14.1.13

Em defesa dos sound bites


Nos últimos dias estive a preparar um trabalho que me levou a olhar com mais atenção para a forma como comunicam os políticos – os nossos e, por exemplo, os americanos. Sobretudo quando vamos aos casos extremos, como um Barack Obama e um Cavaco Silva, a comparação é instrutiva. Permite compreender, pelo gritante contraste, o que torna os nossos governantes comunicadores tão desastrosos.

Obama, como os políticos e líderes empresariais americanos em geral, não trata a comunicação de forma amadora. O talento comunicacional do atual presidente está, é verdade, acima da média, mas de uma média que na América é altíssima. A sua presença, o à-vontade com multidões e câmaras garantiam-lhe, se perdesse a vaga na Casa Branca, uma carreira estelar na televisão ou em Hollywood.

Este estilo de política “à americana” é fácil de desvalorizar e caricaturar. É como se à coreografia superproduzida e à boa oratória devesse corresponder um défice de substância, e o brilhante comunicador que ocupa a presidência estivesse sempre a jogar apenas para os media e para a plateia.
Subjacente a essa visão está um preconceito contra a própria comunicação de massas – que impõe as suas exigências a quem quer que precise dela, seja para entreter, vender ou passar uma mensagem. Os dois primeiros usos, que determinam a natureza e o funcionamento dos mass media, de alguma forma contaminariam a “pureza” do discurso político – mas só aos olhos de quem acredita e valoriza essa pureza.

A mim, ao contrário, parece-me que o sistema americano, ao forçar a escolha de líderes que são também comunicadores, simplesmente valida a capacidade de comunicar como essencial à liderança. E, dentro dessa capacidade, valida também a aptidão para tirar partido de todas as plataformas disponíveis numa sociedade desenvolvida – seja um comício, um debate na televisão, a presença num talk show ou nas redes sociais.

Já a política europeia tem sido exímia em produzir maus comunicadores. E o caso português não podia ser mais ilustrativo.

Fala-se muito, por exemplo, na incapacidade do governo de dar sentido à famigerada austeridade com um discurso de esperança. Será talvez um problema de substância: os nossos “líderes” não conseguem mostrar a luz ao fim do túnel porque eles próprios não a vêem, e não a vêem porque não está lá.
Mas seguramente há também um problema de forma: uma incapacidade de traduzir os argumentos para seguir um caminho, sejam eles bons ou maus, num discurso perceptível e consistente. E, em seguida, de condensar esse discurso em ideias e fórmulas que, repetidas e difundidas de muitas maneiras, mobilizem as pessoas. Sound bites, se quisermos. Mas bons.

Independente da substância do discurso de Obama em 2008, a forma – encapsulada no “Yes, we can” – era imbatível. Quando, já reeleito, promete que para a América o melhor ainda está para vir, pode-se dizer que isto não é mais que uma profissão de fé – mas para que serve um líder se não tem uma fé contagiante? Como perguntava no Público de 10 de Novembro uma leitora, quando é que se viu um político português lançar um sound bite com essa ousadia? “Que se lixem as eleições” é o melhor que temos arranjado.

Como publicitário, sei que esperança é o que todos os anunciantes vendem. Há todo um know-how para criá-la, um know-how a que os detratores da minha profissão chamarão simplesmente manipulação. Mas as pessoas compram essa esperança, e pedem-na aos seus líderes, porque a esperança é um bem em si: mesmo quando não se cumpre (e nunca há garantias) permite que a vida avance.

Os americanos, que são muito melhores a vender do que os europeus, não têm qualquer pejo em transferir para a política o know-how e o ”ethos” da publicidade (ou, já agora, o da pregação religiosa – a outra escola de Obama). Sabem que os argumentos podem convencer e predispor, mas só as emoções mobilizam. Que uma mensagem eficaz tem que ter foco, clareza, coerência, impacto. E, principalmente, tem que traduzir uma compreensão genuína dos sentimentos da audiência – mesmo quando é para vender sangue, suor e lágrimas.

Quando é que os nossos políticos começam a prestar atenção?

Jayme Kopke
da Hamlet

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