22.9.11

Quem deve definir a missão da televisão?

Tive há ideias uma interessante mas necessariamente breve e sincopada troca de impressões com o Luís Paixão Martins no Twitter, a propósito das alterações introduzidas nos anos recentes pela União Europeia na regulação da publicidade televisiva.

Afirmei eu que, ao fim ao cabo, o que a UE fez foi, basicamente, legalizar violações da ética já correntes, com manifesta degradação da qualidade da programação televisiva e desprezo pelos telespectadores.

Respondeu-me o Luís que as transformações que eu critico - tais como a abolição de uma separação clara entre conteúdos e publicidade - são talvez necessárias para assegurar a sobrevivência da televisão.

Chegados a este ponto, revelou-se o cerne da nossa divergência: eu acho que os media que se limitam a reciclar vulgaridade e ignorância não têm o direito de sobreviver; o Luís acredita que essa decisão compete apenas às audiências, não ao Estado.

A dada altura, perguntou-me o Luís se, no meu parecer, só devem existir media subsidiados pelo Estado e se compete ao Estado definir a missão das televisões.

A discussão entretanto morreu, como é normal no Twitter, fosse por ser impossível tratarmos seriamente um tema destes no Twitter, fosse porque ambos tínhamos na altura mais que fazer.

Mas eu gostaria de aproveitar para reafirmar a este propósito certas convicções que nem por irem contra o espírito dos tempos aceito silenciar.

Qualquer empresa ou instituição só tem a sua existência justificada pela contribuição que dá, seja ela qual for, para o bem-estar social. É a isso que se convencionou chamar a sua missão.

Fá-lo proporcionando aos seus concidadãos certos bens materiais ou imateriais. Decorre daqui que uma empresa que, como sucede com certos canais de televisão generalista de sinal aberto, deixa de produzir bens e começar a produzir males trai a sua missão e não tem por que ser tolerada.

Muita gente entende que, tendo cada um de nós o direito de abominar o nível de degradação a que chegou a televisão, não se justifica porém que o Estado intervenha no assunto. Se o público gosta de ver porcarias, o problema é dele.

Há muitos argumentos contra esta opinião, mas aqui invocarei apenas um. Ao contrário do que muitas pessoas supõem, não há um verdadeiro mercado de televisão, ou melhor, há, mas é um mercado mal-formado.

A televisão de sinal aberto não é paga pelo espectadores, mas pelos anunciantes ou, no caso dos canais públicos, pelo Estado.

Vai daí, a ausência de um preço implica que o público se encontra impedido de manifestar a intensidade das suas preferências. Assim, se 50,1% das pessoas preferem ligeiramente ver um reality-show a dormir no sofá e 49,9% preferem fortemente ver a série Mad Men a ver o tal reality-show, apesar de tudo ganha o reality-show.

É por isso que, ao contrário do que acontece em tantas outras áreas da cultura popular, tais como o cinema ou a música, na televisão desregulada o lixo se sobrepõe de forma tão esmagadora à programação de qualidade.

Ora, permanecendo a televisão um medium tão importante para a informação e formação da opinião pública, justifica-se, acho eu, a intervenção pública para assegurar, quanto mais não seja, padrões mínimos de decência.

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