Faz sentido, não faz? Se o seu produto tiver que escolher uma cara para o representar, tem lógica que seja um heavy user. Se for um carro, ou um lubrificante, pode ser um piloto de fórmula 1. Se for um banco, alguém com muito dinheiro (o Mourinho, o Cristiano Ronaldo...). Agora, se for uma bebida alcoólica, razão tem o Licor Beirão: ninguém melhor do que um famoso e consagrado alcoólatra.
É claro que Fernando Pessoa tinha muitos outros predicados. Mas este era um deles, e foi aquele que (involuntariamente, quero acreditar) quem criou o anúncio despertou de imediato na mente deste consumidor que vos fala.
Ajudou que na altura em que vi o spot tivesse no colo o portentoso
Fernando Pessoa, uma quase autobiografia, do advogado brasileiro José Paulo Cavalcanti Filho, que tem um capítulo inteiro dedicado à (estreita) relação do poeta com a garrafa. Não, não altura não era o Licor Beirão, mas acho que se já se anunciasse não seria rejeitado. Pessoa, na sua própria definição, não era uma esponja: era "uma loja de esponjas, com armazém anexo". Do género de ter acessos de delirium tremens (sobre os quais, como não podia deixar de ser, em seguida fazia um poema).
Não creio que fosse intenção da agência ou da marca fazer um filme tão politicamente incorrecto. Só que a ideia, que até é ingénua, e se limita a brincar com o que qualquer português que tenha feito o 11º ano sabe sobre Pessoa, acaba por fazer um retrato do poeta mais fiel do que se queria. A escolha do actor já foi muito boa. Mas pô-lo, como gostava, de copo na mão - e a beber por três, uma vez que se juntam à festa Ricardo Reis e Álvaro de Campos, numa espécie de Associação dos Alcoólicos Heterónimos - é o toque de génio.
A publicidade, que Pessoa também praticou, sem muito jeito para a coisa, às vezes é um bocado traiçoeira.
Jayme Kopke
da
Hamlet
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