24.9.03

Fixo ou móvel? A PT Comunicações tomou há algum tempo a decisão corajosa de enfrentar a progressiva perda de tráfego dos telefones fixos para os telefones móveis, uma tendência que, naturalmente, prejudica a rentabilidade do seu negócio de transmissão de voz.

A novidade desta iniciativa resulta principalmente de pôr em confronto duas unidades de negócio do mesmo Grupo (a PT Comunicações e a TMN), algo a que não estávamos habituados em Portugal.

Trata-se de um interessante e complexo problema de marketing, que durante as últimas semanas repetidamente propus a diferentes grupos de alunos.

Nunca é demais repetir que, para decidir o que será melhor fazer, é preciso começar por entender qual é o problema. Ora, todas as discussões em que tenho participado sugerem que não temos aqui um, mas vários problemas.

Em primeiro lugar, temos a situação daqueles jovens que, ao saírem de casa dos seus pais, entendem não necessitar de um telefone fixo. Assim sendo, nem sequer se lhes põe a opção de usar o fixo ou o móvel quando estão em casa, porque, pura e simplesmente, não têm telefone fixo. O argumento mais escutado a favor da decisão de não ter telefone fixo é o de evitar pagar uma assinatura cujo preço é percebido como demasiado elevada para um serviço entendido como não essencial. Para alterar esta situação, seria preciso primeiro persuadi-los de que vale a pena ter um telefone fixo em casa, uma tarefa que me parece bem difícil.

Distinta é a situação das pessoas que, podendo optar, ligam pelo móvel mesmo quando poderiam usar o fixo. Não se pode ignorar, porém, que essa escolha pode ter uma multiplicidade de razões. Há quem use o móvel porque não quer esperar que outra pessoa acabe de usar o fixo. Há quem use o móvel porque não quer que as pessoas que estão na sala ouçam a sua conversa. Há quem use o móvel porque tem preguiça de levantar-se da cadeira para usar o fixo. Há quem use o móvel porque ligar de móvel para móvel é mais barato. Há quem use o móvel porque tem agenda incorporada. Há quem use o móvel porque tem SMS. E por aí fora...

Em resumo, há pessoas que usam o móvel porque, apesar do preço ser mais caro, lhes proporciona vantagens de comodidade. Mas também há quem use o móvel porque é mais barato. E há ainda quem use o móvel porque dispõe de certas funcionalidades não disponíveis no seu fixo. Trata-se obviamente, de situações muito diversas, a exigirem estratégias diversas de marketing e comunicação.

Antes de continuar o meu raciocínio gostaria, porém de alargar um pouco o âmbito desta discussão. É que me parece que, bem mais grave para a PT Comunicações do que as pessoas ligarem do móvel quando estão em casa é o facto de cada vez mais gente não estar disposta a esperar até chegar a casa para fazer as chamadas que precisa de fazer.

Acho que este é que é o cerne do problema: o telemóvel alterou irreversivelmente a nossa relação com o telefone. Agora, não somos nós que temos que estar junto do telefone para podermos comunicar, é o telefone que tem que estar connosco, e já. Com o telemóvel, a comunicação tornou-se uma coisa imediata, rápida, não planeada. Não precisamos de nos dirigir a um telefone, porque o telefone está aqui na nossa mão.

O lugar do telefone na nossa vida mudou. Antes, o lugar onde estava o telefone era um ponto âncora da família e das nossas relações: o lar era o sítio onde estava o telefone. Agora, o telefone vai connosco para a toda a parte, é um instrumento deste nomadismo moderno e cosmopolita que nos permite manter intactas as nossas relações independentemente do sítio onde nos encontremos.

Durante algum tempo, as pessoas tinham relutância em usar livremente o telemóvel, porque sabiam que era mais caro; mas, agora, usam-no de forma cada vez mais impensada, mesmo não ignorando que continua, em muitas situações, a ser mais caro. É claro que é mais caro, exactamente do mesmo modo que a TV Cabo é mais cara do que a recepção por antena, mas o facto é que cada vez menos gente se rala com issso.

Com tudo isto, o telefone fixo tornou-se um artefacto obsoleto, uma coisa da avozinha, um resquício de um tempo que, embora possa despertar alguma nostalgia, já não existe. Este é que me parece ser o problema central que é preciso enfrentar.

Para resolver isto, desconfio que não será suficiente dizer às pessoas que as chamadas móveis são mais caras, algo que, para além de nem sempre ser verdade, as pessoas já sabem.

O que é necessário é reposicionar o telefone fixo. Mas será isso possível?

Em primeiro lugar, o telefone fixo tem uma série de vantagens inquestionáveis sobre o móvel. Por exemplo: praticamente nunca ocorrem falhas de cobertura ou de ligação; não corre o risco de ficar sem bateria; os telefones não se avariam com tanta facilidade; os telefones não são roubados com tanta facilidade; os telefones não se perdem com tanta facilidade; nunca se tem que pagar as chamadas que os outros nos fazem.

Para além disso, o telefone fixo pode ter hoje muitas funcionalidades a que se habituaram os utilizadores dos telemóveis. Assim, basta não terem fios para que possam ser usados pela casa toda, o que já resolve muitos problemas. Depois, podem ter voice mail, transferência de chamadas, agenda, SMS, indicação de quem está a ligar ou ligou, toques personalizados, etc., etc. Aparentemente, uma grande maioria das pessoas não sabe disso.

Tudo isto é interessante, mas não é, a meu ver, decisivo. O telefone fixo só pode regressar ao centro das atenções se for reposicionado como um artefacto inovador, com potencial para simplificar a nossa vida e torná-la mais agradável. E isso só pode suceder se o fixo for associado a soluções tecnológicas de vanguarda.

Muito mais haveria a dizer sobre isto; mas, para já, fico-me por aqui.

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