Quando se toca neste tema entre publicitários, o comentário é sempre o mesmo. Que é uma guerra justa, mas perdida. Que em Portugal nunca se vai conseguir. Que, com a crise que por aí anda, os interesses individuais vão sempre prevalecer sobre o bom senso.
Pode ser que tenham razão. Mesmo assim, como o combate à praga dos concursos é não somente uma boa causa, mas uma questão de sobrevivência para as agências em Portugal, entendo que vale a pena voltar à tecla que tantos já martelaram. E convido ainda mais gente a engrossar o coro.
Como já dizia o velho Ogilvy, os concursos são maus. Não são um bom método de avaliação nem para os anunciantes nem para as agências. Sem fee de rejeição, são ainda piores: mau negócio à mesma para os anunciantes, suicídio puro e simples para as agências.
Quando uma agência consente em entrar num concurso com propostas completas, que lhe consumirão centenas de horas não remuneradas (apesar dos prazos, via de regra, ridiculamente curtos), está a ceder a uma lógica de desespero. Da parte dos anunciantes, a lógica é a do chico esperto. A empresa que se aproveita de uma situação de força face ao mercado publicitário para obter trabalho à borla sabe que não há almoços grátis. Alguém está a pagar os enormes recursos investidos pelas agências a produzir trabalho que, na maior parte, vai direitinho para o lixo. Quem paga? Os outros clientes das agências, é claro. O dinheiro que elas têm para produzir de campanhas descartáveis não tem outra fonte.
A consequência que nunca se tem em conta é que, quando por fim tiver seleccionado a sua agência, o promotor de um concurso também lhe terá que pagar mais, porque nessa remuneração estará embutido o trabalho grátis que a agência continuará a fazer para disputar novas contas. Assim, os concursos não apenas enfraquecem as agências, e por extensão a qualidade do serviço que prestam, mas também tornam esse serviço mais caro para todos os anunciantes. É o típico negócio em que todos perdem.
Isto pelo lado económico. Mas talvez não fosse grave, se os concursos fossem de facto a melhor forma de encontrar uma boa agência. O problema é que não são. Pedir a várias agências uma campanha acabada para descobrir qual delas merece a conta é a mesma coisa que fazer um filho com várias desconhecidas para decidir com qual se quer casar. Cada um sabe de si, mas parece-me que há métodos mais fáceis, fiáveis e até mais agradáveis para ambas as partes.
Se conhecer o trabalho já feito pela agência pode não ser suficiente (rentabilidades passadas não garantem rentabilidades futuras), é com certeza um excelente critério de pré-selecção. A partir daí, e prosseguindo a analogia do casamento, namorar um bocado é um bom método há muitas e muitas gerações. Conversar. Pedir a apresentação de cases, fazendo muitas perguntas sobre o raciocínio que levou a cada uma das decisões estratégicas, criativas, de mídia, de implementação. Fazer questão em conhecer as pessoas que de facto trabalharam nessas campanhas, para sentir a solidez dos seus critérios e o entusiasmo com que se entregam (ou não) a cada novo trabalho. Pedir-lhes que comentem também os seus erros, os inevitáveis flops que nunca mostram aos jornais, e o que aprenderam com eles. Perguntar aos actuais clientes da agência, mas também aos que se foram embora, o que ela tem de bom e de mau. Etcétera, etcétera, etcétera.
Estes métodos não são apenas menos danosos para as agências, são também mais fiáveis para quem queira não apenas escolher a próxima campanha, mas iniciar uma colaboração durável e proveitosa. Permitem ter uma noção bem mais próxima da realidade do que os concursos – situação totalmente artificial em que as decisões sobre o trabalho são tomadas quase sem contacto com o potencial cliente, com a agência a tentar angustiadamente adivinhar como é que ele julga, quais são os seus tabus e a sua cor preferida. Decifrar e seduzir o cliente torna-se mais importante do que resolver o seu problema de marketing – o qual, de resto, dificilmente é compreendido com a necessária profundidade num concurso. Os melhores anunciantes sabem que não é assim que nascem as boas campanhas. Nascem dum trabalho de equipa impossível de realizar com várias agências ao mesmo tempo, ainda mais se forem desconhecidas.
É claro que, na forma de selecção que estou a defender, o trabalho maior deixa de recair exclusivamente sobre as agências, sendo repartido de forma equitativa com os próprios anunciantes. O que só faz sentido. Afinal, são as suas marcas que estão em jogo. Será que não justificam o investimento?
Mas não sejamos dogmáticos. É verdade que algumas excelentes relações entre anunciantes e agências saíram de concursos. Se, por qualquer razão, um anunciante preferir esse método, pelo menos que o use de forma mais responsável do que tem acontecido em Portugal. É assustador o à-vontade com que alguns directores de marketing convocam todo o mercado publicitário para dar briefs a brincar - briefs em que ninguém pensou a sério e que em muitos casos nunca se vão transformar em campanhas. É preciso que, em conjunto, as agências e anunciantes de maior expressão comecem a disciplinar essa prática.
Para já, cada agência deveria fazer um exame à sua auto-estima e redescobrir o valor da palavra "não". Mas, como ser dom quixote também não ajuda nos negócios, proponho que a APAP assuma de vez, nesta guerra, a sua missão de defender os interesses das agências, e comece a catequizar a APAN para o facto de que disciplinar os concursos também interessa aos clientes.
Para que inventar a roda? O velho fee de rejeição, já tantas vezes reivindicado, continua a ser a solução. Para garantir que a sua prática se generalize, a APAP deve promover a adopção colectiva de uma regra segundo a qual, em qualquer concursos, o cliente tem que pagar um fee (proporcional à dimensão do trabalho pedido) às três primeiras agências que convidar. Se outras agências, a convite ou por sua iniciativa, aceitarem entrar na competição, é com elas. Mas, pelo menos, o anunciante deixa claro que pesou bem a decisão de lançar um concurso, que entende os custos que ele implica para as agências e não os quer atirar para cima dos outros clientes. Além disso, mostra de forma transparente quem são as suas primeiras escolhas, eliminando suspeitas.
Porque suspeitas, nos concursos, é o que não falta. Suspeitas de cartas marcadas, de consultas realizadas unicamente por razões de política interna, para acomodar as indicações preteridas dos diversos poderes. Ou, pior ainda, suspeitas de directores de marketing a promover concursos só para se dar a conhecer, ganhar espaço nos jornais e poder junto das agências. Enquanto os concursos forem à borla, vamos continuar a sussurrar uns com os outros sobre essas coisas.
O mercado publicitário português, que nos últimos anos evoluiu tanto, já tinha a obrigação de ter ultrapassado isto. Senhores da APAP e da APAN, por favor, façam alguma coisa.
(Esta é a versão derramada de um artigo que saiu há algumas semanas, bastante mais curto, na revista Briefing)