16.10.03

No Público de ontem (15.10), Joaquim Fidalgo indignava-se com uma campanha que convida a "humilhar o melhor amigo" e "assistir a uma boa tareia". É não perceber nada de nada. Não digo não perceber nada de anúncios (nem quero entrar aqui no mérito da campanha). Digo não perceber nada de nada: da natureza humana, do que move as pessoas, da diferença entre jogo e realidade e da importância de haver essa diferença.
O que seria do futebol, do boxe, do bridge, se as pessoas não gostassem de assistir a uma boa tareia? Que seca seria se a selecção nacional, quando entra em campo, não quisesse eliminar o adversário, dar-lhe uma boa tareia, humilhá-lo em público com gols e jogadas que o pusessem em prantos. No final, todos trocam as camisolas, apertam a mão, a vida continua. Mas, até lá, a ideia é mesmo dar cabo deles.
Não é só que não haja mal nenhum: tem mesmo que ser assim. Essa tem sido a forma que a humanidade encontrou, desde que o mundo é mundo, para lidar melhor com os seus desejos mais intratáveis. Enquanto tento dar cabo do adversário com um taco de golfe, não estou a fazê-lo com uma granada. Enquanto estou a metralhar meia dúzia de inimigos na minha Playstation (ou no telemóvel, para voltar aos anúncios), não estou a fazê-lo na vida real. Isso, sim, faz toda a diferença.
O politicamente correcto que permeia o artigo lembra-me que em Portugal há muito medo de "brincar com coisas sérias". Perdi a conta de quantos bons anúncios já vi serem chumbados por isso. O humor, dizem esses anunciantes, é muito perigoso.

Ora, eu não acho. Não é perigoso gostar descomplexadamente de dar uma boa tareia num jogo de telemóvel. Perigoso é ter tanto medo dos impulsos, bons ou maus, que todos temos cá dentro, que nem se consegue brincar com eles. Levados tão a sério, é claro que são asssustadores.

Sr Fidalgo, descontraia-se. O humor não é perigoso. O mau humor é que é.

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