Let’s go to Portugal, daddy! I heard they’re repositioning. Se não fosse a oportuna chamada de atenção de um amigo, ter-me-ía passado completamente despercebido o interessantíssimo artigo do Pedro Bidarra saído no Público do passado dia 28 de Agosto. Trata do modo como a publicidade do ICEP posiciona Portugal, um tema cuja importância não pode ser subestimada.
Recomendo entusiasticamente a sua leitura. Em primeiro lugar porque me fez pensar, que é a melhor coisa que se pode dizer. Em segundo lugar, porque concordo inteiramente com a crítica demolidora que faz à campanha do ICEP. Quanto à solução proposta, já não me parece tão feliz, mas vamos por partes.
O slogan escolhido pelo ICEP parece-me francamente mau.
Take a break from the rest of the world é uma ideia apropriadamente megalómana, desgraçadamente muito portuguesa, bem na linha dos «egrégios avós» e quejandas manias das grandezas. Assim de repente, lembro-me de uma quantidade de locais mais sossegados do que Portugal. Mas muitas pessoas continuam a achar Portugal um país completamente diferente de tudo resto, na linha de slogans do tipo «jardim à beira mar plantado» ou «segredo melhor guardado da Europa», que só nos ridicularizam perante os outros e nos envergonham perante nós próprios.
Não posso também deixar de recordar que essa estratégia é de uma enorme fragilidade: não nos esqueçamos de que, há pouco mais de um ano, Bali poderia dizer a mesma coisa. Depois, não estou certo de que os turistas se deixem afectar excessivamente pelo receio de ataques terroristas: se assim fosse, ninguém iria passar férias a Espanha.
Acompanho Bidarra em tudo o que ele diz sobre as conotações de um país à margem e acho especialmente certeiras as observações sobre o Sul em que genericamente nos posicionamos.
Mas tenho dificuldade em acompanhá-lo na solução que propõe. Diz ele, mais uma vez correctamente, que a mudança do país não é uma tarefa do marketing e da comunicação. Mas acrescenta que já o é a mudança de percepções desfasadas da realidade, como é o caso da ideia retrógrada que os estrangeiros fazem de Portugal. Sendo um facto que Portugal mudou muito nos últimos anos, haveria aqui, segundo ele, uma oportunidade para reajustar as velhas percepções à nova realidade.
Começarei por notar que o país mudou de facto muito em aspectos que, embora importantes para nós, são relativamente superficiais; mas mudou pouco na sua identidade profunda. Estou convencido, aliás, de que nesse particular mudará tanto nos próximos mil anos como nos últimos mil.
Por outro lado, duvido seriamente de que a publicidade tenha o poder de alterar a percepção que as pessoas têm de um país. Se formos a ver, as percepções dos italianos no exterior não mudaram sensivelmente desde a Renascença; nem as dos alemães desde a Reforma; nem as dos chineses desde Marco Pólo; nem as dos árabes desde as Cruzadas. Porquê? Porque, como Ries e Trout repetidamente afirmam no seu livro
Posicionamento, uma vez que as pessoas se fixam numa determinada ideia, é muito difícil demovê-las.
Portanto, o que há a fazer não é mudar as percepções, mas usá-las a nosso favor. Isto pode fazer-se porque as percepções são um fenómeno complexo, querendo eu com isto dizer que são compostas de vários elementos que parcialmente se contradizem. Assim, cada característica pode ser encarada de duas perspectivas diferentes: a capacidade de improviso, por exemplo, traduz simultaneamente desorganização e iniciativa. O juízo pode ser positivo ou negativo, conforme o ângulo de que consideremos a coisa. Logo a solução é, muito simplesmente, insistirmos no lado que mais nos favorece.
Esta é uma técnica publicitária muito batida, mas sempre actual. As pessoas acham que o Alfa Romeo é um carro lindo e infiável. Posso argumentar com base na minha experiência própria que não é tão infiável assim, mas não tenho esperanças de convencer muita gente. Inversamente, só gente sem gosto poderá negar que os carros são lindos de morrer; aqui, encontro-me em terreno seguro. Por isso, o que a publicidade ao Alfa Romeo tem que fazer não é teimar que o carro é ultra fiável, mas relativizar essa percepção insistindo na excelência das suas linhas.
Voltando ao turismo, o problema prático principal que se põe à publicidade de Portugal enquanto destino turístico é este: a curto e médio prazo (horizonte em que se coloca Bidarra logo na primeira frase do seu artigo) o que atrai turistas é confirmar os seus preconceitos, por muito desadequados e injustos que eles nos pareçam. Qualquer esforço para mudar a ideia do país só pode resultar, se resultar, a muito longo prazo.
A mim sempre me pareceu que é muito difícil o ICEP aprovar publicidade turística eficaz, porque, compreensivelmente, os seus dirigentes estão mais preocupados em veicular uma imagem que eles consideram ser aquela a que o país tem direito do que aquela que os estrangeiros há séculos têm de nós. O problema é que a boa imagem de Portugal é algo que só nos interessa a nós; desse modo, acabamos a fazer publicidade para nós próprios vermos, o que não seria propriamente a ideia.
Se alguém quer saber o que apreciam em Portugal os estrangeiros que gostam de nós, sugiro que vejam os primeiros 15 minutos do
Lisbon Story do Wim Wenders. E não digo mais nada.
Finalmente, ao contrário do que Bidarra pressupõe, eu acho que
Europe´s West Coast não tem as conotações que ele imagina. Nem percebo porque é que, ouvindo falar da
West Coast (que, afinal, só quer dizer Costa Ocidental), as pessoas se hão-de lembrar da Califórnia, de Hollywood e de Sillicon Valley e não da África Ocidental, da guerra civil da Libéria ou da cópia da basílica de S. Pedro construída na selva da Costa do Marfim. Não será isso uma ilusão de óptica muito portuguesa?
Wishful thinking, parece-me. Além disso, a ideia de posicionar Portugal como a Califórnia da Europa não é nova. Na verdade, ouço falar disso desde que me conheço.
Desgraçadamente, acredito que a imagem que no exterior se tem de Portugal reflecte razoavelmente bem a realidade do país. É certo que as percepções se atrasam em relação à realidade, mas não muito. Nós, os que trabalhamos em marketing e publicidade, gostamos de acreditar que podemos fazer algo a favor do nosso país. É natural e só nos fica bem, mas é preciso cuidado para não cairmos no completo irrealismo.
Por tudo isto, a minha proposta é muito simples: não uma revolução, impossível e ineficaz, da imagem do país, mas uma evolução progressiva do seu posicionamento a partir do ponto em que actualmente se encontra, o que se consegue reforçando os seus aspectos positivos e desvalorizando ou relativizando indirectamente os negativos. Não é nada de glorioso mas, acredito eu, é a única coisa que se pode razoavelmente esperar poder fazer.
E dito isto, obrigado pela vossa paciência.