.

(Extraído de um artigo publicado no último número da revista Economia Pura sob o título «19 posts sobre o estado do marketing»)

11.2.05

Sem desculpa

Como brasileiro, e crescido nos tempos da ditadura militar, ainda apanhei um estranhíssimo sistema político. Por um lado, para os cargos realmente importantes, era proibido votar. Mas ao mesmo tempo o voto era obrigatório – quem faltasse às eleições tinha que se justificar, para não levar uma multa.

O anúncio da Comissão Nacional de Eleições que anda na televisão parece ter uma visão parecida sobre o "dever cívico" de votar. Com o nobre propósito de combater a abstenção, o melhor argumento de que se lembraram foi perguntar às pessoas qual a sua desculpa para fugir às urnas. Como se elas precisassem de alguma.

Há uns dias, a propósito do Montepio Geral, o João Pinto e Castro lembrava o velho princípio de basear a publicidade no benefício do produto ou serviço anunciado – ou no que se tem a perder por não o usar. Esta comunicação da CNE não transmite nem uma coisa nem outra. Apenas lembra que aproveitar uma ponte ou feriado é de facto mais agradável do que ir votar.

Os benefícios do voto são sabidos – mas o problema das democracias é que cada vez menos gente acredita neles. É algo que a publicidade pode ajudar a resolver, mas não é fácil. Com toda a certeza, não é culpabilizando as pessoas que se chega lá.

Com bons argumentos, talvez. Ocorre-me (mas não consigo localizar) um premiadíssimo anúncio de há alguns anos. Trazia fotos de dezenas de políticos: Kennedy, Stalin, Churchill, Fidel Castro, Hitler, Roosevelt, Nixon, Mao, Pinochet, De Gaulle e assim por diante. O título dizia algo como: "Se acha mesmo que todos os políticos são iguais, tudo bem. Não vote".

10.2.05

Razão e coração

Na TSF, ouço Santana Lopes, num jantar com artistas, definir-se como um político que dá importância aos sentimentos. A razão é importante, diz, mas não se pode esquecer o coração.

Razão e coração, onde é que já vi isto antes?

Já então se tratava de uma fórmula bastante gasta da publicidade (muito usada em anúncios de carros, por exemplo), mas estrategicamente fazia sentido: contra o tecnocratismo da era Cavaco, que começara a doer, a promessa de governar "com o coração" era uma espécie de bálsamo, que funcionou.

Na boca de Santana, porém, o uso da mesmíssima fórmula do adversário não parece querer dizer nada. Ou melhor: talvez queira dizer que o candidato tem o coração na boca, e não raciocina o suficiente sobre as palavras que escolhe.

4.2.05

Margens de erro

Este post deveria ser lido por toda a gente que trabalha em marketing e comunicação, para que se compreenda bem como é difícil saber-se o que as pessoas verdadeiramente pensam e querem.

Aliás, em geral, recomendo a leitura do Margens de Erro, razão pela qual vai imediatamente para os links permanentes, aqui ao lado.

3.2.05

Política

Os inacreditáveis cartazes da campanha eleitoral fazem-me pensar numa leitura recente: o livro Casos e Coisas, de Duda Mendonça.

Duda, para quem não sabe, é um dos mais conhecidos publicitários brasileiros, com uma trajectória brilhante desde que abriu na Bahia, lá nos anos 70, a primeira DM9. Criou nessa época uma sucessão de campanhas antológicas, tanto mais notáveis por partirem de um pequeno mercado regional, fora do eixo Rio-São Paulo.

Mas isto é história. Nos últimos anos, Duda reconstruiu a sua fama tornando-se um dos dois gigantes da publicidade política brasileira – sendo o outro Nizan Guanaes, o da segunda DM9, "filho profissional" de Duda Mendonça, como ele mesmo diz, e que apesar de muitas e ruidosas diferenças com o "pai", é quem lhe prefacia o livro. Na última disputa presidencial Duda venceu Nizan: Lula, o seu cliente, é hoje o presidente do Brasil.

O livro passa por toda a carreira do publicitário mas concentra-se principalmente nesse seu lado de marqueteiro político. É uma leitura particularmente interessante para quem vive em Portugal, por mostrar uma forma de fazer comunicação política muito diferente, mas ao mesmo tempo com algumas semelhanças em relação à que se usa por aqui.

As diferenças são óbvias. As campanhas eleitorais brasileiras são "à americana", com muito dinheiro envolvido e um uso intensíssimo da televisão. Seguramente isso é fonte de muitos vícios e distorções, mas por outro lado garante, ao menos nas grandes disputas, que a comunicação é feita por profissionais, de forma profissional. Esse profissionalismo no mínimo evita aos candidatos mais endinheirados algumas asneiras, algumas mensagens ao lado, alguns tiros no pé. Este é um grande contraste com o que se tem visto em Portugal por estes dias. Ocasionalmente, o profissionalismo dos marqueteiros também pode dar origem a alguma comunicação brilhante (o livro traz alguns exemplos).

Mas o que mais me chamou atenção é um ponto em Brasil e Portugal são tão parecidos. Exposta no livro com uma candura a que ninguém por cá se atreveria, a semelhança está na relação alegre e promíscua entre agências, candidatos e governantes. No Brasil como aqui, os políticos, uma vez no poder, usam sem a menor cerimónia os recursos públicos para atender aos seus interesses de candidatos - por exemplo, para compensar as agências que os ajudaram a lá chegar. Duda Mendonça não parece ver mal nenhum nisso. Narra como a coisa mais natural do mundo a expectativa que tinha, depois da eleição de um cliente seu, de que a sua agência ficasse com várias contas do governo. Quando isso não aconteceu Duda sentiu-se traído, mas depois, com o tempo, diz ter percebido as razões (100% políticas, 0% éticas) do político em causa. A meu ver, nesse particular, ele não percebeu nada até hoje.

1.2.05

Uma lenda da publicidade

Já o vi citado em vários livros (entre os quais, se não me engano, o do João Pinto e Castro – confirma, João?) como um dos melhores anúncios de todos os tempos, e sempre concordei com o julgamento. Tanto concordei que, há alguns dias, resolvi usá-lo como exemplo numa aula. Só então reparei numa coisa estranha. Do tal anúncio – o famoso classificado "do Times" com que o explorador Ernest Shackleton procurou companheiros para a sua expedição ao Pólo Sul, no início do século passado – sempre se referia apenas o título. Um título, convenhamos, totalmente merecedor da sua fama:

Men wanted for hazardous journey.
Low wages, bitter cold, long hours of complete darkness.
Safe return doubtful.
Honour and recognition in event of success.


Mas para a minha aula eu precisava do anúncio propriamente dito. Fui à procura e descobri o que os livros nunca me haviam contado: o tal anúncio possivelmente nunca existiu. Foi "citado" pela primeira vez lá pelos anos 40, já como um dos melhores anúncios de sempre, mas já então reduzido ao headline. Depois foi-se fazendo copy paste da referência, até a história se cristalizar como um facto. Uma mentira repetida muitas vezes, já se sabe.

Na internet há quem ofereça dinheiro (mas não muito – são só 100 dólares) pela descoberta de uma evidência de que o lendário anúncio foi alguma vez publicado. Até lá, ficará como o mais famoso – e provavelmente o melhor – fantasma de todos os tempos.