Toda a gente concorda que Steve Jobs foi um grande inovador. Mas que inovou ele ao certo?
O interface gráfico com o utilizador e o rato, que fizeram o sucesso do Mac, foram inventados pelo centro de investigação da Xerox de Palo Alto. O iPod foi uma variante de MP3, o iPhone um modelo de smartphone. Anos antes do iPad, não esqueçamos, a Microsoft lançara o Tablet PC.
Não por acaso, o Next e o Newton, porventura as suas mais ousadas criações, redundaram em completos fracassos.
Jobs foi, desde logo, um génio do design. Repetidamente, agarrou em dispositivos obnóxios e transformou-os em objetos de utilização agradável para pessoas comuns.
Mais: usou com inigualável mestria o poder das palavras para dar um sentido mágico a essas coisas, e aí residiu o seu talento de marketing. Começou por apodar o computador pessoal de ferramenta ao serviço da libertação do indivíduo - do
eu autónomo, irrequieto e explorador - uma das mais mobilizadoras ficções do mundo contemporâneo.
iMac, iPod, iPhone e iPad, todas estas designações remetem para o mito da capacidade transformadora do
eu mínimo e solitário, mas irredutível e poderoso. Sem essa inspiração, jamais o entusiasmo de um punhado de visionários informáticos poderia ter-se transformado no vasto movimento de digitalização da economia, da cultura e da sociedade cujas consequências estamos ainda a descobrir.
A construção de um inimigo desempenhou um papel central na transmutação da contra-cultura californiana dos anos 60 que Jobs viveu intensamente no culto do empreendedorismo multimilionário de
jeans e
tee-shirt. A IBM foi, numa primeira fase, a encarnação ideal do sistema industrial-burocrático ao qual a Apple se opunha, mais tarde substituída pela igualmente odiada Microsoft enquando ícone atualizado de um poder totalitário e opressivo.
A cruzada populista de Jobs inspirou-se de forma evidente no lendário combate de David contra Golias, um mito constitutivo essencial do espírito democrático americano.
O futuro da Apple encontra-se por isso ameaçado não só pela morte do guia espiritual que conduzia os seus destinos com mão de ferro, mas também, em não menor grau, pelo facto de a Apple ter entretanto ocupado o lugar do odiado Golias.