27.9.03

Portugal Trade. Já tenho dito que concordo com o abandono do programa Marca Portugal e sua substituição pelo apoio às marcas portuguesas. Não percebo, todavia, que utilidade tem para essas marcas a aposição da chancela Portugal Trade nas suas peças de comunicação no estrangeiro. Se, lá fora, ninguém sabe o que isso significa, que benefício retirarão daí a as marcas que a utilizarem? Se, em contrapartida, a ideia do ICEP for promover no exterior essa chancela, não estaremos de volta ao projecto da Marca Portugal, com todas as consequências que isso implica?

25.9.03

Marketing & Marcas. Já deveria ter falado disto há muito tempo, mas nunca é tarde para saudar a criação do suplemento Marketing & Marcas pelo Diário Económico.

Sempre me pareceu que o peso desproporcionado concedido aos temas financeiros e a pouca importância concedida ao marketing pela imprensa de negócios portuguesa reflecte uma realidade empresarial mais orientada para o negocismo de vistas curtas do que para a inovação e a ousadia.

Esperemos que esta iniciativa do Diário Económico possa contribuir para ajudar a corrigir este lamentável estado de coisas.
Será impressão minha? Cá para mim, aqueles espectaculares anúncios que a Nike ou a Reebok fazem sobre futebol não reflectem, de forma nenhuma, o espírito do jogo. Será por serem concebidos por americanos que se entusiasmam tanto com este desporto como eu com o basebol?
Xau ou BMW. Segundo Eduardo Cintra Torres, a perda de audiências da TV generalista sugere que o seu modelo está esgotado. Numa peça sobre a TVI, afirma que ela tem de decidir agora se pretende fazer programas para vender intervalos ao Xau ou para os vender à BMW.

Para responder a esta questão basta fazer algumas contas simples. Quase toda a gente compra detergente quase todos os meses. Em contrapartida, nem toda a gente compra automóveis, e os que o fazem só trocam de veículo de seis em seis anos. Isso quer dizer que, em cada dado mês, não mais de 2% das famílias portuguesas estão no mercado para comprar automóvel. E, dessas, quantas serão compradoras de um carro da gama alta?

Está decidido: a TV generalista opta pelo Xau.

24.9.03

Fixo ou móvel? A PT Comunicações tomou há algum tempo a decisão corajosa de enfrentar a progressiva perda de tráfego dos telefones fixos para os telefones móveis, uma tendência que, naturalmente, prejudica a rentabilidade do seu negócio de transmissão de voz.

A novidade desta iniciativa resulta principalmente de pôr em confronto duas unidades de negócio do mesmo Grupo (a PT Comunicações e a TMN), algo a que não estávamos habituados em Portugal.

Trata-se de um interessante e complexo problema de marketing, que durante as últimas semanas repetidamente propus a diferentes grupos de alunos.

Nunca é demais repetir que, para decidir o que será melhor fazer, é preciso começar por entender qual é o problema. Ora, todas as discussões em que tenho participado sugerem que não temos aqui um, mas vários problemas.

Em primeiro lugar, temos a situação daqueles jovens que, ao saírem de casa dos seus pais, entendem não necessitar de um telefone fixo. Assim sendo, nem sequer se lhes põe a opção de usar o fixo ou o móvel quando estão em casa, porque, pura e simplesmente, não têm telefone fixo. O argumento mais escutado a favor da decisão de não ter telefone fixo é o de evitar pagar uma assinatura cujo preço é percebido como demasiado elevada para um serviço entendido como não essencial. Para alterar esta situação, seria preciso primeiro persuadi-los de que vale a pena ter um telefone fixo em casa, uma tarefa que me parece bem difícil.

Distinta é a situação das pessoas que, podendo optar, ligam pelo móvel mesmo quando poderiam usar o fixo. Não se pode ignorar, porém, que essa escolha pode ter uma multiplicidade de razões. Há quem use o móvel porque não quer esperar que outra pessoa acabe de usar o fixo. Há quem use o móvel porque não quer que as pessoas que estão na sala ouçam a sua conversa. Há quem use o móvel porque tem preguiça de levantar-se da cadeira para usar o fixo. Há quem use o móvel porque ligar de móvel para móvel é mais barato. Há quem use o móvel porque tem agenda incorporada. Há quem use o móvel porque tem SMS. E por aí fora...

Em resumo, há pessoas que usam o móvel porque, apesar do preço ser mais caro, lhes proporciona vantagens de comodidade. Mas também há quem use o móvel porque é mais barato. E há ainda quem use o móvel porque dispõe de certas funcionalidades não disponíveis no seu fixo. Trata-se obviamente, de situações muito diversas, a exigirem estratégias diversas de marketing e comunicação.

Antes de continuar o meu raciocínio gostaria, porém de alargar um pouco o âmbito desta discussão. É que me parece que, bem mais grave para a PT Comunicações do que as pessoas ligarem do móvel quando estão em casa é o facto de cada vez mais gente não estar disposta a esperar até chegar a casa para fazer as chamadas que precisa de fazer.

Acho que este é que é o cerne do problema: o telemóvel alterou irreversivelmente a nossa relação com o telefone. Agora, não somos nós que temos que estar junto do telefone para podermos comunicar, é o telefone que tem que estar connosco, e já. Com o telemóvel, a comunicação tornou-se uma coisa imediata, rápida, não planeada. Não precisamos de nos dirigir a um telefone, porque o telefone está aqui na nossa mão.

O lugar do telefone na nossa vida mudou. Antes, o lugar onde estava o telefone era um ponto âncora da família e das nossas relações: o lar era o sítio onde estava o telefone. Agora, o telefone vai connosco para a toda a parte, é um instrumento deste nomadismo moderno e cosmopolita que nos permite manter intactas as nossas relações independentemente do sítio onde nos encontremos.

Durante algum tempo, as pessoas tinham relutância em usar livremente o telemóvel, porque sabiam que era mais caro; mas, agora, usam-no de forma cada vez mais impensada, mesmo não ignorando que continua, em muitas situações, a ser mais caro. É claro que é mais caro, exactamente do mesmo modo que a TV Cabo é mais cara do que a recepção por antena, mas o facto é que cada vez menos gente se rala com issso.

Com tudo isto, o telefone fixo tornou-se um artefacto obsoleto, uma coisa da avozinha, um resquício de um tempo que, embora possa despertar alguma nostalgia, já não existe. Este é que me parece ser o problema central que é preciso enfrentar.

Para resolver isto, desconfio que não será suficiente dizer às pessoas que as chamadas móveis são mais caras, algo que, para além de nem sempre ser verdade, as pessoas já sabem.

O que é necessário é reposicionar o telefone fixo. Mas será isso possível?

Em primeiro lugar, o telefone fixo tem uma série de vantagens inquestionáveis sobre o móvel. Por exemplo: praticamente nunca ocorrem falhas de cobertura ou de ligação; não corre o risco de ficar sem bateria; os telefones não se avariam com tanta facilidade; os telefones não são roubados com tanta facilidade; os telefones não se perdem com tanta facilidade; nunca se tem que pagar as chamadas que os outros nos fazem.

Para além disso, o telefone fixo pode ter hoje muitas funcionalidades a que se habituaram os utilizadores dos telemóveis. Assim, basta não terem fios para que possam ser usados pela casa toda, o que já resolve muitos problemas. Depois, podem ter voice mail, transferência de chamadas, agenda, SMS, indicação de quem está a ligar ou ligou, toques personalizados, etc., etc. Aparentemente, uma grande maioria das pessoas não sabe disso.

Tudo isto é interessante, mas não é, a meu ver, decisivo. O telefone fixo só pode regressar ao centro das atenções se for reposicionado como um artefacto inovador, com potencial para simplificar a nossa vida e torná-la mais agradável. E isso só pode suceder se o fixo for associado a soluções tecnológicas de vanguarda.

Muito mais haveria a dizer sobre isto; mas, para já, fico-me por aqui.

22.9.03

Mais uma vez Europe’s West Coast. O Publicidade off-the-record teve a amabilidade de transcrever algumas linhas do meu comentário ao artigo do Pedro Bidarra Europe’s West Coast.

Lamento no entanto ter que dizer que, ao contrário do Publicidade off-the-record, não vejo nenhum mal em um publicitário divulgar num jornal as suas opiniões, nem entendo que faça nenhum sentido atribuir-lhe a intenção oculta de denegrir um colega de profissão.

O Pedro Bidarra limita-se a exprimir as suas ideias, de resto de forma exemplarmente bem fundamentada, sem usar argumentos especiosos e sem atacar quem quer que seja de forma enviezada.

Temos que nos habituar à ideia de que uma discussão séria não é um jogo de soma zero, em que uns ganham e outros perdem. Um bom debate enriquece-nos a todos, porque todos adquirimos uma perspectiva mais profunda sobre as coisas, quer mudemos ou não de opinião. O mais importante não é sequer ter-se razão, mas sim ser-se capaz de confrontar racionalmente pontos de vista.

Além do mais, entendo que discussões assim valorizam os publicitários enquanto profissionais aos olhos do público e dos gestores de marketing.

Não podemos nem devemos partir do princípio de que, se alguém manifesta uma opinião contrária a alguém é porque quer prejudicar esse alguém. Devemos abandonar essa forma mesquinha de ver as coisas.

Pela minha parte, conheço o Jorge Teixeira, e tenho uma excelente opinião dele; e não conheço o Pedro Bidarra, mas admiro o trabalho que ele faz. Finalmente, conheço algumas das pessoas do ICEP responsáveis pela aprovação das campanhas, e também entendo que se trata de gente qualificada. Não foi para provar que sou mais esperto do que qualquer dessas pessoas que exprimi a minha opinião, mas apenas porque o tema me pareceu tão aliciante e o artigo do Pedro tão estimulante que a minha cabeça se pôs a pensar sem pedir licença.

Fulanizar o debate é descer muito baixinho, e estou certo que não seria essa a ideia do Publicidade off-the-record.

Por isso, já sabem que, quando no futuro eu criticar esta ou aquela estratégia, esta ou aquela campanha, isso não implica nenhum ataque pessoal. Às vezes também faço ataques pessoais, mas podem ter a certeza de que não são encapotados.

17.9.03

Cost per time engaged. Eis uma ideia nova que me parece interessante.

Em mercados de bens ou serviços de baixo envolvimento, os consumidores não estão usualmente interessados em mais informação sobre os produtos. Por isso, a única forma de fazê-los prestar alguma atenção é recorrer a alguma forma de entretenimento atraente para o público alvo em causa. Assim se consegue, como sabemos, o milagre de os consumidores interromperem durante 30 segundos o curso normal das suas vidas para assistirem a um spot publicitário de um produto trivial.

O resultado é que a marca é trazida para a frente da cena durante o tempo que dura a relação do consumidor com o anúncio, o que por sua vez aumenta a sua saliência no mercado. Em mercados de compra repetida de baixo envolvimento, isso pode ser suficiente para aumentar as taxas de experimentação ou consolidar a penetração da marca.

Ora bem, se assumirmos como objectivo assegurar que os consumidores se envolvam durante o máximo tempo possível com a nossa marca, torna-se claro que isso pode ser conseguido criando formas de entretenimento que durem não 30 segundos mas, idealmente, 30 minutos. É isso que justifica a crescente popularidade de técnicas de marketing relacional que exploram o impacto promocional de jogos interactivos que, ainda por cima, podem suscitar a criação de comunidades de consumidores que se mobilizam para levar a cabo em grupo as suas actividades favoritas.

Daí o surgimento de um novo conceito de avaliação de media: o cost per time engaged.
«Já só falta a sande» Basta uma frase assim num cartaz a promover a Mini e lá regressa, como um fantasma, a imagem da Sagres como a cerveja dos saloios. Descuido?

16.9.03

Portugal dos pequeninos. Não dispondo de verbas suficientes para fazer publicidade no exterior, o ICEP insiste em campanhas pueris de mobilização do país para tratar bem os estrangeiros, principalmente na sua qualidade de empregados de restaurante, polícias e bombeiros, como vemos na campanha em que Scolari convoca todos os portugueses para a selecção.

Assim, a função do ICEP parece ser principalmente a de apelar ao povo para que se porte bem ou, como li no jornal: «Apelar às pessoas para a responsabilidade da sua participação». Entre ICEP de hoje e o SNI de António Ferro (o verdadeiro inventor da marca Portugal) pouca diferença parece haver.

Não questionarei aqui o significado político destas acções de propaganda orientadas para a mobilização das massas, apesar de indiciarem um modelo de organização social de que frontalmente discordo.

A principal questão que agora quero levantar tem a ver com a eficácia extra-ideológica destes exercícios, ou seja, com a sua eficácia enquanto acções de comunicação de marketing.

Na minha cartilha, campanhas destas, primordialmente orientadas para a lavagem ao célebro, não têm qualquer eficácia. Mas talvez eu ande a ler os livros errados.

Sobre a promoção internacional do Euro 2004. Anunciam os jornais do fim de semana que a campanha interna e externa para a promoção Euro 2004 vai custar 3 milhões de euros, ou seja, 600 mil contos.

Seiscentos mil contos dá para fazer uma campanha fortíssima em Portugal, uma campanha jeitosinha em Espanha ou uma campanha invisível na Europa. Parece muito dinheiro, mas não é.

Se bem me recordo, o orçamento publicitário para a Expo 98 de Lisboa ascendeu a cerca de 8 milhões de contos. Em contrapartida, o da Expo 92 de Sevilha montou a 80 milhões de contos.

Estamos aqui, mais uma vez, confrontados com uma realidade que custa muito a entrar nas nossas cabeças: o país não tem dimensão nem, por conseguinte, recursos para fazer investimentos publicitários internacionais que se vejam. É claro que a raiz desta teimosia cega em persistir num caminho que custa dinheiro mas não nos traz nem fama nem glória reside na tentativa de nos colocarmos no mesmo patamar de visibilidade e projecção que a Espanha, um propósito antecipadamente votado ao fracasso, tal a diferença de escala entre os dois países.

Também segundo os jornais do fim de semana, a campanha internacional vai decorer nos meses de Outubro e Novembro, nomeadamente com anúncios duplos nas páginas das revistas Time, Newsweek, The Economist, Business Week e International Herald Tribune. Seria muito interessante ter acesso à avaliação deste plano de media mas, na sua ausência, dá vontade de perguntar duas coisas: a) Porque é que o plano privilegia publicações americanas (4 em 5), embora se subentenda que o anúncio só sairá nas edições distribuidas na Europa?; b) Que espécie de afinidade existe entre os leitores destas publicações e as pessoas que se interessam por futebol?; c) Porque é que não foram antes seleccionadas publicações desportivas?

Estas perguntas fazem especialmente sentido porque a campanha (cujo slogan é «In Portugal, extra time is always the best part of the game») é orientada para persuadir os adeptos do futebol que tencionam deslocar-se a Portugal a ficarem mais uns dias para conhecerem o país. Naturalmente, estas pessoas lêem mais La Marca ou L’Équipe do que The Economist.

Sucede, porém, que as minhas perguntas são retóricas, porque eu já sei a resposta. Muito provavelmente, a agência de meios que preparou o plano pensou nas mesmas coisas que eu, e noutras do estilo. Pura e simplesmente, o orçamento que lhes foi indicado não era suficiente para fazer um bom plano de meios.

Temos, assim, mais uma campanha internacional que vai ter um impacto negligenciável. É lícito concluir, portanto, que só se faz esta campanha para, cá dentro, os portugueses acharem que se está a fazer alguma coisa. Não fosse assim, teríamos toda a imprensa e toda a oposição a gritarem que o governo não faz nada para promover o Euro 2004.

Ora eu acho que tudo isto se baseia numa grande incompreensão do que é o Euro 2004 e das vantagens que tem para o país. A própria ideia de que é preciso investir para promover o Euro 2004 é absurda, dado que esse evento se promove a si próprio. Tal como, em 2001 e 2002, todos em Portugal sabíamos que a nossa selecção lutava para se qualificar para o Mundial da Coreia e do Japão, lá fora já toda a gente sabe que as respectivas selecções procuram apurar-se para o Euro de Portugal. Quem tiver dúvidas pode tirá-las ligando de vez em quando o canal Eurosport.

Acresce que esta publicidade grátis (mais correcto seria chamar-lhe publicity) se prolonga ao longo de horas e horas durante meses e meses em dezenas de países. É preciso ter consciência de que os menos de 30 milhões de contos que o Estado português gastou no Euro 2004 não seriam suficientes para pagar o espaço publicitário de que o país assim beneficia.

Neste contexto, que valor têm os seiscentos mil contos que o ICEP vai gastar?

Uma resposta possível é que as meras menções a Portugal apenas afectam a notoriedade do país, ao passo que a publicidade permite trabalhar a sua imagem. Mas alguém acredita seriamente que uma campanha que só é vista por uma parte ínfima do público alvo, e ainda por cima tão poucas vezes, tem algum poder real para afectar positivamente a imagem do país? Claramente, uma campanha assim encontra-se abaixo do patamar mínimo de visibilidade.

Pode o Euro 2004 atrair muitos turistas a Portugal? Claro que sim, mas o efeito principal não resultará do acréscimo de receitas das pessoas que virão assistir a jogos e que poderão ficar mais uns dias. Esses serão, no máximo, umas dezenas de milhar, número insignificante num país que é visitado anualmente por milhões de estrangeiros.

O principal efeito do Euro resultará da maior visibilidade de que o país beneficiará durante um período de tempo concentrado. Essa visibilidade traduzir-se-á em maior saliência, e levará mais pessoas a colocaram Portugal entre os possíveis destinos de férias. É um bocadinho como pôr o país numa montra, que é o modo essencial como a publicidade funciona.

Pode portanto o governo estar descansado que o Euro 2004 vai aumentar significativamente as receitas turísticas, sem que para isso precise de fazer seja o que for.

9.9.03

Let’s go to Portugal, daddy! I heard they’re repositioning. Se não fosse a oportuna chamada de atenção de um amigo, ter-me-ía passado completamente despercebido o interessantíssimo artigo do Pedro Bidarra saído no Público do passado dia 28 de Agosto. Trata do modo como a publicidade do ICEP posiciona Portugal, um tema cuja importância não pode ser subestimada.

Recomendo entusiasticamente a sua leitura. Em primeiro lugar porque me fez pensar, que é a melhor coisa que se pode dizer. Em segundo lugar, porque concordo inteiramente com a crítica demolidora que faz à campanha do ICEP. Quanto à solução proposta, já não me parece tão feliz, mas vamos por partes.

O slogan escolhido pelo ICEP parece-me francamente mau. Take a break from the rest of the world é uma ideia apropriadamente megalómana, desgraçadamente muito portuguesa, bem na linha dos «egrégios avós» e quejandas manias das grandezas. Assim de repente, lembro-me de uma quantidade de locais mais sossegados do que Portugal. Mas muitas pessoas continuam a achar Portugal um país completamente diferente de tudo resto, na linha de slogans do tipo «jardim à beira mar plantado» ou «segredo melhor guardado da Europa», que só nos ridicularizam perante os outros e nos envergonham perante nós próprios.

Não posso também deixar de recordar que essa estratégia é de uma enorme fragilidade: não nos esqueçamos de que, há pouco mais de um ano, Bali poderia dizer a mesma coisa. Depois, não estou certo de que os turistas se deixem afectar excessivamente pelo receio de ataques terroristas: se assim fosse, ninguém iria passar férias a Espanha.

Acompanho Bidarra em tudo o que ele diz sobre as conotações de um país à margem e acho especialmente certeiras as observações sobre o Sul em que genericamente nos posicionamos.

Mas tenho dificuldade em acompanhá-lo na solução que propõe. Diz ele, mais uma vez correctamente, que a mudança do país não é uma tarefa do marketing e da comunicação. Mas acrescenta que já o é a mudança de percepções desfasadas da realidade, como é o caso da ideia retrógrada que os estrangeiros fazem de Portugal. Sendo um facto que Portugal mudou muito nos últimos anos, haveria aqui, segundo ele, uma oportunidade para reajustar as velhas percepções à nova realidade.

Começarei por notar que o país mudou de facto muito em aspectos que, embora importantes para nós, são relativamente superficiais; mas mudou pouco na sua identidade profunda. Estou convencido, aliás, de que nesse particular mudará tanto nos próximos mil anos como nos últimos mil.

Por outro lado, duvido seriamente de que a publicidade tenha o poder de alterar a percepção que as pessoas têm de um país. Se formos a ver, as percepções dos italianos no exterior não mudaram sensivelmente desde a Renascença; nem as dos alemães desde a Reforma; nem as dos chineses desde Marco Pólo; nem as dos árabes desde as Cruzadas. Porquê? Porque, como Ries e Trout repetidamente afirmam no seu livro Posicionamento, uma vez que as pessoas se fixam numa determinada ideia, é muito difícil demovê-las.

Portanto, o que há a fazer não é mudar as percepções, mas usá-las a nosso favor. Isto pode fazer-se porque as percepções são um fenómeno complexo, querendo eu com isto dizer que são compostas de vários elementos que parcialmente se contradizem. Assim, cada característica pode ser encarada de duas perspectivas diferentes: a capacidade de improviso, por exemplo, traduz simultaneamente desorganização e iniciativa. O juízo pode ser positivo ou negativo, conforme o ângulo de que consideremos a coisa. Logo a solução é, muito simplesmente, insistirmos no lado que mais nos favorece.

Esta é uma técnica publicitária muito batida, mas sempre actual. As pessoas acham que o Alfa Romeo é um carro lindo e infiável. Posso argumentar com base na minha experiência própria que não é tão infiável assim, mas não tenho esperanças de convencer muita gente. Inversamente, só gente sem gosto poderá negar que os carros são lindos de morrer; aqui, encontro-me em terreno seguro. Por isso, o que a publicidade ao Alfa Romeo tem que fazer não é teimar que o carro é ultra fiável, mas relativizar essa percepção insistindo na excelência das suas linhas.

Voltando ao turismo, o problema prático principal que se põe à publicidade de Portugal enquanto destino turístico é este: a curto e médio prazo (horizonte em que se coloca Bidarra logo na primeira frase do seu artigo) o que atrai turistas é confirmar os seus preconceitos, por muito desadequados e injustos que eles nos pareçam. Qualquer esforço para mudar a ideia do país só pode resultar, se resultar, a muito longo prazo.

A mim sempre me pareceu que é muito difícil o ICEP aprovar publicidade turística eficaz, porque, compreensivelmente, os seus dirigentes estão mais preocupados em veicular uma imagem que eles consideram ser aquela a que o país tem direito do que aquela que os estrangeiros há séculos têm de nós. O problema é que a boa imagem de Portugal é algo que só nos interessa a nós; desse modo, acabamos a fazer publicidade para nós próprios vermos, o que não seria propriamente a ideia.

Se alguém quer saber o que apreciam em Portugal os estrangeiros que gostam de nós, sugiro que vejam os primeiros 15 minutos do Lisbon Story do Wim Wenders. E não digo mais nada.

Finalmente, ao contrário do que Bidarra pressupõe, eu acho que Europe´s West Coast não tem as conotações que ele imagina. Nem percebo porque é que, ouvindo falar da West Coast (que, afinal, só quer dizer Costa Ocidental), as pessoas se hão-de lembrar da Califórnia, de Hollywood e de Sillicon Valley e não da África Ocidental, da guerra civil da Libéria ou da cópia da basílica de S. Pedro construída na selva da Costa do Marfim. Não será isso uma ilusão de óptica muito portuguesa? Wishful thinking, parece-me. Além disso, a ideia de posicionar Portugal como a Califórnia da Europa não é nova. Na verdade, ouço falar disso desde que me conheço.

Desgraçadamente, acredito que a imagem que no exterior se tem de Portugal reflecte razoavelmente bem a realidade do país. É certo que as percepções se atrasam em relação à realidade, mas não muito. Nós, os que trabalhamos em marketing e publicidade, gostamos de acreditar que podemos fazer algo a favor do nosso país. É natural e só nos fica bem, mas é preciso cuidado para não cairmos no completo irrealismo.

Por tudo isto, a minha proposta é muito simples: não uma revolução, impossível e ineficaz, da imagem do país, mas uma evolução progressiva do seu posicionamento a partir do ponto em que actualmente se encontra, o que se consegue reforçando os seus aspectos positivos e desvalorizando ou relativizando indirectamente os negativos. Não é nada de glorioso mas, acredito eu, é a única coisa que se pode razoavelmente esperar poder fazer.

E dito isto, obrigado pela vossa paciência.

8.9.03

O persuasor oculto. Os lisboetas depararam há alguns dias com publicidade outdoor colocada nas ruas Braancamp e Camilo Castelo Branco (não sei se haverá também noutros sítios) que diz mais ou menos o seguinte: “Espero que tenha reparado. A Rua Xis foi pavimentada.”

Deixando de lado o aspecto especificamente político da coisa, sou de opinião de que se trata de um exemplo de boa técnica publicitária.

Não há dúvida de que, se ninguém nos chamar a atenção, somos capazes de não notar que a rua foi repavimentada. Ao fim e ao cabo, o que se exige é exactamente que o piso das ruas esteja em bom estado. Nunca é demais chamar a atenção para o óbvio, porque fazê-lo é puxar aquilo que anunciamos para o centro das atenções, é destacá-lo de um fundo indiferente de acontecimentos de que não nos damos conta.

Essa é precisamente uma das funções básicas da publicidade: levar os consumidores a atentarem durante alguns segundos em algo por norma muito pouco importante para as suas vidas e que, por conseguinte, facilmente passaria desapercebido.

Além disso, mesmo que já tivéssemos notado que o piso da rua foi melhorado e que o tivéssemos apreciado, os mencionados cartazes cumpririam ainda assim a função de reforçar essa observação e de recordar que, se beneficiamos de uma condução sem sobressaltos, à Câmara Municipal de Lisboa o devemos.

Ou talvez não precisamente à Câmara, dado que o cartaz está escrito na primeira pessoa do singular: “Espero que já tenha reparado.” Quem fala connosco não é, portanto, uma entidade abstracta, a saber a Câmara, mas uma pessoa concreta, alguém que vela por nós e nos cumprimenta ao passarmos pela rua. Será preciso dizer o seu nome?

5.9.03

Outra vez «Não, falei com o teu». Há tão poucas oportunidades de dizer bem de uma campanha publicitária em Portugal que é preciso aproveitá-las.

Voltando à campanha do BES, ela parte de um facto simples e irrefutável: mais de 30% das pessoas que contraem um empréstimo à habitação no BES são clientes de outros bancos. Isto insinua mansamente que os clientes dos outros bancos vêm ao BES à procura de algo que eles não lhes oferecem.

Na verdade, estou convencido de que também os outros bancos poderiam dizer a mesma coisa, ou seja, talvez eles também façam créditos à habitação a muita gente que tem conta noutro sítio. O problema é que nunca lhes ocorreu dizê-lo! Azar.

Trata-se, portanto, de um excelente exemplo de antecipação estratégica. Quando toda a gente pode alegar algo apelativo para o consumidor, mas só uma marca o faz, essa marca apropria-se dessa ideia e de nada vale virem as outras depois dizerem que também fazem ou também podem ou também são.

Em seguida, o BES, muito inteligentemente, em vez de sugerir que toda a gente faça lá o crédito à habitação, sugere apenas que falem com ele, o que é tanto mais razoável quanto é facto que as pessoas costumam, nestas situações, falar com vários bancos.

Resultado previsível: deve ser hoje enorme a percentagem de clientes potenciais que se dirigem hoje aos balcões do BES para solicitar uma proposta. Porquê? Porque o nome do BES ocorre naturalmente, por força da publicidade, a todas as pessoas que planeiam comprar uma casa.

Para encurtar razões é a isto que se chama uma boa estratégia de comunicação: simples, relevante, motivadora e convincente. Mas é claro que a execução criativa, sempre inesperada e surpreendente. também tem a sua quota parte no sucesso da campanha.

4.9.03

Celebridades desconhecidas. Muito bem gente, eu incluído, mantem as mais fundadas suspeitas em relação à eficácia da utilização das celebridades na publicidade.

Uma coisa que me intriga há anos é a presença da Fernanda Serrano na publicidade do BPI. Cá para mim, o BPI tem mais notoriedade, saliência e credibilidade do que a Fernanda, pelo que, das duas partes, é a segunda que tem tudo a ganhar. Mas enfim, talvez eu não esteja a ver alguma coisa.

Agora, porém, noto uma nova moda: a utilização na publicidade de «celebridades» que ninguém conhece. Pergunto eu: «Quem é aquele no anúncio de champôs?» «Não conheces? É o Pedro Granger!» Muito prazer, mas constato que muitas outras pessoas também não conhecem.

Os anunciantes também já perceberam que nós não sabemos quem eles são, porque escrevem o nome deles por baixo. Mesmo assim, deveriam acrescentar mais alguma informação, como aquele sujeito que assinava um artigo «Manuel Freches, deputado», porque, se não o fizesse, ninguém imaginava quem fosse, apesar de ter sido eleito por milhões de portugueses.

Agora mesmo vi um spot com um carinha laroca identificado como Ben Affleck. Depois de identificado, explicaram-me: «Não te lembras? É aquele actor do Pearl Harbour.» Mas porque é que eu haveria de me lembrar de um actor medíocre de um filme de terceira categoria?

Esta publicidade é sem dúvida boa para as celebridades. Falta saber se será boa para marcas, mas vocês já adivinharam o que eu penso.
Bacalhau ao mar! Ao que parece, o sr. Manuel Ferreira, Director de Compras do Pingo Doce, vai para o mar com os pescadores da Noruega para se assegurar de que o bacalhau que encomenda é mesmo bom.

Porque é que esta história não cola?

Em primeiro lugar, há o problema do nome. Pior do que Manuel Ferreira, só mesmo se o homem se chamasse António Santos ou José Silva. Talvez ele se chame mesmo Manuel Ferreira (eu duvido), mas um nome assim tão corriqueiro tira logo verdade à coisa. Era preferível um nome com personalidade como
Joaquim Pamplinas, Miguel Sarrabulho ou Durão Barroso.

Depois - e isto é mais sério - será que a qualidade do bacalhau se garante indo à pesca para o mar alto? Não me cheira.

Mas há mais. Todos sabemos - ou julgamos saber - que, com a possível excepção da área de frescos, os supermercados são todos iguais e vendem os mesmos produtos. Mas precisamente o bacalhau não é um produto fresco, e nós não estamos à espera de encontrar no Pingo Doce um bacalhau melhor do que nos outros supermercados. Nem queremos obrigar o pobre do sr. Ferreira a ir tão longe para obter um resultado tão vulgar.

Finalmente, a própria estratégia criativa deste spot é um mistério para mim. Onde é que se quer chegar com isto? Que raio de diferenciação é esta que se pretende conseguir e porquê? Que sentido faz esta utilização do pseudo-chefe de compras como porta-voz da empresa? O Pingo Doce tem algum problema de crediblidade?

Em resumo: um tiro na água.
Pensar cansa. Tenho constatado que o ensino do marketing é frequentemente centrado em palestras de professores que, em tom grandiloquente, discursam sobre assuntos de que nada conhecem excepto a terminologia. Assim sendo, teremos de aceitar como boa aquela afirmação de um cí­nico segundo o qual uma profissão é principalmente uma conspiração contra os leigos.

É claro que, nesta circunstâncias, tão pouco a discussão de casos de estudo conduz a um real domínio das matérias, na medida em que se traduz num desfiar de lugares comuns, mediante o qual o aluno ascende ao ní­vel de ignorância do putativo mestre. A inclinação natural dos alunos é para não discutirem muito, porque pode parecer indelicado; nem aprofundarem muito, para não correrem o risco de errarem - eles sabem que a curiosidade e o questionamento não são atitudes valorizadas e, por isso, tentam primeiro adivinhar o que se espera que eles digam, para então o dizerem. Para eles, a questão mais importante não: o que será mais indicado fazer nestas circunstâncias? Mas sim: o que pensará o professor sobre isto? Predomina uma atitude defensiva, medrosa quase. Logo que parece emergir um consenso, a discussão morre e a anomia colectiva triunfa sobre a ousadia do raciocí­nio individual. E, de facto, para quê raciocinar, quando qualquer aluno minimamente experiente sabe perfeitamente que isso só pode trazer-lhe problemas?

Uma das consequências deste método é que as soluções surgem antes da análise e da compreensão dos problemas. As soluções têm que ser as do costume, as triviais, as habitualmente aceites. Não há nada que inventar - para quê correr riscos? Parece a muitos estranha essa ideia singular segundo a qual a análise deve preceder a conclusão, dado que, no sistema escolástico, a solução está já disponÃível numa qualquer escritura, que pode ser, por exemplo, o manual do Kotler.

É claro - deveria ser claro - que, sem curiosidade nem pensamento ousado, sem se correr o risco do erro, não há nunca verdadeira apropriação dos conceitos essenciais pelos alunos. Eles nunca vão perceber verdadeiramente, por exemplo, o que é o posicionamento se não forem confrontados com as dificuldades e limitações da sua utilização prática, ou até com a sua inaplicabilidade em determinadas circunstâncias. Em vez de formarem especialistas, as escolas estão, assim, a distribuir diplomas a pessoas que asseguram que, nas empresas, ninguém vai tratar seriamente dos problemas de marketing das empresas. Esta incapacidade de pensar emperra qualquer pretensão de criar ou fortalecer empresas baseadas no conhecimento, facto especialmente grave nos tempos que correm e no mundo em que vivemos. Se persistirmos neste caminho não poderemos, depois, espantarmo-nos com o fraquí­ssimo desempenho das nossas empresas.

3.9.03

Andrew Ehrenberg. Vi pela primeira vez mencionado o nome de Ehrenberg no livro de David Ogilvy «On Advertising» como «one of the best minds in marketing today». Estranhei, porque nunca tinha ouvido falar da criatura.

Anos mais tarde, ao ler «How Ads Work» de John Philip Jones, fiquei a saber algo sobre as suas ideias e tive vontade de saber ainda mais. Nessa altura, creio que em 1998, estava eu a concluir o meu livro «Comunicação de Marketing», mas o que aprendi com Ehrenberg levou-me a atrasar a sua edição quase quatro anos, o tempo necessário para escrever um novo capítulo sobre o modo como a publicidade afecta o comportamento de compra dos consumidores e introduzir profundas alterações em diversas partes do texto, por ter concluído que muitas das coisas que eu dizia eram erradas.

O ponto decisivo é que, se o que Ehrenberg afirma está certo (e o facto de, ao contrário de outros, ele basear as suas alegações num estudo aprofundado dos factos, sugere que deve estar), então boa parte do que nos ensina a tradição liderada por Philip Kotler está errado.

Depois de muitos anos a pregar no deserto, parece que finalmente Ehrenberg começa a ser ouvido pelos profissionais de marketing e publicidade. Voltarei a este assunto proximamente para falar sobre as suas ideias e a sua relevância para todos nós. Entretanto, quem não tiver paciência para esperar pode consultar já o meu livro.