Antigamente, o que o marketing disputava era o dinheiro das pessoas. Dinheiro era o bem escasso – e era dele que a publicidade queria separar o cidadão. Hoje, pelo menos nos países ditos desenvolvidos, o bem mais escasso já não é o dinheiro. É o tempo.
Consumir exige tempo – e dá trabalho. Os anunciantes parecem os meus filhos pequenos: estão sempre a tentar chamar a atenção. E tome descontos, pontos para acumular, oportunidades a não perder, cupões a enviar.
Como dar conta de tantas ofertas? Acredito que até ganharia qualquer coisa se juntasse todos os pontos da Vodafone, todos os fascículos do DN, se aderisse já à Oni ou aos 250 planos especiais da PT. Não fazia era mais nada na vida. Por isso, como tantos outros consumidores, vou perdendo essas fantásticas oportunidades.
Tive disso uma aguda percepção quando conheci os bastidores dos concursos promocionais. Nas agências de publicidade "clássica", muitas vezes já havia criado temas para promoções e concursos, mas nunca me preocupara saber o que acontece depois. Até que pela primeira vez fui apresentado a uma empresa que, entre outras coisas, recebia os cupões, organizava os sorteios, distribuía os prémios.
Foi uma revelação. Como consumidor, nunca entrava nessas promoções por achar que a chance de ganhar era mínima. Descobri o contrário. Em muitos casos a chance era para lá de razoável, por falta de concorrentes. Vi viagens à Tailândia serem sorteadas entre dez gatos pingados. Scooters e fins de semana irem para instituições filantrópicas porque ninguém se habilitou.
É claro que, se toda a gente soubesse disso, todos corriam a participar. Certo?
Tenho dúvidas. Não tendo valor estatístico, o único caso que analisei – o meu próprio – faz-me pensar o contrário. Mesmo sabendo como é fácil ganhar concursos, continuei a evitá-los: mesmo a perspectiva de ganhar não valia o tempo investido a concorrer. Já bastam os formulários das Finanças. Só a perspectiva de um cupão inteiro a preencher já me dá arrepios.
É óbvio que o meu caso é só o meu caso. Mas ilustra esse consumidor, cada vez mais típico, que antes quer gastar dinheiro do que o seu escasso tempo livre.
Face a esse consumidor, as empresas terão cada vez menos sucesso se se limitarem a puxá-lo pela manga. É, novamente, como os meus filhos. Se tentam vencer pelo cansaço – a base de tantos planos de meios por aí – só me conseguem irritar. Mas se me tocam algum ponto fraco quando estou desprevenido, acabo por fazer tudo o que querem.
"Desprevenido" é a palavra-chave. Basta desconfiar que alguma coisa vai tirar "um minuto do seu tempo" para o consumidor se pôr em guarda. É o que acontece com aqueles folhetos que nos atulham a caixa de correio: reconhecíveis à distância, vão direitinho para o lixo. Um supermercado inglês fez diferente: o seu dropmail era a carta manuscrita de uma vizinha do bairro a fazer uma queixa. Segundo a carta, certos moradores da zona, já dados a festas até às tantas, iam exceder-se ainda mais se nada fosse feito contra a loja Tesco da vizinhança, que andava com bebidas a preços ridículos. Para provar o seu ponto, a indignada senhora juntava um folheto da loja, e pedia que todos lá fossem protestar contra uma promoção tão contrária à ordem pública.
Com uma ideia assim, quando o consumidor dá por ela, já está fisgado. E sem reclamar.
Ou seja: lá porque não tenho tempo para o seu anúncio, não quer dizer que não tenha tempo para a sua mensagem. Mas quanto menos parecer um anúncio, melhor.
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Há 4 anos