Vem no Briefing desta semana uma coluna do Frederico Saldanha com a história, que eu espero que seja inventada, de um publicitário cheio de problemas de consciência por ter uma filha anoréxica.
Imagino que, numa situação dessas, os problemas de consciência sejam normais. Mas não pelas razões do tal publicitário, que se sente culpado não por ter chegado muitas vezes tarde a casa, ou por não ter estado com a filha tanto quanto deveria – mas por ter feito muitos anúncios com mulheres bonitas.
Costumo ter simpatia pelas discussões éticas em torno da publicidade. Sendo omnipresente nas nossas vidas, e com tanto dinheiro e interesses por trás, é altamente desejável que esta profissão se interrogue, aliás com muito mais frequência do que o faz, sobre os seus limites morais. Mas alguns raciocínios, como este de que a beleza na publicidade causa anorexia, parecem-me completamente ao lado.
Todas as sociedades têm os seus padrões de beleza – e todos nós corremos atrás deles, quase sempre sem sucesso. Não sei se a leitora, ou o leitor, é algum top model. Se for, faça o favor de deixar o seu contacto. Eu, como a maior parte das pessoas que conheço, não sou – com muita pena minha, aliás. Houve alturas, na adolescência e arredores, em que essa gritante injustiça do destino me deixou muito chateado. Depois, lá tive que encontrar formas de sobreviver, arranjar namorada e ter o sucesso que conseguisse, mesmo sem ser nenhum George Clooney. Com o leitor aconteceu a mesma coisa? Ora que coincidência.
Infelizmente há quem não lide tão bem com essas – e outras – pressões sociais. A pressão para termos dinheiro, por exemplo, leva algumas pessoas a roubar, outras a ser corruptas, outras a jogar, outras a cultivar a inveja e a ser infelizes para sempre. A pressão social para sermos limpinhos leva algumas pessoas à desordem obsessivo-compulsiva de lavar as mãos de dois em dois minutos. É um drama horrível. Mas não me parece que a publicidade dos sabonetes seja a culpada.
Não sou especialista na matéria, mas parece-me que na anorexia, por exemplo, há um problema emocional grave que apenas encontra um pretexto nas medidas das top models. Se esse pretexto não existisse, arranjava-se outro.
Responsabilizar a publicidade por esse tipo de coisas é o mais fácil – até por ser um alvo tão visível. Mas, mais uma vez, é atribuir a esta actividade um poder que ela não tem.
Por isso, se o tal amigo do Frederico Saldanha existe, o melhor é que dedique todo os minutos livres que conseguir a estar com a sua filha, assisti-la, dar-lhe o suporte de que ela provavelmente tem tanta falta. Depois, se sobrar tempo, continue a fazer anúncios com mulheres "lindas e magras". Só lhe vai fazer bem.
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Há 4 anos
4 comentários:
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