SG Gigante. Li há dias uma entrevista em que um jovem publicitário que muito prezo se referia num tom depreciativo àquilo que chamava «o tempo do Silva Gomes, da Rosalina e do Guerreiro». Noutra altura hei-de escrever para dizer bem da Rosalina Machado e do Américo Guerreiro, mas hoje é mesmo do Silva Gomes que eu quero falar.
A ideia de que o mundo começou ontem é uma característica dos países subdesenvolvidos. Ano sim, ano não, descobre-se outra vez a pólvora e recomeça-se tudo de novo.
Os povos assim sabem, é claro, que têm uma história; mas, como crêem que as dificuldades actuais decorrem dos erros passados, não desconfiam que ela possa ter qualquer relevância para a resolução dos seus actuais problemas. A história é para esquecer, porque não passa de um repositório de experiências falhadas.
Entre nós, os profissionais do marketing e da publicidade sofrem de uma variante aguda deste mal. Por ignorância ou imperativo de afirmação, cada geração julga que descobriu a verdade e, por isso, acha-se no direito, senão no dever, de ignorar o trabalho das anteriores.
Dir-se-ia que, como cada um é livre de ter as opiniões que entender, trata-se apenas de uma questão de gosto pessoal. Se assim fosse, eu não perderia tempo com este assunto. Mas não é: quem ignora o que se fez no passado está condenado não só a repetir os seus erros como ainda a ter que dispender inutilmente tempo e energias a reinventar a roda.
Uma profissão é, mais do que um conjunto de pessoas, um património de ideias e experiências pacientemente acumulado ao longo do tempo. Por isso, uma profissão de gente que desconhece a sua história e que não venera os seus pioneiros é uma profissão de gente pouco competente, e, sobre isso, pouco estimável.
Vêm estas reflexões a propósito de António Silva Gomes ter lançado ontem um livro de recordações sobre a sua vida na publicidade. Como ainda não li o livro, não posso falar sobre o conteúdo, mas estou desde já certo de que, ao contribuir para preservar a memória colectiva de uma época, ele presta mais um inestimável serviço a todos os que trabalham nesta área.
Os ignorantes de hoje acham que isso nada interessa, porque a publicidade que então se fazia lhes parece ridícula. Eles não perceberam ainda que, vista a vinte ou mesmo dez anos de distância, quase toda a publicidade é ridícula, e aquela que ainda não o é, há-de sê-lo. Porque, não tendo a publicidade a capacidade de distanciação em relação à realidade que distingue a grande arte, ela tende a ficar prisioneira de modismos que se desvalorizam com extraordinária rapidez.
A humanidade é sempre ridícula, mas só se apercebe disso quando consegue ver-se à distância.
Do que a publicidade precisa cada vez mais é de gente com espessura, como o Silva Gomes é, não de cromos que ficam bem no retrato. Numa era em que muitos famosos se revelam perfeitas nulidades quando os conhecemos de perto, é bom haver gente como ele que é melhor quando nos aproximamos.
PS – Relendo o que escrevi constato que acabei por falar pouco do Silva Gomes, certamente menos do que ele merece. Há-de haver mais ocasiões.
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Há 4 anos
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