28.7.05

Sem frescura

Finalmente, uma marca de vinho a propor um posicionamento claro e diferenciado: João Pires, o tinto que se bebe fresco.

Pena que a forma de comunicar isso seja tudo, menos fresca. "Refresque a sua maneira de ver as coisas", ou algo parecido. Onde é que eu já vi isso antes? Será na publicidade da Sagres? Será naquela cerveja brasileira que "refresca até pensamento"? Ou será nas outras n campanhas que me pediam para refrescar as ideias, a imaginação e outras coisas do género?

Enquanto isso, em Brasília...

Há uns tempos, comentando os "Casos e Coisas", de Duda Mendonça, escrevi neste blog que "… o que mais me chamou atenção no livro é um ponto em Brasil e Portugal são tão parecidos. Exposta com uma candura a que ninguém por cá se atreveria, a semelhança está na relação alegre e promíscua entre agências, candidatos e governantes. No Brasil como aqui, os políticos, uma vez no poder, usam sem a menor cerimónia os recursos públicos para atender aos seus interesses de candidatos - por exemplo, para compensar as agências que os ajudaram a lá chegar. Duda Mendonça não parece ver mal nenhum nisso. Narra como a coisa mais natural do mundo a expectativa que tinha, depois da eleição de um cliente seu, de que a sua agência ficasse com várias contas do governo. Quando isso não aconteceu Duda sentiu-se traído, mas depois, com o tempo, diz ter percebido as razões (100% políticas, 0% éticas) do político em causa. A meu ver, nesse particular, ele não percebeu nada até hoje."

A esta altura do campeonato, duvido que alguém no Brasil ainda não tenha percebido o que dá essa mistura entre dinheiro público, interesses "partidários" e agências de publicidade "de serviço completo" – ou seja, que por dinheiro fazem o que for preciso.

27.7.05

Mais pedintes (e dantes)

O assunto dos pedintes é interessante, porque de facto permite, se visto devagarinho, compreender algumas das nossas motivações de compra.

E digo motivações "de compra" sem intenção de analogia. Como ao que parece não há almoços grátis, o pedinte, quando pede, dá necessariamente algo em troca, mesmo que não tenha consciência disso (mas duvido que a maior parte não a tenha, pelo menos de forma intuitiva; ser pedinte, pelo menos nos moldes desses que andam no metro, diariamente e a horários certos, é uma profissão como as outras, com o seu código de conduta, as suas relações corporativas e o seu know how, fruto dos ensaios, erros e intercâmbio de gerações de praticantes).

E o que é que o pedinte dá em troca do que pede? Ora, aí é que está o savoir faire. Alguns limitam-se a proporcionar, por cada esmola recebida, um "Deus lhe pague" – e a moeda de Deus, como se sabe, é o paraíso. A salvação, a remissão das culpas, que todos nós, em graus variados, carregamos cá dentro desde o pai Adão. Sendo esse o caso, ou seja, um clássico "problema-solução", a forma mais fácil de promover a mercadoria é acentuar o problema, ou seja, fazer com que o target se sinta tão culpado que se torne absolutamente urgente buscar alívio, depositando imediatamente a sua coroa na ranhura. Esta é de longe a abordagem mais popular, cada qual se valendo, para a pôr em prática, das mazelas que tem ou for capaz de inventar.

Por ser tão repetida, no entanto, é óbvio que esta é uma técnica de vendas que atinge rapidamente a saturação. Para uma criança, ou para nós próprios de visita a um país mais miserável que o nosso, o primeiro mendigo é uma experiência chocante. Mas a maior parte de nós tem um rápido reflexo de dessensibilização: o terceiro pedinte ainda incomoda um pouco, o quarto já se tornou invisível. Mesmo numa carruagem de metro em movimento, de onde em princípio não podemos fugir, há sempre um jornal para escondermos a cara. O que fica ainda mais fácil quando, a seguir a um cego que escande com a bengala o "Tenha a bondade de me auxiliar", o que aparece é outro cego de bengala a dizer, exactamente no mesmo tom, exactmente a mesma coisa.

Diferenciar é aqui tão importante como em qualquer situação de comunicação. Comunicar "under the radar", furar a carapaça do público alvo, vale para os pedintes como para os vendentes. Alguns tentam fazê-lo na forma, sem mexer no produto. Outros, e não é de hoje, alteram a própria mercadoria. Em vez de simples alívio para a culpa, têm uma oferta mais complexa, mais parecida com uma venda em sentido convencional. São os que, como a célebre Dona Rosa, têm algum talento a oferecer em troca da moeda. Ou os que, não tendo nenhum, agem como se o tivessem, tocando, mesmo muito mal, algum arremedo de instrumento.

O que essa estratégia às vezes consegue não é só chamar mais atenção, por ser menos repetitiva. Também alarga o target, apelando a pessoas que, por diversas razões (objecções morais, ou por não gostarem de se sentir manipuladas, por exemplo), não dão esmolas – mas são capazes de comprar a Cais, ou de recompensar quem realmente as entretenha, ou pelo menos se esforce para isso.

Não sei se o pedinte/músico de que fala o Quase em Português é o mesmo que eu já vi no metro, às 9 e tal da manhã, na linha Azul. O que eu vi era um virtuose da bengala e da voz, e a sua performance decididamente interessante. Não sei se a sua facturação diária é maior ou menor que a dos outros. Sei que eu pus o jornal no colo e lhe dei um euro.

22.7.05

Pedintes

Este post coloca uma questão interessante de pura técnica publicitária. Qual é, em vossa opinião, a estratégia mais eficaz?


20.7.05

Conto de Natal em Julho

Os extraterrestres tinham decidido invadir a Terra, mas sabiam que não podiam ir entrando assim de qualquer maneira.

Alertados por décadas de superproduções hollywoodianas, os Americanos, guardiães do planeta, tinham desenvolvido, além da habitual paranóia de alta precisão, todo o tipo de sensores, antenas e armas de destruição maciça, capazes de detectar e repelir, em menos de 120 minutos, qualquer ameaça de fim do mundo.

Com a sua inteligência superior, os alienígenas buscaram então uma forma de ocupar o planeta sem dar nas vistas. Depois de muitas voltas às suas verdes cabecinhas, chegaram por fim ao estratagema perfeito. Viriam disfarçados de Acção de Marketing.

E assim foi que, naquela noite de 24 de Dezembro, quando todos os habitantes se tinham retirado para o conforto das suas televisões, a Maior Árvore de Natal do Mundo sacudiu os logotipos que lhe germinavam dos ramos e iniciou, Plan! Plan! Plan!, a sua imparável caminhada de destruição e morte.

17.7.05

Realidade e fantasia

Lendo o Relatório da WPP relativo a 2004, percebe-se que a actividade publicitária continua a insistir nos mesmos argumentos para se valorizar aos olhos dos anunciantes Por exemplo:

«Em tais circunstâncias, a diferenciação torna-se criticamente importante, e a diferenciação é precisamente o cerne do nosso negócio.»

Assim se vê que os publicitários acreditam ainda hoje que a publicidade tem a capacidade de diferenciar produtos e serviços indiferenciados.

Deconhecem a numerosa pesquisa realizada nos últimos anos que prova que isso não acontece. Trata-se, pura e simplesmente, de uma fantasia sem sombra de suporte real.

Se querem valorizar a sua profissão, os publicitários deverão procurar argumentos novos - e, se possível, verdadeiros. Exceptuando eles próprios, nestes já ninguém acredita.

O fim da publicidade televisiva

Um PVR é um aparelho que permite às pessoas carregarem os programas de televisão para um disco duro. Quem dispõe de um PVR não está dependente dos horários da programação: vê os programas quando lhe convém e ao ritmo que mais lhe convém, exceptuando certas situações em que o directo desempenha um papel essencial - jogos de futebol, por exemplo.

Acontece que, segundo a Forrester Research, 50% dos lares americanos possuirão um PVR em 2007. Isso significa que metade do público alvo poderá eliminar os blocos publicitários quando proceder à gravação dos programas, ou pelo menos passar à frente quando eles surgirem no écrã.

É difícil imaginar como é que o modelo tradicional de publicidade televisiva conseguirá sobreviver.

Outsourcing da função marketing

O Relatório Anual da WPP referente a 2004 menciona uma tendência emergente para algumas empresas subcontratarem exteriormente partes da função marketing como forma de obterem reduções significativas de custos.

Tendo em conta que os departamentos de markating já subcontratam correntemente actividades de consultoria estratégica, pesquisa de mercados e comunicação, entre outras, é de supor que estejam agora principalmente em causa tarefas ligadas ao planeamento e controlo propriamente ditos, tanto ao nível estratégico como operacional.

A ser verdade, tratar-se-ía de uma inversão da tendência em curso nos últimos 50 anos e que consistiu em as empresas internalizarem progressivamente um certo número de actividades de marketing anteriormente sub-contratadas a empresas externas.

Embora a memória desses tempos tenha entretanto desaparecido, a verdade é que houve uma época - grosso modo compreendida entre os anos 20 e 50 do século passado - em que toda a função marketing se encontrava a cargo das agências de publicidade. Quem quiser saber como as coisas funcionavam poder consultar os livros de Claude Hopkins ou ler a história da Lord & Thomas (hoje FCB) contada pelo próprio Albert Lasker, o iniciador e líder da transformação.

16.7.05

Um blogue cota

Pouco dado a aniversários como sou, escapou-me que o 2º do Sangue, Suor e Ideias completou-se no passado dia 4 de Julho.

À velocidade a que a vida corre na internet, pode considerar-se um blogue cota - ou ginja, como se dizia no tempo dos cotas.

15.7.05

Marcas mágicas



A Cyan Books criou uma maravilhosa colecção de livrinhos muito bem escritos que contam as estórias de grandes marcas.

Encontrei na FNAC os volumes sobre Harry Potter e a IKEA. Descobri depois que também já estão editados os relativos ao Google, à Guinness, ao Starbucks, à Marca América e a Beckman.

Excelentes leituras para o Verão.

9.7.05

Publicidade e política

Não concordo com o João Pinto e Castro (v. Políticos e Sabonetes, neste blog) que a influência da publicidade sobre as decisões de voto dos eleitores seja tão próxima de zero. Eu, pelo menos, sou bastante influenciável pela comunicação que vejo. Por exemplo, cada vez que esbarro num desses cartazes com que os vários candidatos à câmara de Lisboa enfeiam e insultam a cidade que querem governar, decido logo que aquele jamais terá o meu voto.

8.7.05

O Pedro poupou 6 €

Uma excitante campanha institucional da EDP explica-nos que, se o Pedro desligar o piloto da televisão, se usar lâmpadas mais fracas, se desligar o computador quando não está a utilizá-lo, se usar sempre a carga máxima das máquinas de lavar roupa e de lavar loiça, e por aí fora, poderá, com muito esforço, poupar 6 €.

Por ano.

Ou seja, se gastar imensa energia a poupar energia, recuperará 50 cêntimos por mês. Uau! Fantástico! Que excitação! É a ideia do século!

Vamos todos mobilizar-nos imediatamente para seguir os conselhos da EDP e explicar aos nossos familiares e amigos como também eles poderão entrar numa nova ordem de progresso e prosperidade.

Cinquenta cêntimos por mês! O preço de uma bica. Francamente...

Francamente, será que a EDP não tem consciência de que os consumidores não podem levar a sério uma coisa destas? Pior ainda, não entenderá que muito provavelmente, os consumidores portugueses, sobrecarregados por tarifas elevadíssimas, acharão esta campanha uma ofensa à sua inteligência?

Vivemos numa era em que a informação flui com grande rapidez. Todos sabemos que os preços que pagamos em Portugal não têm paralelo nos outros países europeus. Logo, o que o consumidor português gostaria é que lhe explicassem porque tem que pagar a energia eléctrica a um preço muito superior ao que por ela pagam os espanhóis, já para não falar dos franceses.

Em vez disso, a EDP optou por nos explicar que é por nossa culpa que a nossa factura de electricidade atinge valores exorbitantes.

Sem bom senso, não há marketing que resista. Recordando as sabias palavras de Albert Lasker, no principio do seculo XX: "Common sense, above all things scores unusual results in advertising".

6.7.05

O leão e os seus filhotes

Quando Cannes deixou de ser apenas um festival de filmes publicitários e começou, com o Press and Poster, o seu imparável alargamento, não faltou quem esperneasse contra a «descaracterização». Uma birra famosa foi a de Washington Olivetto, para quem a decadência de Cannes «começou com a desglamorização dos eventos sociais, a queda de nível do tratamento dos jurados (e, consequentemente, a queda de qualidade deles), a troca do Leão, tradicionalíssimo, produzido por um ourives de Veneza, por uma estatueta mais baratinha(…) Continuou com a implantação da mídia impressa, por um lado um visível desrespeito à tradição do festival, que sempre foi de filmes, e por outro um visível desrespeito à mídia impressa, que (…) é tratada como uma espécie de couvert do evento e depósito de jurados de países desimportantes.» (Os piores textos de Washington Olivetto, Ed. planeta, 2004).

E olhem que nessa altura (1995) o processo estava apenas a começar. Desde então nasceram os leões de mídia, os interactivos, os direct e, este ano, os de rádio e os de «titânio», destinados a «reconhecer campanhas de excelência que integram uma gama de canais de mídia e comunicação».

Com a autoridade de quem se fartou de ganhar leões, principalmente nos anos 70 e 80, Washington Olivetto tem toda a razão em muitas das críticas que faz ao festival. A ganância dos organizadores tem sido às vezes demasiado visível - em particular na tolerância com as peças fantasma, que se traduziu em ouros e até Grand Prix atribuídos a anúncios que nunca foram vistos pelo consumidor. Quanto às categorias, se a publicidade propriamente dita (com os filmes em primeiro lugar) continua a ser o prato forte , por outro lado algumas das recém-chegadas ainda têm problemas óbvios. Na mídia, por exemplo, houve em em 2003 e 2004 (este ano ainda não vi os prémios) Leões que só podem ter sido atribuídos porque a concorrência era muito fraca – ou porque o júri tem critérios no mínimo estranhos para um festival de criatividade publicitária. Já o direct, que apresenta uma série de complicações logísticas, vai mudando de regras todos os anos, sem que se tenha ainda chegado a uma fórmula de julgamento satisfatória.

Todos esses problemas, no entanto, não foram capazes de diminuir a importância de Cannes como a grande montra da publicidade, o parâmetro de êxito para o qual se volta, ainda que por diferentes razões, toda a indústria. Pelo contrário: de ano para ano, a importância do festival continua a crescer.

Para quem trabalha no marketing relacional, em particular, a simples existência dos Lions Direct, com todos os seus defeitos, fez provavelmente mais pelo prestígio desse tradicional primo pobre da publicidade (em termos de imagem, já que os números mostram que é cada vez mais o verdadeiro primo rico) do que qualquer outro facto isolado. E a invenção, este ano, dos tais Titanium Lions acompanha e favorece o único caminho razoável para a sobrevivência da profissão: a descompartimentação dos canais e suportes em prol de estratégias e execuções cada vez mais integradas.