26.1.04

Os tazos comem criancinhas?

Alguns jornalistas têm uma concepção muito particular da liberdade de expressão. São rapidíssimos a reagir a qualquer sugestão de cerceamento da liberdade jornalística (no que geralmente fazem bem). Ao mesmo tempo, não têm a menor cerimónia em sugerir proibições quando se trata da comunicação publicitária.

Desta vez é Graça Barbosa Ribeiro, articulista do Público, que quer ver proibidos os brindes naqueles produtos que "contribuem para a obesidade infantil" – os Bollycaos, os Matutanos da vida.

O seu raciocínio é difícil de acompanhar. Começa por reconhecer que muitas vezes as crianças compram o produto não porque o queiram comer, mas exclusivamente por causa do brinde. Nesse caso, qual é o mal? Contanto que não comam o brinde – o que, aí sim, seria um sério caso de saúde pública – o maior dano que pode haver é ao bolso dos pais. Mas esses são maiores e vacinados, portanto não se pode acusar a publicidade de os levar a fazer o que não querem.

É um mito persistente, esse dos superpoderes do marketing. Agora até já engorda as criancinhas. Nessa compulsão paternalista de proibir a comunicação de mercadorias perfeitamente legais há sempre um ponto que me escapa. Se estamos a falar de produtos que fazem mal ao consumidor, então tenha-se a coragem de defender a sua proibição pura e simples. Se o Bollycao é tão mau para as crianças como o tabaco, proíba-se a venda a menores de 18 anos – ou a maiores de 90 quilos, tanto dá. Mas querer manter o produto legal e proibir a sua promoção é hipocrisia. Uma no cravo, outra na ferradura – exactamente como no caso do tabaco, mantido legal pelos impostos que arrecada, cerceado no seu marketing em nome do politicamente correcto.

Como sempre, atacar a publicidade e o marketing é ir ao sintoma, ignorando a doença. As crianças (e os adultos) preferem açúcares, sal e gorduras por um atavismo da espécie difícil de contrariar. Para o fazer, é preciso uma educação alimentar que os pais não têm. Ou, quando o têm, é preciso que não sejam permissivos e tenham a pachorra (e o amor) suficiente para contrariar os pimpolhos. Tudo coisas difíceis de resolver – mas duvido que proibir os tazos e similares fosse mudar muito a situação.

No fim do artigo, no entanto, a jornalista avança com uma sugestão de marqueteira. Porque é que o governo não subsidia os brindes em produtos que façam bem à saúde (como a pescada ou as cenouras)? A sugestão é para ser sarcástica, mas eu não vejo porquê. Aliás, não é preciso subsídio nenhum. Às mesmas diabólicas multinacionais que vendem gelados e batatas fritas com brindes também acontece venderem pescada e legumes. Também promovem esses produtos com publicidade, com sorteios e até com brindes. E, se o fazem, é porque deve funcionar.

Bom ou mau, o poder o marketing não se combate com proibições. Combate-se com marketing.

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