Em entrevista a Paula Moura Pinheiro, transmitida ontem pela RPL, Inês Pedrosa queixava-se da publicidade dirigida às crianças. Não se concebe, dizia mais ou menos a escritora, como é permitida num país democrático essa publicidade que reforça junto das crianças os típicos papéis femininos e masculinos. Não há nesses anúncios uma menina em situações de acção, nenhum menino a cuidar de um bebé. Depois admirem-se de haver tanta violência doméstica, de as mulheres continuarem docilmente no seu papel de vítimas.
O assunto é sério e delicado. Mas presta-se a estes raciocínios ingénuos, que, com a melhor das intenções, levam a sugestões perigosas.
Se bastasse uma boa dose de publicidade para pôr todos os meninos a pedir Nenucos ao Pai Natal, duvido que qualquer fabricante de brinquedos se ralasse com os estereótipos. Meninos ou meninas, que diferença faz, se comprarem o Nenuco? O problema é que não é assim que as coisas funcionam – como eu, que tenho um filho e uma filha, comprovo todos os dias. Por muito que custe aceitar, rapazes e raparigas têm em geral inclinações muito diferentes – e previsíveis. Talvez fosse do interesse social alguém contrariar essas tendências, ou mostrar às crianças que há diferentes formas de viver o próprio género – mas nem esse é o papel da publicidade, nem está ao seu alcance.
Não são os anúncios aos brinquedos que fazem os meninos e meninas serem como são. São os meninos e meninas que obrigam a publicidade a ser como é. Seria fantástico para os anunciantes que a publicidade tivesse os poderes que lhe atribui o pensamento politicamente correcto. Só que não tem.
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A queixa da escritora seria apenas o repisar de um velho cliché, não fosse o remédio que ela sugere: nada menos do que proibir esse tipo de anúncios.
Talvez Inês Pedrosa não desconheça que existem montes de livros infantis, a maioria até (e alguns nem sequer são maus), em que os típicos papéis femininos e masculinos são continuamente reforçados. Já agora, que tal se os proibíssemos também? Será que era isso o concebível num país democrático?
É claro que a exposição à publicidade, como de resto à comunicação em geral, tem os seus perigos para as crianças. Brincar no parque também tem. Por isso, quando os meus filhos brincam no parque eu quero ter a certeza de que há um adulto de confiança por perto. Também procuro estar atento ao que eles vêem na TV – não para impedir que vejam isto ou aquilo, mas para ajudá-los a ir distinguindo o bom do mau, o engraçado do idiota, a realidade da fantasia, o brinquedo que de facto querem do que nem por isso. Como não são esponjas, mas pessoas inteligentes, capazes de escolhas, pouco a pouco aprendem a separar o seu trigo do seu joio. Sempre com a ajuda dos adultos em volta.
Com publicidade ou sem ela, o que ameaça as crianças é não terem esse adulto por perto – quer estejam a ver televisão, a brincar no parque ou a ler um livro. Por outro lado, subtraí-las aos perigos desta vida (maus livros, má publicidade, má televisão, brinquedos estúpidos) não as livra do mal. Apenas as impede de criar os seus próprios anticorpos.
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Há 4 anos
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