31.7.03

Um requiem português. Um emigrante que agora regressasse a Portugal ao cabo de quinze anos encontraria muita coisa mudada.

Uma das maiores surpresas, imagino eu, seria não encontrar nas principais praças e artérias das cidades os letreiros de bancos outrora familiares como o Fonsecas & Burnay, o Pinto de Magalhães, a União de Bancos, o Banco Nacional Ultramarino, o Banco de Fomento Português ou o Banco Português do Atlântico. Em sua substituição, toparia com nomes desconhecidos como o BCP, a NovaRede, o BPI, o Santander, o Banif, o Barclays ou o BBV. E só confirmaria não se ter enganado de país ao reencontrar, indiferente às modas e aos tempos, a velha Caixa Geral de Depósitos.

Durante o lapso de tempo em que esteve ausente – mas o nosso expatriado nunca suspeitaria disso - também passaram por aqui quase sem deixar rasto o BCI e o Banco Mello, entre outros.

Entretanto, numa esquina perto da minha residência estava há oito anos uma dependência da UBP. Desde então, já se albergaram sob esse mesmo tecto o Banco Mello, o Atlântico e o Totta. A velocidade de rotação das marcas bancárias é, de facto, estonteante.

Qual a causa deste morticínio? E que lições poderemos tirar dele para o futuro?

Na sua maioria, descontando um ou outro caso particular, os bancos desaparecidos prestavam serviços de razoável qualidade. Tínhamos por vezes razões de queixa, mas não mais do que aquelas que hoje nos irritam nos seus sucessores.

Talvez possamos começar por constatar que, embora raramente odiássemos esses bancos, tão pouco os amávamos. Ninguém, que eu saiba, verteu uma lágrima pelo Banco Mello ou pelo BNU. Inegavelmente, aos clientes dos bancos tanto lhes faz serem atendidos pelo Fonsecas & Burnay como pelo BPI; pelo Pinto e Sotto Mayor como pelo BCP; pelo BCI como pelo Santander. Uma conclusão para impor-se: as finadas marcas bancárias eram marcas fracas.

Uma marca cumpre – ou deve cumprir – uma variedade de funções. A mais elementar é a de sinalizar uma identidade atribuindo-lhe um nome que o público reconhece e associando-a a certas características muito genéricas, nesta caso as inerentes a uma empresa prestadora de serviços financeiros. Isso consegue-se criando notoriedade para a marca.

Em seguida, a marca condensa um conjunto de significados ou associações mentais que lhe atribuem certas qualidades razoavelmente objectivas. O mínimo que se pode exigir é que a simples menção de uma marca sugira determinadas características físicas ou funcionais que, num banco, vão do logo e da decoração dos balcões à carteira de produtos ao atendimento dos clientes. Todos juntos, esses factores transmitem familiaridade, seriedade e confiança, valores cujo reconhecimento é indispensável à mera sobrevivência de qualquer instituição deste tipo.

Escusado será dizer que tudo isto é muito importante – indispensável mesmo – mas não esgota de modo algum as funções que uma grande marca deve desempenhar. O dinheiro é uma coisa indiscutivelmente importante na vida das pessoas – quanto mais não seja, como dizia Woody Allen, por razões financeiras. Assim sendo, há aqui um potencial para envolver os clientes em profundidade muito superior ao da maioria dos outros produtos e serviços, sejam eles gelados, computadores ou frigoríficos.

O curioso é que as mesmas pessoas que se comoveriam com o desaparecimento da margarina Vaqueiro nem sequer se aperceberam da morte do BNU. Definitivamente, alguma coisa não bate certo.

Vem tudo isto a propósito da decisão que o BCP acaba de tomar de eliminar as marcas Sottomayor e Atlântico. Evidentemente, a decisão está certa, pois é manifesto que elas não revelavam qualquer capacidade autónoma para captar e reter clientes. Por outras palavras não acrescentavam valor, enquanto marcas, ao Grupo BCP: eram apenas um custo.

Podemos concluir, então, que, ao adquiri-las, mais do que comprar marcas, o que o BCP conseguiu foi eliminar concorrentes.

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