Hancock é um filme bizarro por muitas razões. Indeciso entre comédia e melodrama, com um enredo estapafúrdio que mistura demasiados clichés, não é diversão que eu recomende a ninguém. A não ser para matar o tempo, por exemplo num longo voo transatlântico como o que me levou, este fim de ano, ao Rio.
O facto é que, com essa desculpa de passar o tempo, acabei por prestar atenção a uma das esquisitices do enredo. É assim: Hancock, super-herói super-problemático (cliché nº 1), cai nas mãos de um sujeito bonzinho que decide salvá-lo (cliché nº 2), confrontando-o, através de uma espécie de terapia, com o seu verdadeiro eu (cliché nº 176). O interessante disso tudo, para mim: o tal sujeito bonzinho não é nenhum psicólogo, mas um “consultor de imagem”. Um marqueteiro, portanto, como você e eu.
O problema de identidade, afinal, era um problema de imagem. Ou, se quisermos, o problema de imagem era um problema de identidade. Nada que nós, do marketing, não encontremos no nosso trato com os clientes. Às vezes também nos caem nas mãos empresas mal vestidas, mal barbeadas, cumprindo mal e a contragosto a sua promessa de marca. Não se conhecem, não gostam de si próprias e estranham não ser amadas. Como o super-herói do filme.
A partir daí, a fórmula do “shrink movie” aplica-se lindamente, de facto, ao nosso trabalho. Ajudar o paciente a saber quem é. Fazê-lo recuperar (ou construir) uma memória partilhável. A imagem externa não vem necessariamente por último: o visual certo, o logotipo certo, a forma certa de comunicar costumam ser não a consequência, mas o catalisador desse reencontro com a própria identidade.
Fiquei a pensar que “Truth well told”, o slogan velhinho da McCann-Erickson, continua a ser uma excelente descrição do que a comunicação de marketing pode fazer de melhor. Os publicitários costumam concentrar as suas energias no “well told”. Mas a parte mais difícil, e de longe a mais interessante, é ajudar a empresa a descobrir qual é essa tal verdade que tem a comunicar. O que pode implicar, sim, uma espécie de terapia.
Hancock é um filme bizarro, bom no máximo para matar o tempo. Mas, espremendo bem, um marqueteiro consegue extrair alguma coisa de qualquer produto.
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Há 3 anos
1 comentário:
Viva,
vi este filme muito recentemente e a verdade é que fiquei exactamente com a mesma vontade de escrever sobre ele.
O bom do filme (que até tem piada) é reforçar com algum humor a importância da gestão da imagem (comportamento, look, etc.) até para um super herói... quem diria. Na verdade todos temos uma qualquer imagem/conjunto de ideias mentais a defender, a corrigir, a criar, em função de aonde queremos estar/chegar.
Gostei porque é daqueles exageros que nos traz alguma realidade.
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