28.11.03

Mentiras e porcarias

Cena um.

Na introdução ao seu Relato de um Náufrago, Gabriel Garcia Márquez narra como o livro nasceu. Jornalista de vinte e poucos anos, foi procurado pelo tal náufrago que protagoniza a história, e que já se tinha tornado famoso com os anúncios feitos depois da aventura. Fizera um anúncio a um relógio, porque o seu não parara de trabalhar após vários dias no mar. Um anúncio ao sapato que levava, tão resistente que não o tinha conseguido comer. E muitas outras "porcarias da publicidade", segundo o romancista.

Achei graça ao ler isto porque a minha agência, há dois ou três anos, propôs uma dessas "porcarias" a um cliente. Durante alguns dias os jornais tinham falado de um windsurfista que se perdera no mar. Quando acabou por ser resgatado, narrou aos jornalistas como ficara angustiado por ver, lá longe, os helicópteros que andavam à sua procura, sem os poder avisar que estava ali. Nessa altura tínhamos um cliente que produzia telemóveis, e estava a lançar um desses modelos que resistem à água e às pancadas. Propusemo-lhe então um anúncio em que o nosso náufrago (que entretanto contactámos) contava a sua aventura, e lamentava não estar equipado com um daqueles.

O cliente, que a princípio adorou o anúncio, acabou por não o fazer – o que foi pena. O anúncio era uma boa oportunidade para a marca, mas acima de tudo era totalmente relevante para o consumidor. Comunicava um benefício verdadeiro e útil, fantasticamente ilustrado por aquele acontecimento inesperado e actualíssmo. Mas desconfio que se García Márquez o visse continuaria a chamá-lo da mesma forma: uma dessas "porcarias da publicidade".



Cena 2.

O filho de seis anos, que ainda não percebeu muito bem o que o pai faz para viver, dispara: "Pai, tudo o que os anúncios dizem é mentira, não é"?

O pai publicitário engasga. Por um lado, não quer ser visto pelo próprio filho como um vigarista profissional. Por outro, percebe perfeitamente o ponto de vista da criança, e nem lhe desagrada que ela comece a afiar um espírito crítico que lhe permita não querer tudo o que os anúncios vendem.

Entre uma ponderação e outra, a resposta do pai sai parecidíssima com as explicações do governo para o perdão ao défice franco-alemão.



OK, Garcia Marquez alinha com Cuba. OK, uma criança é uma criança, ainda não sabe distinguir com subtileza uma mentira deslavada de uma "truth well told" – aquela verdade um tanto tendenciosa, um nadinha exagerada, só um bocadinho enfeitada, que dá pelo nome de publicidade. Seja como for, ambos apenas dão voz ao senso comum. "Aquelas porcarias da publicidade" são, para a maior parte das pessoas normais, na maior parte das situações normais, um simples sinónimo de "publicidade". (As pessoas normais são as que nunca frequentarão blogues sobre publicidade).

Não estou dizendo nada de novo, eu sei, mas achei que vinha a propósito desta discussão sobre os saberes de agências e anunciantes. Há muitas coisas que eu sei que as agências não sabem e deviam saber. Mas se há algo que pelo menos as melhores delas costumam saber melhor do que os anunciantes, é isso: que a publicidade, na visão comum das pessoas comuns, é "uma porcaria", um amontoado de mentiras. Boa publicidade, publicidade verdadeira, é a que consegue superar esse pré-julgamento inicial e invertê-lo, tornando-se na excepção que sempre vai confirmar a regra. As agências estão bem mais preparadas para conseguir isso do que os anunciantes sem a sua ajuda.
Pelo menos até onde eu sei.

Falsa pista

Alguns comentários colocados nos posts recentes insinuam que a raiz da desconfiança dos gestores de marketing em relação às agências resulta de estas não se preocuparem com a eficácia das campanhas.

Não posso discordar mais dessa afirmação. Por muito estranho que pareça, a minha experiência ensinou-me que os publicitários estão usualmente muito mais preocupados com os resultados do que os marketers.

Aliás, uma coisa que durante muito tempo me surpreendeu foi notar que os anunciantes ou ligam muito pouco a isso ou recorrem a métricas standard comprovadamente inúteis, como é o caso do day-after recall.

Nos concursos, designadamente, as propostas quase nunca são escolhidas em função de algum critério relevante de eficácia, a não ser que se considere que perguntar a opinião a um focus-group é uma forma profissional e séria de avaliar campanhas.

Desculpem-me se ofender alguém, mas decerto não serão muitos: normalmente, os gestores de marketing não estão minimamente preocupados com este assunto. Se estivessem, organizariam o relacionamento com as suas agências de uma forma inteiramente diferente.

27.11.03

Puxem-me pela língua

«E então? Começamos por onde?»-Pergunta um leitor deste blogue num comentário que teve a bondade de colocar hoje.

Se eu tiver razão, se houver de facto algo que as agências sabem e que os anunciantes por regra não sabem, então a salvação é possível. De outro modo, eu recomendaria aos publicitários que migrassem para outras paragens.

O primeiro passo é identificar esse algo, coisa que me parece que ainda não foi feita com suficiente persistência e rigor.

Há hoje um conceito muito importante chamado «gestão do conhecimento». A velha ideia segundo a qual há umas pessoas que «sabem» e outras que «não sabem» é demasiado simplista. O conhecimento é uma coisa que anda muitas vezes por aí dispersa. Para explorá-lo devidamente é preciso começar por localizá-lo e caracterizá-lo, para depois valorizá-lo e difundi-lo.

Todos nós sabemos coisas que não nos apercebemos que sabemos e que, por conseguinte, não valorizamos suficientemente. Explicitar esses saberes é um passo indispensável para sermos capazes de vendê-los.

Ring a bell?

O que falta às agências

Diz-se (e é verdade) que posicionamento é aquilo que dizem de nós quando não estamos presentes. Sendo assim, é natural que os publicitários não tenham uma ideia clara do modo como as agências são percepcionadas pelos gestores de marketing.

Trabalhei muitos anos como gestor de marketing, depois dirigi várias agências, e hoje encontro-me numa posição de certa equidistância entre uns e outros. Talvez esteja, por isso, numa posição de observação privilegiada.

Posso por isso afirmar que: a) o problema é bem mais sério do que os publicitários pensam; b) não se resolve com recriminações; c) mais do que procurar culpados, o que importa é identificar estratégias de mudança.

Muitos gestores de marketing acham que a decadência das agências é irreversível, mas que daí não vem mal ao mundo. Naturalmente, os publicitários pensam o contrário, mas essa opinião vale o que vale, visto que são parte interessada.

Todavia, eu, que presentemente estou de fora (e que, por conseguinte, não sou suspeito de corporativismo) acredito que a perda de protagonismo das agências é um problema sério, na medida em implica a degenerescência da própria função marketing e a redução da capacidade de inovação das empresas.

Acredito que as agências sabem coisas que mais ninguém sabe. Acredito que dominam melhor a parte não racional do processo de marketing. Acredito que estão em melhores condições para combinar eficazmente a inteligência com a fantasia. Acredito que produzem ideias extremamente valiosas para o desenvolvimento dos negócios. Acredito, por conseguinte, que podem dar uma contribuição singular para o fortalecimento das empresas e das suas marcas.

Acontece, porém, que essa não é a percepção dominante e que, como todos sabemos, as percepções são, na guerra da comunicação, infinitamente mais importantes do que as realidades.

Que fazer? Essa é a questão que temos que começar a enfrentar.

26.11.03

Não anuncie aqui

Em miúdo, lembro-me de ler no reverso dos bilhetes dos autocarros: «Anuncie aqui».

Vi hoje a mesma frase escrita num placard afixado num parque de estacionamento subterrâneo, e já ontem a encontrara noutro colocado numa casa de banho de um cinema.

Isso fez-me pensar que quando vemos o apelo «Anuncie aqui» provavelmente não é boa ideia anunciar ali dado que, se fosse, o espaço não estaria livre.

Eis mais um excelente exemplo de um headline que diz exactamente o contrário do que o anunciante pretende dizer.

E, como este é dirigido aos próprios anunciantes, talvez os ajude a compreender como nós, os consumidores, às vezes nos sentimos.

24.11.03

UMA GUERRA PERDIDA?

Quando se toca neste tema entre publicitários, o comentário é sempre o mesmo. Que é uma guerra justa, mas perdida. Que em Portugal nunca se vai conseguir. Que, com a crise que por aí anda, os interesses individuais vão sempre prevalecer sobre o bom senso.

Pode ser que tenham razão. Mesmo assim, como o combate à praga dos concursos é não somente uma boa causa, mas uma questão de sobrevivência para as agências em Portugal, entendo que vale a pena voltar à tecla que tantos já martelaram. E convido ainda mais gente a engrossar o coro.

Como já dizia o velho Ogilvy, os concursos são maus. Não são um bom método de avaliação nem para os anunciantes nem para as agências. Sem fee de rejeição, são ainda piores: mau negócio à mesma para os anunciantes, suicídio puro e simples para as agências.

Quando uma agência consente em entrar num concurso com propostas completas, que lhe consumirão centenas de horas não remuneradas (apesar dos prazos, via de regra, ridiculamente curtos), está a ceder a uma lógica de desespero. Da parte dos anunciantes, a lógica é a do chico esperto. A empresa que se aproveita de uma situação de força face ao mercado publicitário para obter trabalho à borla sabe que não há almoços grátis. Alguém está a pagar os enormes recursos investidos pelas agências a produzir trabalho que, na maior parte, vai direitinho para o lixo. Quem paga? Os outros clientes das agências, é claro. O dinheiro que elas têm para produzir de campanhas descartáveis não tem outra fonte.

A consequência que nunca se tem em conta é que, quando por fim tiver seleccionado a sua agência, o promotor de um concurso também lhe terá que pagar mais, porque nessa remuneração estará embutido o trabalho grátis que a agência continuará a fazer para disputar novas contas. Assim, os concursos não apenas enfraquecem as agências, e por extensão a qualidade do serviço que prestam, mas também tornam esse serviço mais caro para todos os anunciantes. É o típico negócio em que todos perdem.

Isto pelo lado económico. Mas talvez não fosse grave, se os concursos fossem de facto a melhor forma de encontrar uma boa agência. O problema é que não são. Pedir a várias agências uma campanha acabada para descobrir qual delas merece a conta é a mesma coisa que fazer um filho com várias desconhecidas para decidir com qual se quer casar. Cada um sabe de si, mas parece-me que há métodos mais fáceis, fiáveis e até mais agradáveis para ambas as partes.

Se conhecer o trabalho já feito pela agência pode não ser suficiente (rentabilidades passadas não garantem rentabilidades futuras), é com certeza um excelente critério de pré-selecção. A partir daí, e prosseguindo a analogia do casamento, namorar um bocado é um bom método há muitas e muitas gerações. Conversar. Pedir a apresentação de cases, fazendo muitas perguntas sobre o raciocínio que levou a cada uma das decisões estratégicas, criativas, de mídia, de implementação. Fazer questão em conhecer as pessoas que de facto trabalharam nessas campanhas, para sentir a solidez dos seus critérios e o entusiasmo com que se entregam (ou não) a cada novo trabalho. Pedir-lhes que comentem também os seus erros, os inevitáveis flops que nunca mostram aos jornais, e o que aprenderam com eles. Perguntar aos actuais clientes da agência, mas também aos que se foram embora, o que ela tem de bom e de mau. Etcétera, etcétera, etcétera.

Estes métodos não são apenas menos danosos para as agências, são também mais fiáveis para quem queira não apenas escolher a próxima campanha, mas iniciar uma colaboração durável e proveitosa. Permitem ter uma noção bem mais próxima da realidade do que os concursos – situação totalmente artificial em que as decisões sobre o trabalho são tomadas quase sem contacto com o potencial cliente, com a agência a tentar angustiadamente adivinhar como é que ele julga, quais são os seus tabus e a sua cor preferida. Decifrar e seduzir o cliente torna-se mais importante do que resolver o seu problema de marketing – o qual, de resto, dificilmente é compreendido com a necessária profundidade num concurso. Os melhores anunciantes sabem que não é assim que nascem as boas campanhas. Nascem dum trabalho de equipa impossível de realizar com várias agências ao mesmo tempo, ainda mais se forem desconhecidas.

É claro que, na forma de selecção que estou a defender, o trabalho maior deixa de recair exclusivamente sobre as agências, sendo repartido de forma equitativa com os próprios anunciantes. O que só faz sentido. Afinal, são as suas marcas que estão em jogo. Será que não justificam o investimento?

Mas não sejamos dogmáticos. É verdade que algumas excelentes relações entre anunciantes e agências saíram de concursos. Se, por qualquer razão, um anunciante preferir esse método, pelo menos que o use de forma mais responsável do que tem acontecido em Portugal. É assustador o à-vontade com que alguns directores de marketing convocam todo o mercado publicitário para dar briefs a brincar - briefs em que ninguém pensou a sério e que em muitos casos nunca se vão transformar em campanhas. É preciso que, em conjunto, as agências e anunciantes de maior expressão comecem a disciplinar essa prática.

Para já, cada agência deveria fazer um exame à sua auto-estima e redescobrir o valor da palavra "não". Mas, como ser dom quixote também não ajuda nos negócios, proponho que a APAP assuma de vez, nesta guerra, a sua missão de defender os interesses das agências, e comece a catequizar a APAN para o facto de que disciplinar os concursos também interessa aos clientes.

Para que inventar a roda? O velho fee de rejeição, já tantas vezes reivindicado, continua a ser a solução. Para garantir que a sua prática se generalize, a APAP deve promover a adopção colectiva de uma regra segundo a qual, em qualquer concursos, o cliente tem que pagar um fee (proporcional à dimensão do trabalho pedido) às três primeiras agências que convidar. Se outras agências, a convite ou por sua iniciativa, aceitarem entrar na competição, é com elas. Mas, pelo menos, o anunciante deixa claro que pesou bem a decisão de lançar um concurso, que entende os custos que ele implica para as agências e não os quer atirar para cima dos outros clientes. Além disso, mostra de forma transparente quem são as suas primeiras escolhas, eliminando suspeitas.

Porque suspeitas, nos concursos, é o que não falta. Suspeitas de cartas marcadas, de consultas realizadas unicamente por razões de política interna, para acomodar as indicações preteridas dos diversos poderes. Ou, pior ainda, suspeitas de directores de marketing a promover concursos só para se dar a conhecer, ganhar espaço nos jornais e poder junto das agências. Enquanto os concursos forem à borla, vamos continuar a sussurrar uns com os outros sobre essas coisas.

O mercado publicitário português, que nos últimos anos evoluiu tanto, já tinha a obrigação de ter ultrapassado isto. Senhores da APAP e da APAN, por favor, façam alguma coisa.


(Esta é a versão derramada de um artigo que saiu há algumas semanas, bastante mais curto, na revista Briefing)

21.11.03

JÁ NÃO HÁ RESPEITO?

A oportunidade de negócio que apresentei no texto anterior mereceu dois comentários bastante convergentes. Aparentemente, as agências perderam o respeito dos clientes. Alguém pode me explicar por quê? (Eu tenho os meus palpites, mas gostaria de ouvir mais opiniões).

19.11.03

BILHETES À VENDA

Os anunciantes deste país andam a dormir. Estão a deixar passar uma senhora oportunidade de negócio.

Como é sabido, o que as agências de publicidade mais gostam é de um bom concurso. A prova? Basta um potencial anunciante disparar um fax ou meia dúzia de telefonemas e lá vêm elas todas a correr, acotovelando-se para participar, metendo cunhas para também ser convidadas.

A razão de tamanha sofreguidão tem o seu quê de enigma. Os concursos, que não custam nada aos anunciantes, são um investimento brutal para as agências – investimento sem retorno, por definição, para a maior parte delas. Além disso, as regras são obscuras, os critérios misteriosos, e invariavelmente há suspeitas de cunhas e favorecimentos. Se, mesmo assim, as agências se desunham para concorrer, é porque lhes está no sangue. Ou então, havendo pouco trabalho nestes tempos bicudos, foi a forma que encontraram de manter entretidos os seus desocupados profissionais. Trabalhar para o boneco sempre é mais divertido do que olhar para as paredes. Ou não?

Ora, aí está a oportunidade. Hoje, os generosos anunciantes, que têm o trabalho de organizar esses emocionantes torneios publicitários, estão a fazê-lo por puro amor à arte. Às vezes nem precisam de agência nenhuma: não têm ainda um brief bem pensado, não sabem se terão mesmo aquele budget para investir, não falaram no assunto com a administração. Apesar disso, sacrificam-se. Dão às agências a oportunidade de conhecer as suas maravilhosas instalações. Gastam tempo a ouvir-lhes as ideias (algumas das quais até podem fazer o favor de aproveitar, quem sabe?). Coleccionam os seus cartões de visita. E tudo isso, imaginem, sem cobrar um tostão! Dizem (mas eu próprio nunca vi) que há anunciantes que até pagam fees de rejeição às agências não seleccionadas. Tanta prodigalidade nos tempos que correm, o que diria a dra. Manuela Leite?

Com a recessão que por aí anda, desperdiçar um negócio como este é até pecado. Proponho aos anunciantes que não abram nem mais um concurso sem fazer com que as agências paguem por isso. Não falo de preços simbólicos como noitadas, ideias à borla, horas de trabalho e pilhas de material. Falo de dinheiro a sério. Quer entrar no meu concurso? Pague.

(Quando essa prática se generalizar, é natural que algumas agências já não queiram ir aos concursos. Das que continuarão a participar, também é natural que em pouco tempo algumas vão à falência. OK, nada é perfeito. Sobreviverão as melhores – ou, pelo menos, as com melhores contactos. E, com menos agências para os importunar, quem sabe se esses anunciantes que hoje se divertem a lançar concursos não ficam com mais tempo livre para, finalmente, pensar a sério nos seus problemas de marketing?)




Consolação para os azarentos

Porque é que Bach nunca compôs uma ópera?-Porque os seus patrões nunca lhe encomendaram uma.

Não são só os publicitários que têm dificuldade em manifestar os seus talentos quando não calha aparecer-lhes pela frente o cliente ideal: cheio de dinheiro, apreciador do talento e disposto a esperar o tempo que for preciso por uma ideia genial.

Como não podia fazer óperas, Bach compôs oratórios. Quando lhe faltava uma orquestra, escrevia (é verdade!) um concerto para cravo solista. Se o cliente sofria de insónias, propunha-lhe umas infindáveis variações (a Ofrenda Musical) que duravam até ele cair exausto para o lado. Se a moda era a música italiana, ele fazia uns pastiches de Vivaldi. E por aí fora.

Moral da história: quando o talento é real, encontra sempre alguma maneira de se manifestar.

18.11.03

Um esforçozinho mais

(Post dedicado a zuvi zeva novi)

Quando as audiências se fragmentam nós preocupamo-nos porque se torna mais caro atingir o público.

Mas deveríamos principalmente preocuparmo-nos porque, em consequência desse processo, o público deixa, na verdade, de existir.

Como assim?-É que o público é ele mesmo uma criação dos media.

17.11.03

Fama

Quanto mais se fragmentam os mass media e mais difícil se torna comunicar simultânea e coordenadamente com públicos de milhões de pessoas, maior a importância da fama, visto que quem a tem se torna num veículo privilegiado para atingir o tão cobiçado «grande público».

Essa é a razão pela qual, à falta de alternativas convincentes, as marcas cada vez estão dispostas a pagar mais para se associarem às vidas e às iniciativas dos famosos, por muito carentes de conteúdo que eles sejam.

Eu vejo aqui um problema. Mas, se calhar, também algumas oportunidades.

10.11.03

Menos retórica e mais serviço

«Por si, até onde for preciso»? Que exagero! Também não pedimos tanto.

Habituados como estamos à pouca atenção que os bancos nos prestam, bastar-nos-ia que melhorassem um bocadinho a qualidade do atendimento telefónico, que criassem sites fáceis de utilizar, que explicassem melhor que serviços financeiros têm para nós, que descomplicassem a apresentação das taxas ou que apresentassem os fundos de investimento numa linguagem acessível a quem não tirou um MBA. E, sobretudo, que se empenhassem menos em verder-nos faqueiros de prata, porque não é isso que procuramos num banco.

Muito francamente, a minha opinião como cliente de serviços financeiros é que os bancos estiveram nos últimos anos muito mais ocupados com coisas como a compra de outros bancos, fusões e aquisições, economias de escala, internacionalização das operações, cotação das sua acções em bolsas estrangeiras, e por aí fora, do que com os seus clientes.

Eu até sou um cliente compreensivo: entendo que tudo isso é preciso para assegurar a saúde financeira dos bancos portugueses. Mas, muito francamente, parece-me que se foi demasiado longe. E até receio que alguma degradação do serviço prestado, a meu ver generalizada, se deva à redução da competição entre bancos no território nacional em consequência do processo de concentração a que assistimos.

A minha sensação é que mesmo os bancos que se haviam revelado mais inovadores ao longo dos anos 90 voltaram a fechar-se na sua concha. Os gerentes de conta não só mudam constantemente como nunca estão disponíveis para nada, de modo que não vale sequer a pena tentar saber como se chamam. As filas crescem naqueles mesmos bancos que se gabam da rapidez do seu serviço. O dinheiro pode estar parado na conta à ordem, que nem assim alguém sugere alguma aplicação sensata e bem remunerada para ele. Quando queremos dar uma ordem pelo telefone mandam-nos ir à internet. Os call-centers só passam música de elevador e pedem para aguardarmos mais um quarto de hora. Não percebo nada dos folhetos que leio. Apesar de todos os investimentos em CRM, a atenção ao cliente é cada vez menor. Não tarda muito, voltaremos a entrar nos bancos de chapéu na mão, a falar baixinho para não incomodar e a pedir o favor de nos atenderem, como nos tempos da banca nacionalizada.

Há excepções, eu sei, mas são muito poucochinhas.

Que tal porem de parte slogans gratuitos em que ninguém acredita e tentarem mesmo, pela primeira vez desde há algum tempo, fazer algo para nos agradar?

7.11.03

EU FUI

Já tenho idade para me lembrar do primeiro Rock in Rio, cujo nascimento acompanhei mais ou menos de perto, nos idíssimos de 1980.

Na época, uma amiga mais lúcida do que eu falava daquilo como o triunfo do marketing. Durante 3 dias, milhares de pessoas vindas do Brasil inteiro (e é grande), tendo pago caro por um bilhete, deixavam o seu carro a quilómetros, andavam até um grande lamaçal e lá passavam algumas horas à chuva, a ver, num palco lá longe, uma programação musical bastante discutível, que de todo modo não se conseguia ouvir. Ficaram aborrecidas com isso? Fale com qualquer um que lá tenha estado e vai ouvir falar com saudade de um grande acontecimento, de um momento inesquecível da sua juventude.

A minha amiga falava do triunfo do marketing de forma pejorativa: está a ver como se consegue manipular uma multidão? Hoje, ao ver o Rock in Rio chegar a Lisboa, quase 20 anos depois e com o nome da cidade original (!), concordo que é o triunfo do marketing, mas não com o juízo de valor. Aquelas pessoas não foram manipuladas. O Rock in Rio deu certo porque deu àquele público exactamente o que ele queria. Algum rock, com certeza, mas não era isso o essencial.

O essencial é que todos nós queremos poder dizer mais tarde que participámos de algo grande. "Grande" estava, e na versão Lisboa constato que ainda está, no DNA do Rock in Rio. A meses de começar, o evento já é comentado como "o maior" do ano, de sempre, e por aí vai. A promoção tão antecipada, as grandes marcas que aderem, tudo isso contribui para reforçar essa imagem.

Eu vou? Provavelmente não. Mas seguramente vou estar outra vez muito atento ao Rock in Rio, para ver se aprendo mais qualquer coisa sobre marketing.

SERÁ DO ÁLCOOL?

Dizem – e eu acredito – que Portugal é um país de grandes vinhos. O que me custa a acreditar é que não se consiga promovê-los melhorzinho.

Lá fora, vai-se a qualquer loja de vinhos e encontram-se chilenos, argentinos, argelinos, australianos, espanhóis. Portugueses, só Porto. Tirando o Mateus, que joga noutro torneio, os vinhos nacionais não têm uma notoriedade nem um destaque minimamente proporcionais à imagem que por aqui temos deles. Porque será?

Não conheço muito bem o trabalho que se faz (ou não) para promover os nossos vinhos no mundo, mas se for tão bom como o que é feito no mercado interno, estamos feitos.

Agora, por exemplo, as ruas estão cheias de Mupis de vinhos. Devem ser vinhos excelentes – mas a publicidade é péssima. Não diz nada sobre o produto, não diferencia, não posiciona, não conta nada que interesse ao consumidor. Hoje vi um cartaz com o título em latim!

Vinho dá sono. Quando é que os vinicultores portugueses acordam?

4.11.03

Importa-se de explicar?

Francamente, não estava à espera que o post Importa-se de repetir? (ver abaixo) suscitasse tanto interesse.

O assunto pode ser pegado por muitos lados, mas o que me parece mais importante é que a campanha não tem uma promessa motivadora para o público a quem se dirige.

Algumas pessoas contra-argumentaram que pedir factura nem sempre implica pagar mais. Não vou discutir esse ponto, não porque ache que estão certas, mas porque ele não me parece essencial.

O problema de motivação que aqui encontramos, largamente tratado na teoria dos jogos, resulta de a acção individual de uma pessoa ser irrelevante para o resultado final. Assim, se toda gente decidir começar a pedir factura, é irrelevante que eu peça ou não peça; mas, se as pessoas continuarem todas a não pedir factura, também é irrelevante que eu peça. Logo, a decisão racional é eu não me maçar a pedir factura.

Notem que este tipo de situação é muito comum. Ocorre, por exemplo, quando as pessoas têm que optar entre deitar ou não um papel para o chão, arrumar ou não o carro em cima do passeio, meter ou não uma cunha para obter uma certa vantagem e, em geral, em situações em que não há nada a ganhar excepto a satisfação do dever cumprido.

O que isto demonstra é que, nestes casos, a repressão é infelizmente a única solução. A publicidade não é para aqui chamada, excepto para anunciar que a polícia está de olho nos infractores.

2.11.03

Importa-se de repetir?

Já viram a campanha do Ministério das Finanças para nos incitar a pedir factura pelos serviços que adquirimos?

A meu ver, ela só vem comprovar a preguiça mental de quem a encomendou e aprovou.

Senão, vejamos. Todos sabemos que pedir factura, na grande maioria das situações, não tem nenhuma vantagem para o consumidor. Em contrapartida, tem um grande inconveniente: com factura, o serviço fica mais caro, porque o fornecedor é obrigado a acrescentar-lhe o IVA.

Logo, o que a campanha verdeiramente diz, é: «Se você pagar o IVA, nós provavelmente vamos receber esse dinheiro». Como promessa, não está mal pensado.

Patrocínios bem bonitos, modernos, originais

Há dias, ao consultar o menú de um restaurante Pizza na Brasa, encontrei lá uma Pizza Ramazzotti e uma Pizza Fluxograma.

Pizza Ramazzotti ainda pode fazer algum sentido, mas Pizza Fluxograma? Esperem aí um bocadinho para eu acabar de me rir.

Vou escrever à Pizza na Brasa para lhes propor que este blogue passe também a patrocinar um dos pratos da casa: Pizza Sangue Suor e Ideias, querem provar? Não? Mas olhem que está de apetite!