Quando Cannes deixou de ser apenas um festival de filmes publicitários e começou, com o Press and Poster, o seu imparável alargamento, não faltou quem esperneasse contra a «descaracterização». Uma birra famosa foi a de Washington Olivetto, para quem a decadência de Cannes «começou com a desglamorização dos eventos sociais, a queda de nível do tratamento dos jurados (e, consequentemente, a queda de qualidade deles), a troca do Leão, tradicionalíssimo, produzido por um ourives de Veneza, por uma estatueta mais baratinha(…) Continuou com a implantação da mídia impressa, por um lado um visível desrespeito à tradição do festival, que sempre foi de filmes, e por outro um visível desrespeito à mídia impressa, que (…) é tratada como uma espécie de couvert do evento e depósito de jurados de países desimportantes.» (Os piores textos de Washington Olivetto, Ed. planeta, 2004).
E olhem que nessa altura (1995) o processo estava apenas a começar. Desde então nasceram os leões de mídia, os interactivos, os direct e, este ano, os de rádio e os de «titânio», destinados a «reconhecer campanhas de excelência que integram uma gama de canais de mídia e comunicação».
Com a autoridade de quem se fartou de ganhar leões, principalmente nos anos 70 e 80, Washington Olivetto tem toda a razão em muitas das críticas que faz ao festival. A ganância dos organizadores tem sido às vezes demasiado visível - em particular na tolerância com as peças fantasma, que se traduziu em ouros e até Grand Prix atribuídos a anúncios que nunca foram vistos pelo consumidor. Quanto às categorias, se a publicidade propriamente dita (com os filmes em primeiro lugar) continua a ser o prato forte , por outro lado algumas das recém-chegadas ainda têm problemas óbvios. Na mídia, por exemplo, houve em em 2003 e 2004 (este ano ainda não vi os prémios) Leões que só podem ter sido atribuídos porque a concorrência era muito fraca – ou porque o júri tem critérios no mínimo estranhos para um festival de criatividade publicitária. Já o direct, que apresenta uma série de complicações logísticas, vai mudando de regras todos os anos, sem que se tenha ainda chegado a uma fórmula de julgamento satisfatória.
Todos esses problemas, no entanto, não foram capazes de diminuir a importância de Cannes como a grande montra da publicidade, o parâmetro de êxito para o qual se volta, ainda que por diferentes razões, toda a indústria. Pelo contrário: de ano para ano, a importância do festival continua a crescer.
Para quem trabalha no marketing relacional, em particular, a simples existência dos Lions Direct, com todos os seus defeitos, fez provavelmente mais pelo prestígio desse tradicional primo pobre da publicidade (em termos de imagem, já que os números mostram que é cada vez mais o verdadeiro primo rico) do que qualquer outro facto isolado. E a invenção, este ano, dos tais Titanium Lions acompanha e favorece o único caminho razoável para a sobrevivência da profissão: a descompartimentação dos canais e suportes em prol de estratégias e execuções cada vez mais integradas.
Visit me at armandoalves.com
Há 4 anos
Sem comentários:
Enviar um comentário