22.12.03

A Era dos Autores

Pasmado com a velocidade a que eram editados novos livros no século XVII, Samuel Johnson considerou que a humanidade tinha entrado na Era dos Autores.

Que diria ele desta loucura dos blogues? Provavelmente insistiria em que esta proliferação de centros de proliferação de textos nos impõe a todos uma ética da concisão.

O respeito pelos outros e por nós mesmos impõe-nos que digamos depressa e bem o que temos para dizer.

Há mais gente na bicha.

Não se pode ter tudo

A notoriedade tem o efeito de projectar um poderoso holofote sobre algo ou alguém.

Isso faz ressaltar as suas qualidades, mas também os seus defeitos.

Atenção aos próximos episódios do fenómeno Santana Lopes.

Ex-libris

Desde o século 16, quando foi plantada pelos portugueses à beira da baía de Guanabara, Niterói (a cidade brasileira de onde mando notícias) sempre teve bons argumentos para atrair os visitantes. Localização invejável, praias fantásticas, paisagens de cartão postal. O único problema era que, ali mesmo em frente, do outro lado da baía, estava o Rio de Janeiro. Com uma concorrência assim, durante 4 séculos a cidade não teve muita chance de brilhar por si própria.

Até que entrou em cena o marketing - na pessoa de um nonagenário genial chamado Oscar Niemeyer. Por encomenda da Prefeitura (Câmara Municipal), o velho arquitecto desenhou num guardanapo uma espécie de disco voador levemente pousado na falésia, a que foi dado o nome de Museu de Arte Contemporânea, e assim deu à cidade o que toda cidade tem que ter: um ex-libris. O resultado: não só começaram a vir turistas do mundo inteiro, como o Museu - que enquanto museu não é assim tão extraordinário - foi adoptado como o próprio logotipo de Niterói. Para isso, nem sequer teve de ser estilizado. Com as suas formas simples, graciosas e ao mesmo tempo tão memoráveis, parece ter sido pensado de propósito para ser uma marca.

Aliás, reparo que essa é uma característica de vários projectos de Niemeyer. A catedral de Brasília, o palácio da Alvorada, o sambódromo do Rio de Janeiro, a igreja da Pampulha em Minas Gerais, todos têm essa forma simples e marcante que caracteriza um bom logo. Não admira que mais cedo ou mais tarde acabem por ser usados como símbolos dos lugares onde estão.

Exmo. Senhor Presidente da Câmara (qualquer câmara): se a sua cidade precisar de uma cara, e de uma cara que a torne famosa num minuto, não contrate o gabinete de design do primo do cunhado da irmã da sua mulher. Encomende um teatrinho, um museu, um estádio, uma capela que seja, ao Oscar Niemeyer. A identidade visual do município está incluída no preço.

20.12.03

Jeitinho brasileiro

De férias no meu país, tento ver alguma da boa publicidade que, espero, continua a ser feita no Brasil. Está difícil. No rádio do carro, na pouca TV que vejo, só me aparecem anúncios muito gritados, muito rasteiros, muito "varejo" - que é como se chama no Brasil a comunicação hardselling de saldos e promoções. Ou, então, o uso e abuso de celebridades - aquela forma fácil, muito prezada no país das novelas da Globo, de substituir ideias por caras bonitas, naturalmente com cachês muito simpáticos. Que distância, penso, daqueles anúncios tão chiques, tão elípticos, tão nórdicos, com que as agências brasileiras continuam a brilhar nos festivais internacionais.

Apesar de tudo, reconheço nos maus anúncios que vou vendo uma característica que para mim é o melhor trunfo da melhor publicidade brasileira - embora não necessariamente daquela que sai na Archive. Falo de uma absoluta falta de complexos em ser explícito, directo, ou em falar uma linguagem que toda a gente entende. Ao contrário do típico bom anúncio europeu, que torna virtude uma certa vergonha em ser um anúncio, as campanhas brasileiras não têm problemas em chamar as coisas pelo nome, vender com o à-vontade de um feirante. Quando alegres são abertamente alegres, quando sérias, deslavadamente melodramáticas. Assumem que publicidade tem que ser popular - e isso não é visto como um defeito. Para o pior, isto dá esta publicidade barulhenta e irritante que tenho visto nos últimos dias. Para o melhor, dá campanhas como a da Skol, a cerveja que, verão após verão, continua a descer redondo.

16.12.03

Cocoricó

Para o bem e para o mal, aquilo que fazemos costuma ter mais força do que aquilo que dizemos. Isto vale para as pessoas como para as marcas. Por exemplo: apesar de uma comunicação muitas vezes cinzenta, a trajectória do grupo BCP incluiu alguns dos casos mais brilhantes de construção de marca em Portugal.

Se a comunicação não foi decisiva para erguer esse património, agora está a dar uma valente contribuição para dilapidá-lo. Antiquada, distante, inverosímil e com um copy inacreditável (Cocoricó! Acorde para a vida! Ponha todos os ovos no mesmo cesto! Faça o seu dinheiro cantar de galo!), é um compêndio completo de como não se deve fazer.

O marketing do BCP sempre esteve alguns furos acima da sua comunicação. Agora, não. Com um nome ruim, um posicionamento inexistente, uma identidade visual tristonha e a comunicação que se tem visto, parece que é o BCP quem decidiu pôr todos os ovos no mesmo cesto. Para não sair do universo galináceo, só se pode dizer uma coisa: é pena.

O MARKETING TRAMOU O PAI NATAL?

Todos os Dezembros é a mesma cantiga: "O Natal não é mais o mesmo". "O espírito de Natal já não existe". "O comércio matou o Natal".

É compreensível. Bombardeada por jingle bells e pais natais em cada supermercado, pelo apelo implacável ao nosso consumismo, não há mística que se aguente. Para muita gente, é bem possível que a alegria de festejar, de repartir, já tenha sido substituída por um mecânico intercâmbio de compras: eu dou-lhe um CD, você dá-me um livro, estamos quites. Consumimos brinquedos, electrodomésticos, calorias e já está: para o ano há mais.

Até para as crianças acreditar é cada vez mais difícil. Como conciliar mistério e surpresa com uma lógica comercial que exige que vão elas próprias escolher na loja os brinquedos que viram na TV?

A tradição já não é o que era. Vai daí, fica a pergunta: alguma vez foi?

Todos nós temos uma ideia idílica dos "velhos tempos" – aqueles em que nada mudava e tudo estava mais próximo da sua verdadeira essência. Neste caso, esse tempo coincide com a nossa infância – aí, sim, o Natal era o Natal. O que raramente notamos é que, já então, os nossos pais viam as Festas como uma degenerescência. Para eles, o Natal dos seus filhos já nada tinha a ver com o verdadeiro – o da infância deles, é claro.

E a verdade é que não tinha mesmo. Objectivamente, o Natal mudou muito nas últimas décadas. De geração para geração mudaram costumes, símbolos e muito do famoso "espírito". O marketing obviamente teve tudo a ver com isso. Mas, por muito que o acusem, a sua maior contribuição não foi destruir rituais e mitos. Pelo contrário.

Tem dúvidas? Então pense naquele velhinho gorducho, de barrete vermelho e orlas brancas, a deslizar no seu trenó. O que seria do Natal sem ele, não é? Pois se não fosse o marketing, nem você, nem os seus pais, nem os seus filhos, jamais teriam ouvido falar dele.

A origem do Pai Natal é conhecida: do lendário São Nicolau foi pouco a pouco derivando por todo o lado a figura do velhinho distribuidor de prendas. Mas, tal como o conhecemos, ele só ganhou forma no início do século 19, quando o poema "An Account of a Visit from Saint Nicholas" popularizou na América a imagem do elfo bonacheirão, a precisar de dieta e com um fraquinho por chaminés. Se hoje o mundo inteiro o conhece assim, é porque ele logo se revelou para o comércio um verdadeiro presente de Natal.

Já há 200 anos o hábito de dar prendas na época das Festas tinha despertado o sentido de oportunidade dos comerciantes americanos. Em 1820 as lojas já faziam promoções especiais, e em 1840 havia secções nos jornais só para os anúncios ligados à quadra. O Pai Natal era a estrela de muitos desses anúncios – o que o tornou ainda mais popular. Em 1841, milhares de crianças acorriam a uma loja de Filadélfia para ver um Pai Natal "vivo". A moda dos Pais Natais de shopping, que nos parece tão recente, teve início há exactos 163 anos.

Visualmente, o Pai Natal ganhou a figura que lhe conhecemos em 1881, graças ao marketing da revista Harper’s Weekly. A ilustração de Thomas Nast para a capa fez tanto sucesso que voltou a ser publicada por vários anos seguidos. Foi aí que o Pai Natal ganhou o seu fato vermelho, a oficina no Pólo Norte e os anõezinhos.

O empurrão que faltava veio da publicidade da Coca-Cola, que a partir de 1931 globalizou um fenómeno até então principalmente americano. Em todo o planeta o velhinho torna-se sinónimo de Natal – e acreditar nele, o sinal característico da infância.

Como se vê, o marketing ajudou a dar ao mundo um belo ritual, uma mitologia cheia de significado. Um significado tão importante que até protestamos ao sentir que ele se está a perder. E o Natal não é caso único. O que seria das grandes celebrações desportivas sem as marcas que as apoiam e que se apoiam nelas? O que seria de rituais como o dia da mãe ou o S. Valentim, que de forma menos espectacular mas não menos importante ajudam a estruturar as nossas relações familiares e sociais?

O que certamente custa a aceitar, nessa forma de ver a interferência do marketing nas nossas tradições, é que nela se misturam espiritualidade e comércio, inocência e astúcia, espírito de Natal e espírito de iniciativa. Coisas que talvez gostássemos de imaginar hermeticamente separadas. Mas que, como a história do Natal demonstra, se misturam todos os dias.

E isso será bom ou mau? Para já, é a realidade – não há muito a fazer. Mas talvez possamos dizer que é mau quando a esperteza dos negócios nos leva a ver as tradições como um simples meio, um pretexto a mais para fazer barulho e chamar a atenção. Sempre que nós, publicitários e marqueteiros, fizermos assim a campanha, a promoção, o cartão de Natal da nossa marca, o tal espírito estará a morrer pelas nossas mãos. E, provavelmente, também estaremos a fazer mau marketing.

Felizmente, também se dá o contrário. Como o Pai Natal da Harper’s Weekly ou da Coca-Cola, pode ser que a nossa campanha capture como ninguém o que a festa tem de humano e verdadeiro. Quando isso acontece, não é o marketing que toma conta da festa – mas o inverso: com a ajuda de uma ideia feliz, voltamos a perceber o que significa um Feliz Natal.


(publicado inicialmente em www.theideafiles.com, em Dezembro de 2002)



15.12.03

Millennium

Millennium sugere um banco que faz planos para mil anos: uma expressão que transmite uma auto-confiança quase imperial, talhada na rocha, tipo senhor do universo. Millennium BCP recorda-me uma super-produção tipo Cecil B. de Mille.

Há aqui uma intimação de eternidade, porque um milénio para uma empresa é um horizonte sobre-humano, que pura e simplesmente escapa ao nosso entendimento.

Eis um banco que confia desmedidamente num projecto de futuro, todo apontado para uma dimensão histórica transcendente.

Compreendo como essa perspectiva pode ser exaltante para os seus accionistas, admitindo que a ideia lhes pareça realista.

Mas o que é há aqui para mim, pobre e pequeno cliente que pensa e aje numa desprezível escala de meses, talvez meia dúzia de anos? Que nasce, vive e morre, por assim dizer, enquanto o Millennium pisca um olho?

Como interessar-me eu um instante que seja por uma escala temporal aos meus olhos tão absurdamente dilatada? E como se interessará esse banco por alguém que, à sua escala, não conta mais do que para nós um efémero mosquito?

Estas são dificuldades reais para quem quer que queira comunicar de uma forma envolvente a nova marca do BCP. E não me parece que isso tenha sido conseguido transmutando miraculosamente os mil anos em mil sorrisos.

Como se uma coisa tivesse algo a ver com a outra. Como se fosse possível conquistar a simpatia do público com uma abordagem tão demagógica, tão patente e chocantemente falsa.

9.12.03

Eventualmente

Num notável artigo («Ventos, eventos e inventos»), cuja segunda parte saiu ontem no Público, Eduardo Cintra Torres mostra como a fragmentação da sociedade condiciona o modo como funciona a tv generalista e põe em causa a eficácia da publicidade tradicional.

Todavia, ele confunde evento com espectáculo e retira daí algumas conclusões equivocadas.

Todos os eventos são espectáculos, mas nem todos os espectáculos são eventos. Um evento é único e irrepetível e é aí que, explorando a curiosidade natural do público, reside o seu poder de atracção: não participar num evento é perder uma oportunidade que não volta mais.

A grande maioria dos chamados eventos promocionais não merecem, portanto, esse nome. São apenas mais uma actividade rotineira, concebida sem propósito claro nem fantasia, o que condiciona negativamente o seu impacto. Possivelmente, traduzir-se-ão num desperdício de tempo e dinheiro.

São, em suma, má comunicação de marketing.

5.12.03

Comentário aos comentários

A leitura de alguns comentários afixados neste blogue nas últimas semanas fez-me pensar que o processo de encontrar soluções é muito diferente do processo de encontrar culpados.

O segundo não interessa nada; o primeiro é vital.

O futuro constroi-se com ideias frescas, inovadoras e relevantes. Depois, logo se verá quem está do lado do problema e quem está do lado da solução.

O pai da criança de faca na mão

O primeiro artigo académico sobre segmentação dos mercados foi publicado em 1956 por Wendell Smith. No entanto, mais de vinte anos antes, uma brochura da J. Walter Thompson já expunha com grande clareza esse conceito.

Cada vez encontro mais provas de que o marketing moderno foi, de facto, inventado pelas agências de publicidade.

É verdade que já no princípio do século XX se publicavam livros sobre marketing e se ensinavam cursos de marketing, mas o seu conteúdo cingia-se a temas de distribuição e logística.

Diz-se frequentemente, com toda a razão, que o marketing não se resume à publicidade. Todavia, aquilo que se pode fazer em marketing é condicionado pela viabilidade de comunicá-lo eficaz e eficientemente. Talvez isso explique o papel pioneiro desempenhado pelas agências na emergência do conceito de marketing.

Agora, pergunto eu: acaso não será verdade que os especialistas de comunicação de marketing continuam hoje, pelas mesmas razões, a deter o mesmo papel chave no processo geral de marketing? Ou seja, não será um facto que, embora a comunicação não seja tudo, tudo em marketing é comunicação?

E, se assim for, não revela isto que os publicitários continuam, se forem capazes de valorizar o seu métier, a ter o queijo e a faca na mão?

4.12.03

Revolução

Houve um tempo em que o mundo se dividia em dois tipos de pessoas: emissores e receptores.

Not any more.

Desaparecimento em combate

A comunicação de marketing tornou-se progressivamente numa rotina anúncio/ press-release/ promoção.

Vai daí, perdeu a capacidade de morder.

Diluiu-se na paisagem.

Juro

Se isto fosse um país a sério, ninguém comprava pensos daquela marca que faz um spots de tv falados numa espécie de crioulo, provavelmente sonorizados lá para as bandas de Madrid.

Chama-se Evax, acho eu.

Por mim, juro que não volta a usar.

Proibido a menores

Em entrevista a Paula Moura Pinheiro, transmitida ontem pela RPL, Inês Pedrosa queixava-se da publicidade dirigida às crianças. Não se concebe, dizia mais ou menos a escritora, como é permitida num país democrático essa publicidade que reforça junto das crianças os típicos papéis femininos e masculinos. Não há nesses anúncios uma menina em situações de acção, nenhum menino a cuidar de um bebé. Depois admirem-se de haver tanta violência doméstica, de as mulheres continuarem docilmente no seu papel de vítimas.

O assunto é sério e delicado. Mas presta-se a estes raciocínios ingénuos, que, com a melhor das intenções, levam a sugestões perigosas.

Se bastasse uma boa dose de publicidade para pôr todos os meninos a pedir Nenucos ao Pai Natal, duvido que qualquer fabricante de brinquedos se ralasse com os estereótipos. Meninos ou meninas, que diferença faz, se comprarem o Nenuco? O problema é que não é assim que as coisas funcionam – como eu, que tenho um filho e uma filha, comprovo todos os dias. Por muito que custe aceitar, rapazes e raparigas têm em geral inclinações muito diferentes – e previsíveis. Talvez fosse do interesse social alguém contrariar essas tendências, ou mostrar às crianças que há diferentes formas de viver o próprio género – mas nem esse é o papel da publicidade, nem está ao seu alcance.

Não são os anúncios aos brinquedos que fazem os meninos e meninas serem como são. São os meninos e meninas que obrigam a publicidade a ser como é. Seria fantástico para os anunciantes que a publicidade tivesse os poderes que lhe atribui o pensamento politicamente correcto. Só que não tem.

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A queixa da escritora seria apenas o repisar de um velho cliché, não fosse o remédio que ela sugere: nada menos do que proibir esse tipo de anúncios.

Talvez Inês Pedrosa não desconheça que existem montes de livros infantis, a maioria até (e alguns nem sequer são maus), em que os típicos papéis femininos e masculinos são continuamente reforçados. Já agora, que tal se os proibíssemos também? Será que era isso o concebível num país democrático?

É claro que a exposição à publicidade, como de resto à comunicação em geral, tem os seus perigos para as crianças. Brincar no parque também tem. Por isso, quando os meus filhos brincam no parque eu quero ter a certeza de que há um adulto de confiança por perto. Também procuro estar atento ao que eles vêem na TV – não para impedir que vejam isto ou aquilo, mas para ajudá-los a ir distinguindo o bom do mau, o engraçado do idiota, a realidade da fantasia, o brinquedo que de facto querem do que nem por isso. Como não são esponjas, mas pessoas inteligentes, capazes de escolhas, pouco a pouco aprendem a separar o seu trigo do seu joio. Sempre com a ajuda dos adultos em volta.

Com publicidade ou sem ela, o que ameaça as crianças é não terem esse adulto por perto – quer estejam a ver televisão, a brincar no parque ou a ler um livro. Por outro lado, subtraí-las aos perigos desta vida (maus livros, má publicidade, má televisão, brinquedos estúpidos) não as livra do mal. Apenas as impede de criar os seus próprios anticorpos.

3.12.03

Perdidos e achados

Uma das graças disto de ter um blog é a gente entreter-se a descobrir de onde nos vêm os visitantes. Se alguns itinerários são óbvios – os que vêm dos blogs mais ou menos do mesmo género – outros, traçados pela grande loteria de Babilónia que são os motores de busca, vêm aqui ter nitidamente extraviados. Ontem, por exemplo, o artigo das "Mentiras e Porcarias" atraiu, através do Google, um visitante que andava à procura de… porcarias! Denunciado por esta simpática palavra-chave, eis o "Sangue Suor e Ideias" na categoria dos sites pornográficos. Vendo bem as coisas, sangue… suor… confesso que ainda não me tinha ocorrido.

Os motores de busca são o equivalente electrónico da associação livre psicanalítica. Como provam os visitantes desencaminhados que acabam por esticar a visita, extraviar-se é um dos prazeres da net – os motores de busca apenas introduzem método, aparência de objectividade, nesses ciberdevaneios.

Para quem, como a maior parte dos publicitários, passa a maior parte do tempo à frente do computador, os motores de busca tendem a tornar-se uma muleta inevitável para toda a actividade mental. Cada hipótese, cada fantasia que nos dá na telha pode ser imediatamente verificada, "para ver o que dá". Normalmente não dá nada – e ainda bem. Porque a tentação é cada vez mais substituir pelo motor de busca a necessidade de pensar. Precisa de uma ideia? Vamos ver o que é que há no Google.

Não é nada que já não tenha acontecido antes. Muito antigamente, ao conceber uma peça de comunicação, os publicitários tinham que imaginar as palavras e as imagens. Como as imagens eram inventadas nesse processo, era preciso fazer um boneco. Hoje os bonecos já não se fazem, procuram-se nos bancos de imagem. E quando se dá o caso (que se dá muitas vezes, acreditem) de o boneco encontrado não conferir com a ideia, nada mais simples: muda-se a ideia.

Parece-lhe a cauda a abanar o cão? A mim também. Mas é assim que as coisas funcionam nesta nossa Era dos Motores de Busca.

28.11.03

Mentiras e porcarias

Cena um.

Na introdução ao seu Relato de um Náufrago, Gabriel Garcia Márquez narra como o livro nasceu. Jornalista de vinte e poucos anos, foi procurado pelo tal náufrago que protagoniza a história, e que já se tinha tornado famoso com os anúncios feitos depois da aventura. Fizera um anúncio a um relógio, porque o seu não parara de trabalhar após vários dias no mar. Um anúncio ao sapato que levava, tão resistente que não o tinha conseguido comer. E muitas outras "porcarias da publicidade", segundo o romancista.

Achei graça ao ler isto porque a minha agência, há dois ou três anos, propôs uma dessas "porcarias" a um cliente. Durante alguns dias os jornais tinham falado de um windsurfista que se perdera no mar. Quando acabou por ser resgatado, narrou aos jornalistas como ficara angustiado por ver, lá longe, os helicópteros que andavam à sua procura, sem os poder avisar que estava ali. Nessa altura tínhamos um cliente que produzia telemóveis, e estava a lançar um desses modelos que resistem à água e às pancadas. Propusemo-lhe então um anúncio em que o nosso náufrago (que entretanto contactámos) contava a sua aventura, e lamentava não estar equipado com um daqueles.

O cliente, que a princípio adorou o anúncio, acabou por não o fazer – o que foi pena. O anúncio era uma boa oportunidade para a marca, mas acima de tudo era totalmente relevante para o consumidor. Comunicava um benefício verdadeiro e útil, fantasticamente ilustrado por aquele acontecimento inesperado e actualíssmo. Mas desconfio que se García Márquez o visse continuaria a chamá-lo da mesma forma: uma dessas "porcarias da publicidade".



Cena 2.

O filho de seis anos, que ainda não percebeu muito bem o que o pai faz para viver, dispara: "Pai, tudo o que os anúncios dizem é mentira, não é"?

O pai publicitário engasga. Por um lado, não quer ser visto pelo próprio filho como um vigarista profissional. Por outro, percebe perfeitamente o ponto de vista da criança, e nem lhe desagrada que ela comece a afiar um espírito crítico que lhe permita não querer tudo o que os anúncios vendem.

Entre uma ponderação e outra, a resposta do pai sai parecidíssima com as explicações do governo para o perdão ao défice franco-alemão.



OK, Garcia Marquez alinha com Cuba. OK, uma criança é uma criança, ainda não sabe distinguir com subtileza uma mentira deslavada de uma "truth well told" – aquela verdade um tanto tendenciosa, um nadinha exagerada, só um bocadinho enfeitada, que dá pelo nome de publicidade. Seja como for, ambos apenas dão voz ao senso comum. "Aquelas porcarias da publicidade" são, para a maior parte das pessoas normais, na maior parte das situações normais, um simples sinónimo de "publicidade". (As pessoas normais são as que nunca frequentarão blogues sobre publicidade).

Não estou dizendo nada de novo, eu sei, mas achei que vinha a propósito desta discussão sobre os saberes de agências e anunciantes. Há muitas coisas que eu sei que as agências não sabem e deviam saber. Mas se há algo que pelo menos as melhores delas costumam saber melhor do que os anunciantes, é isso: que a publicidade, na visão comum das pessoas comuns, é "uma porcaria", um amontoado de mentiras. Boa publicidade, publicidade verdadeira, é a que consegue superar esse pré-julgamento inicial e invertê-lo, tornando-se na excepção que sempre vai confirmar a regra. As agências estão bem mais preparadas para conseguir isso do que os anunciantes sem a sua ajuda.
Pelo menos até onde eu sei.

Falsa pista

Alguns comentários colocados nos posts recentes insinuam que a raiz da desconfiança dos gestores de marketing em relação às agências resulta de estas não se preocuparem com a eficácia das campanhas.

Não posso discordar mais dessa afirmação. Por muito estranho que pareça, a minha experiência ensinou-me que os publicitários estão usualmente muito mais preocupados com os resultados do que os marketers.

Aliás, uma coisa que durante muito tempo me surpreendeu foi notar que os anunciantes ou ligam muito pouco a isso ou recorrem a métricas standard comprovadamente inúteis, como é o caso do day-after recall.

Nos concursos, designadamente, as propostas quase nunca são escolhidas em função de algum critério relevante de eficácia, a não ser que se considere que perguntar a opinião a um focus-group é uma forma profissional e séria de avaliar campanhas.

Desculpem-me se ofender alguém, mas decerto não serão muitos: normalmente, os gestores de marketing não estão minimamente preocupados com este assunto. Se estivessem, organizariam o relacionamento com as suas agências de uma forma inteiramente diferente.

27.11.03

Puxem-me pela língua

«E então? Começamos por onde?»-Pergunta um leitor deste blogue num comentário que teve a bondade de colocar hoje.

Se eu tiver razão, se houver de facto algo que as agências sabem e que os anunciantes por regra não sabem, então a salvação é possível. De outro modo, eu recomendaria aos publicitários que migrassem para outras paragens.

O primeiro passo é identificar esse algo, coisa que me parece que ainda não foi feita com suficiente persistência e rigor.

Há hoje um conceito muito importante chamado «gestão do conhecimento». A velha ideia segundo a qual há umas pessoas que «sabem» e outras que «não sabem» é demasiado simplista. O conhecimento é uma coisa que anda muitas vezes por aí dispersa. Para explorá-lo devidamente é preciso começar por localizá-lo e caracterizá-lo, para depois valorizá-lo e difundi-lo.

Todos nós sabemos coisas que não nos apercebemos que sabemos e que, por conseguinte, não valorizamos suficientemente. Explicitar esses saberes é um passo indispensável para sermos capazes de vendê-los.

Ring a bell?

O que falta às agências

Diz-se (e é verdade) que posicionamento é aquilo que dizem de nós quando não estamos presentes. Sendo assim, é natural que os publicitários não tenham uma ideia clara do modo como as agências são percepcionadas pelos gestores de marketing.

Trabalhei muitos anos como gestor de marketing, depois dirigi várias agências, e hoje encontro-me numa posição de certa equidistância entre uns e outros. Talvez esteja, por isso, numa posição de observação privilegiada.

Posso por isso afirmar que: a) o problema é bem mais sério do que os publicitários pensam; b) não se resolve com recriminações; c) mais do que procurar culpados, o que importa é identificar estratégias de mudança.

Muitos gestores de marketing acham que a decadência das agências é irreversível, mas que daí não vem mal ao mundo. Naturalmente, os publicitários pensam o contrário, mas essa opinião vale o que vale, visto que são parte interessada.

Todavia, eu, que presentemente estou de fora (e que, por conseguinte, não sou suspeito de corporativismo) acredito que a perda de protagonismo das agências é um problema sério, na medida em implica a degenerescência da própria função marketing e a redução da capacidade de inovação das empresas.

Acredito que as agências sabem coisas que mais ninguém sabe. Acredito que dominam melhor a parte não racional do processo de marketing. Acredito que estão em melhores condições para combinar eficazmente a inteligência com a fantasia. Acredito que produzem ideias extremamente valiosas para o desenvolvimento dos negócios. Acredito, por conseguinte, que podem dar uma contribuição singular para o fortalecimento das empresas e das suas marcas.

Acontece, porém, que essa não é a percepção dominante e que, como todos sabemos, as percepções são, na guerra da comunicação, infinitamente mais importantes do que as realidades.

Que fazer? Essa é a questão que temos que começar a enfrentar.

26.11.03

Não anuncie aqui

Em miúdo, lembro-me de ler no reverso dos bilhetes dos autocarros: «Anuncie aqui».

Vi hoje a mesma frase escrita num placard afixado num parque de estacionamento subterrâneo, e já ontem a encontrara noutro colocado numa casa de banho de um cinema.

Isso fez-me pensar que quando vemos o apelo «Anuncie aqui» provavelmente não é boa ideia anunciar ali dado que, se fosse, o espaço não estaria livre.

Eis mais um excelente exemplo de um headline que diz exactamente o contrário do que o anunciante pretende dizer.

E, como este é dirigido aos próprios anunciantes, talvez os ajude a compreender como nós, os consumidores, às vezes nos sentimos.

24.11.03

UMA GUERRA PERDIDA?

Quando se toca neste tema entre publicitários, o comentário é sempre o mesmo. Que é uma guerra justa, mas perdida. Que em Portugal nunca se vai conseguir. Que, com a crise que por aí anda, os interesses individuais vão sempre prevalecer sobre o bom senso.

Pode ser que tenham razão. Mesmo assim, como o combate à praga dos concursos é não somente uma boa causa, mas uma questão de sobrevivência para as agências em Portugal, entendo que vale a pena voltar à tecla que tantos já martelaram. E convido ainda mais gente a engrossar o coro.

Como já dizia o velho Ogilvy, os concursos são maus. Não são um bom método de avaliação nem para os anunciantes nem para as agências. Sem fee de rejeição, são ainda piores: mau negócio à mesma para os anunciantes, suicídio puro e simples para as agências.

Quando uma agência consente em entrar num concurso com propostas completas, que lhe consumirão centenas de horas não remuneradas (apesar dos prazos, via de regra, ridiculamente curtos), está a ceder a uma lógica de desespero. Da parte dos anunciantes, a lógica é a do chico esperto. A empresa que se aproveita de uma situação de força face ao mercado publicitário para obter trabalho à borla sabe que não há almoços grátis. Alguém está a pagar os enormes recursos investidos pelas agências a produzir trabalho que, na maior parte, vai direitinho para o lixo. Quem paga? Os outros clientes das agências, é claro. O dinheiro que elas têm para produzir de campanhas descartáveis não tem outra fonte.

A consequência que nunca se tem em conta é que, quando por fim tiver seleccionado a sua agência, o promotor de um concurso também lhe terá que pagar mais, porque nessa remuneração estará embutido o trabalho grátis que a agência continuará a fazer para disputar novas contas. Assim, os concursos não apenas enfraquecem as agências, e por extensão a qualidade do serviço que prestam, mas também tornam esse serviço mais caro para todos os anunciantes. É o típico negócio em que todos perdem.

Isto pelo lado económico. Mas talvez não fosse grave, se os concursos fossem de facto a melhor forma de encontrar uma boa agência. O problema é que não são. Pedir a várias agências uma campanha acabada para descobrir qual delas merece a conta é a mesma coisa que fazer um filho com várias desconhecidas para decidir com qual se quer casar. Cada um sabe de si, mas parece-me que há métodos mais fáceis, fiáveis e até mais agradáveis para ambas as partes.

Se conhecer o trabalho já feito pela agência pode não ser suficiente (rentabilidades passadas não garantem rentabilidades futuras), é com certeza um excelente critério de pré-selecção. A partir daí, e prosseguindo a analogia do casamento, namorar um bocado é um bom método há muitas e muitas gerações. Conversar. Pedir a apresentação de cases, fazendo muitas perguntas sobre o raciocínio que levou a cada uma das decisões estratégicas, criativas, de mídia, de implementação. Fazer questão em conhecer as pessoas que de facto trabalharam nessas campanhas, para sentir a solidez dos seus critérios e o entusiasmo com que se entregam (ou não) a cada novo trabalho. Pedir-lhes que comentem também os seus erros, os inevitáveis flops que nunca mostram aos jornais, e o que aprenderam com eles. Perguntar aos actuais clientes da agência, mas também aos que se foram embora, o que ela tem de bom e de mau. Etcétera, etcétera, etcétera.

Estes métodos não são apenas menos danosos para as agências, são também mais fiáveis para quem queira não apenas escolher a próxima campanha, mas iniciar uma colaboração durável e proveitosa. Permitem ter uma noção bem mais próxima da realidade do que os concursos – situação totalmente artificial em que as decisões sobre o trabalho são tomadas quase sem contacto com o potencial cliente, com a agência a tentar angustiadamente adivinhar como é que ele julga, quais são os seus tabus e a sua cor preferida. Decifrar e seduzir o cliente torna-se mais importante do que resolver o seu problema de marketing – o qual, de resto, dificilmente é compreendido com a necessária profundidade num concurso. Os melhores anunciantes sabem que não é assim que nascem as boas campanhas. Nascem dum trabalho de equipa impossível de realizar com várias agências ao mesmo tempo, ainda mais se forem desconhecidas.

É claro que, na forma de selecção que estou a defender, o trabalho maior deixa de recair exclusivamente sobre as agências, sendo repartido de forma equitativa com os próprios anunciantes. O que só faz sentido. Afinal, são as suas marcas que estão em jogo. Será que não justificam o investimento?

Mas não sejamos dogmáticos. É verdade que algumas excelentes relações entre anunciantes e agências saíram de concursos. Se, por qualquer razão, um anunciante preferir esse método, pelo menos que o use de forma mais responsável do que tem acontecido em Portugal. É assustador o à-vontade com que alguns directores de marketing convocam todo o mercado publicitário para dar briefs a brincar - briefs em que ninguém pensou a sério e que em muitos casos nunca se vão transformar em campanhas. É preciso que, em conjunto, as agências e anunciantes de maior expressão comecem a disciplinar essa prática.

Para já, cada agência deveria fazer um exame à sua auto-estima e redescobrir o valor da palavra "não". Mas, como ser dom quixote também não ajuda nos negócios, proponho que a APAP assuma de vez, nesta guerra, a sua missão de defender os interesses das agências, e comece a catequizar a APAN para o facto de que disciplinar os concursos também interessa aos clientes.

Para que inventar a roda? O velho fee de rejeição, já tantas vezes reivindicado, continua a ser a solução. Para garantir que a sua prática se generalize, a APAP deve promover a adopção colectiva de uma regra segundo a qual, em qualquer concursos, o cliente tem que pagar um fee (proporcional à dimensão do trabalho pedido) às três primeiras agências que convidar. Se outras agências, a convite ou por sua iniciativa, aceitarem entrar na competição, é com elas. Mas, pelo menos, o anunciante deixa claro que pesou bem a decisão de lançar um concurso, que entende os custos que ele implica para as agências e não os quer atirar para cima dos outros clientes. Além disso, mostra de forma transparente quem são as suas primeiras escolhas, eliminando suspeitas.

Porque suspeitas, nos concursos, é o que não falta. Suspeitas de cartas marcadas, de consultas realizadas unicamente por razões de política interna, para acomodar as indicações preteridas dos diversos poderes. Ou, pior ainda, suspeitas de directores de marketing a promover concursos só para se dar a conhecer, ganhar espaço nos jornais e poder junto das agências. Enquanto os concursos forem à borla, vamos continuar a sussurrar uns com os outros sobre essas coisas.

O mercado publicitário português, que nos últimos anos evoluiu tanto, já tinha a obrigação de ter ultrapassado isto. Senhores da APAP e da APAN, por favor, façam alguma coisa.


(Esta é a versão derramada de um artigo que saiu há algumas semanas, bastante mais curto, na revista Briefing)

21.11.03

JÁ NÃO HÁ RESPEITO?

A oportunidade de negócio que apresentei no texto anterior mereceu dois comentários bastante convergentes. Aparentemente, as agências perderam o respeito dos clientes. Alguém pode me explicar por quê? (Eu tenho os meus palpites, mas gostaria de ouvir mais opiniões).

19.11.03

BILHETES À VENDA

Os anunciantes deste país andam a dormir. Estão a deixar passar uma senhora oportunidade de negócio.

Como é sabido, o que as agências de publicidade mais gostam é de um bom concurso. A prova? Basta um potencial anunciante disparar um fax ou meia dúzia de telefonemas e lá vêm elas todas a correr, acotovelando-se para participar, metendo cunhas para também ser convidadas.

A razão de tamanha sofreguidão tem o seu quê de enigma. Os concursos, que não custam nada aos anunciantes, são um investimento brutal para as agências – investimento sem retorno, por definição, para a maior parte delas. Além disso, as regras são obscuras, os critérios misteriosos, e invariavelmente há suspeitas de cunhas e favorecimentos. Se, mesmo assim, as agências se desunham para concorrer, é porque lhes está no sangue. Ou então, havendo pouco trabalho nestes tempos bicudos, foi a forma que encontraram de manter entretidos os seus desocupados profissionais. Trabalhar para o boneco sempre é mais divertido do que olhar para as paredes. Ou não?

Ora, aí está a oportunidade. Hoje, os generosos anunciantes, que têm o trabalho de organizar esses emocionantes torneios publicitários, estão a fazê-lo por puro amor à arte. Às vezes nem precisam de agência nenhuma: não têm ainda um brief bem pensado, não sabem se terão mesmo aquele budget para investir, não falaram no assunto com a administração. Apesar disso, sacrificam-se. Dão às agências a oportunidade de conhecer as suas maravilhosas instalações. Gastam tempo a ouvir-lhes as ideias (algumas das quais até podem fazer o favor de aproveitar, quem sabe?). Coleccionam os seus cartões de visita. E tudo isso, imaginem, sem cobrar um tostão! Dizem (mas eu próprio nunca vi) que há anunciantes que até pagam fees de rejeição às agências não seleccionadas. Tanta prodigalidade nos tempos que correm, o que diria a dra. Manuela Leite?

Com a recessão que por aí anda, desperdiçar um negócio como este é até pecado. Proponho aos anunciantes que não abram nem mais um concurso sem fazer com que as agências paguem por isso. Não falo de preços simbólicos como noitadas, ideias à borla, horas de trabalho e pilhas de material. Falo de dinheiro a sério. Quer entrar no meu concurso? Pague.

(Quando essa prática se generalizar, é natural que algumas agências já não queiram ir aos concursos. Das que continuarão a participar, também é natural que em pouco tempo algumas vão à falência. OK, nada é perfeito. Sobreviverão as melhores – ou, pelo menos, as com melhores contactos. E, com menos agências para os importunar, quem sabe se esses anunciantes que hoje se divertem a lançar concursos não ficam com mais tempo livre para, finalmente, pensar a sério nos seus problemas de marketing?)




Consolação para os azarentos

Porque é que Bach nunca compôs uma ópera?-Porque os seus patrões nunca lhe encomendaram uma.

Não são só os publicitários que têm dificuldade em manifestar os seus talentos quando não calha aparecer-lhes pela frente o cliente ideal: cheio de dinheiro, apreciador do talento e disposto a esperar o tempo que for preciso por uma ideia genial.

Como não podia fazer óperas, Bach compôs oratórios. Quando lhe faltava uma orquestra, escrevia (é verdade!) um concerto para cravo solista. Se o cliente sofria de insónias, propunha-lhe umas infindáveis variações (a Ofrenda Musical) que duravam até ele cair exausto para o lado. Se a moda era a música italiana, ele fazia uns pastiches de Vivaldi. E por aí fora.

Moral da história: quando o talento é real, encontra sempre alguma maneira de se manifestar.

18.11.03

Um esforçozinho mais

(Post dedicado a zuvi zeva novi)

Quando as audiências se fragmentam nós preocupamo-nos porque se torna mais caro atingir o público.

Mas deveríamos principalmente preocuparmo-nos porque, em consequência desse processo, o público deixa, na verdade, de existir.

Como assim?-É que o público é ele mesmo uma criação dos media.

17.11.03

Fama

Quanto mais se fragmentam os mass media e mais difícil se torna comunicar simultânea e coordenadamente com públicos de milhões de pessoas, maior a importância da fama, visto que quem a tem se torna num veículo privilegiado para atingir o tão cobiçado «grande público».

Essa é a razão pela qual, à falta de alternativas convincentes, as marcas cada vez estão dispostas a pagar mais para se associarem às vidas e às iniciativas dos famosos, por muito carentes de conteúdo que eles sejam.

Eu vejo aqui um problema. Mas, se calhar, também algumas oportunidades.

10.11.03

Menos retórica e mais serviço

«Por si, até onde for preciso»? Que exagero! Também não pedimos tanto.

Habituados como estamos à pouca atenção que os bancos nos prestam, bastar-nos-ia que melhorassem um bocadinho a qualidade do atendimento telefónico, que criassem sites fáceis de utilizar, que explicassem melhor que serviços financeiros têm para nós, que descomplicassem a apresentação das taxas ou que apresentassem os fundos de investimento numa linguagem acessível a quem não tirou um MBA. E, sobretudo, que se empenhassem menos em verder-nos faqueiros de prata, porque não é isso que procuramos num banco.

Muito francamente, a minha opinião como cliente de serviços financeiros é que os bancos estiveram nos últimos anos muito mais ocupados com coisas como a compra de outros bancos, fusões e aquisições, economias de escala, internacionalização das operações, cotação das sua acções em bolsas estrangeiras, e por aí fora, do que com os seus clientes.

Eu até sou um cliente compreensivo: entendo que tudo isso é preciso para assegurar a saúde financeira dos bancos portugueses. Mas, muito francamente, parece-me que se foi demasiado longe. E até receio que alguma degradação do serviço prestado, a meu ver generalizada, se deva à redução da competição entre bancos no território nacional em consequência do processo de concentração a que assistimos.

A minha sensação é que mesmo os bancos que se haviam revelado mais inovadores ao longo dos anos 90 voltaram a fechar-se na sua concha. Os gerentes de conta não só mudam constantemente como nunca estão disponíveis para nada, de modo que não vale sequer a pena tentar saber como se chamam. As filas crescem naqueles mesmos bancos que se gabam da rapidez do seu serviço. O dinheiro pode estar parado na conta à ordem, que nem assim alguém sugere alguma aplicação sensata e bem remunerada para ele. Quando queremos dar uma ordem pelo telefone mandam-nos ir à internet. Os call-centers só passam música de elevador e pedem para aguardarmos mais um quarto de hora. Não percebo nada dos folhetos que leio. Apesar de todos os investimentos em CRM, a atenção ao cliente é cada vez menor. Não tarda muito, voltaremos a entrar nos bancos de chapéu na mão, a falar baixinho para não incomodar e a pedir o favor de nos atenderem, como nos tempos da banca nacionalizada.

Há excepções, eu sei, mas são muito poucochinhas.

Que tal porem de parte slogans gratuitos em que ninguém acredita e tentarem mesmo, pela primeira vez desde há algum tempo, fazer algo para nos agradar?

7.11.03

EU FUI

Já tenho idade para me lembrar do primeiro Rock in Rio, cujo nascimento acompanhei mais ou menos de perto, nos idíssimos de 1980.

Na época, uma amiga mais lúcida do que eu falava daquilo como o triunfo do marketing. Durante 3 dias, milhares de pessoas vindas do Brasil inteiro (e é grande), tendo pago caro por um bilhete, deixavam o seu carro a quilómetros, andavam até um grande lamaçal e lá passavam algumas horas à chuva, a ver, num palco lá longe, uma programação musical bastante discutível, que de todo modo não se conseguia ouvir. Ficaram aborrecidas com isso? Fale com qualquer um que lá tenha estado e vai ouvir falar com saudade de um grande acontecimento, de um momento inesquecível da sua juventude.

A minha amiga falava do triunfo do marketing de forma pejorativa: está a ver como se consegue manipular uma multidão? Hoje, ao ver o Rock in Rio chegar a Lisboa, quase 20 anos depois e com o nome da cidade original (!), concordo que é o triunfo do marketing, mas não com o juízo de valor. Aquelas pessoas não foram manipuladas. O Rock in Rio deu certo porque deu àquele público exactamente o que ele queria. Algum rock, com certeza, mas não era isso o essencial.

O essencial é que todos nós queremos poder dizer mais tarde que participámos de algo grande. "Grande" estava, e na versão Lisboa constato que ainda está, no DNA do Rock in Rio. A meses de começar, o evento já é comentado como "o maior" do ano, de sempre, e por aí vai. A promoção tão antecipada, as grandes marcas que aderem, tudo isso contribui para reforçar essa imagem.

Eu vou? Provavelmente não. Mas seguramente vou estar outra vez muito atento ao Rock in Rio, para ver se aprendo mais qualquer coisa sobre marketing.

SERÁ DO ÁLCOOL?

Dizem – e eu acredito – que Portugal é um país de grandes vinhos. O que me custa a acreditar é que não se consiga promovê-los melhorzinho.

Lá fora, vai-se a qualquer loja de vinhos e encontram-se chilenos, argentinos, argelinos, australianos, espanhóis. Portugueses, só Porto. Tirando o Mateus, que joga noutro torneio, os vinhos nacionais não têm uma notoriedade nem um destaque minimamente proporcionais à imagem que por aqui temos deles. Porque será?

Não conheço muito bem o trabalho que se faz (ou não) para promover os nossos vinhos no mundo, mas se for tão bom como o que é feito no mercado interno, estamos feitos.

Agora, por exemplo, as ruas estão cheias de Mupis de vinhos. Devem ser vinhos excelentes – mas a publicidade é péssima. Não diz nada sobre o produto, não diferencia, não posiciona, não conta nada que interesse ao consumidor. Hoje vi um cartaz com o título em latim!

Vinho dá sono. Quando é que os vinicultores portugueses acordam?

4.11.03

Importa-se de explicar?

Francamente, não estava à espera que o post Importa-se de repetir? (ver abaixo) suscitasse tanto interesse.

O assunto pode ser pegado por muitos lados, mas o que me parece mais importante é que a campanha não tem uma promessa motivadora para o público a quem se dirige.

Algumas pessoas contra-argumentaram que pedir factura nem sempre implica pagar mais. Não vou discutir esse ponto, não porque ache que estão certas, mas porque ele não me parece essencial.

O problema de motivação que aqui encontramos, largamente tratado na teoria dos jogos, resulta de a acção individual de uma pessoa ser irrelevante para o resultado final. Assim, se toda gente decidir começar a pedir factura, é irrelevante que eu peça ou não peça; mas, se as pessoas continuarem todas a não pedir factura, também é irrelevante que eu peça. Logo, a decisão racional é eu não me maçar a pedir factura.

Notem que este tipo de situação é muito comum. Ocorre, por exemplo, quando as pessoas têm que optar entre deitar ou não um papel para o chão, arrumar ou não o carro em cima do passeio, meter ou não uma cunha para obter uma certa vantagem e, em geral, em situações em que não há nada a ganhar excepto a satisfação do dever cumprido.

O que isto demonstra é que, nestes casos, a repressão é infelizmente a única solução. A publicidade não é para aqui chamada, excepto para anunciar que a polícia está de olho nos infractores.

2.11.03

Importa-se de repetir?

Já viram a campanha do Ministério das Finanças para nos incitar a pedir factura pelos serviços que adquirimos?

A meu ver, ela só vem comprovar a preguiça mental de quem a encomendou e aprovou.

Senão, vejamos. Todos sabemos que pedir factura, na grande maioria das situações, não tem nenhuma vantagem para o consumidor. Em contrapartida, tem um grande inconveniente: com factura, o serviço fica mais caro, porque o fornecedor é obrigado a acrescentar-lhe o IVA.

Logo, o que a campanha verdeiramente diz, é: «Se você pagar o IVA, nós provavelmente vamos receber esse dinheiro». Como promessa, não está mal pensado.

Patrocínios bem bonitos, modernos, originais

Há dias, ao consultar o menú de um restaurante Pizza na Brasa, encontrei lá uma Pizza Ramazzotti e uma Pizza Fluxograma.

Pizza Ramazzotti ainda pode fazer algum sentido, mas Pizza Fluxograma? Esperem aí um bocadinho para eu acabar de me rir.

Vou escrever à Pizza na Brasa para lhes propor que este blogue passe também a patrocinar um dos pratos da casa: Pizza Sangue Suor e Ideias, querem provar? Não? Mas olhem que está de apetite!

27.10.03

Tem um minuto?

Antigamente, o que o marketing disputava era o dinheiro das pessoas. Dinheiro era o bem escasso – e era dele que a publicidade queria separar o cidadão. Hoje, pelo menos nos países ditos desenvolvidos, o bem mais escasso já não é o dinheiro. É o tempo.

Consumir exige tempo – e dá trabalho. Os anunciantes parecem os meus filhos pequenos: estão sempre a tentar chamar a atenção. E tome descontos, pontos para acumular, oportunidades a não perder, cupões a enviar.

Como dar conta de tantas ofertas? Acredito que até ganharia qualquer coisa se juntasse todos os pontos da Vodafone, todos os fascículos do DN, se aderisse já à Oni ou aos 250 planos especiais da PT. Não fazia era mais nada na vida. Por isso, como tantos outros consumidores, vou perdendo essas fantásticas oportunidades.

Tive disso uma aguda percepção quando conheci os bastidores dos concursos promocionais. Nas agências de publicidade "clássica", muitas vezes já havia criado temas para promoções e concursos, mas nunca me preocupara saber o que acontece depois. Até que pela primeira vez fui apresentado a uma empresa que, entre outras coisas, recebia os cupões, organizava os sorteios, distribuía os prémios.

Foi uma revelação. Como consumidor, nunca entrava nessas promoções por achar que a chance de ganhar era mínima. Descobri o contrário. Em muitos casos a chance era para lá de razoável, por falta de concorrentes. Vi viagens à Tailândia serem sorteadas entre dez gatos pingados. Scooters e fins de semana irem para instituições filantrópicas porque ninguém se habilitou.

É claro que, se toda a gente soubesse disso, todos corriam a participar. Certo?

Tenho dúvidas. Não tendo valor estatístico, o único caso que analisei – o meu próprio – faz-me pensar o contrário. Mesmo sabendo como é fácil ganhar concursos, continuei a evitá-los: mesmo a perspectiva de ganhar não valia o tempo investido a concorrer. Já bastam os formulários das Finanças. Só a perspectiva de um cupão inteiro a preencher já me dá arrepios.

É óbvio que o meu caso é só o meu caso. Mas ilustra esse consumidor, cada vez mais típico, que antes quer gastar dinheiro do que o seu escasso tempo livre.

Face a esse consumidor, as empresas terão cada vez menos sucesso se se limitarem a puxá-lo pela manga. É, novamente, como os meus filhos. Se tentam vencer pelo cansaço – a base de tantos planos de meios por aí – só me conseguem irritar. Mas se me tocam algum ponto fraco quando estou desprevenido, acabo por fazer tudo o que querem.

"Desprevenido" é a palavra-chave. Basta desconfiar que alguma coisa vai tirar "um minuto do seu tempo" para o consumidor se pôr em guarda. É o que acontece com aqueles folhetos que nos atulham a caixa de correio: reconhecíveis à distância, vão direitinho para o lixo. Um supermercado inglês fez diferente: o seu dropmail era a carta manuscrita de uma vizinha do bairro a fazer uma queixa. Segundo a carta, certos moradores da zona, já dados a festas até às tantas, iam exceder-se ainda mais se nada fosse feito contra a loja Tesco da vizinhança, que andava com bebidas a preços ridículos. Para provar o seu ponto, a indignada senhora juntava um folheto da loja, e pedia que todos lá fossem protestar contra uma promoção tão contrária à ordem pública.

Com uma ideia assim, quando o consumidor dá por ela, já está fisgado. E sem reclamar.

Ou seja: lá porque não tenho tempo para o seu anúncio, não quer dizer que não tenha tempo para a sua mensagem. Mas quanto menos parecer um anúncio, melhor.

25.10.03

Porque não?

Talvez nunca como hoje na história da humanidade se tenha falado tanto da importância da inovação empresarial como via para o progresso económico e social.

Porém, como muito bem sabem aqueles que trabalham em marketing e publicidade, nem sempre essa retórica se traduz em atitudes práticas. Na verdade, há boas razões para suspeitar que há hoje menos inovação genuina do que no passado.

Um dos problemas com que nos defrontamos é que, embora toda a gente concorde que as ideias são vitais para o sucesso das empresas, ainda ninguém inventou um método satisfatório de vender ideias.

Antes de o criador explicar a sua ideia, ninguém sabe se ela vale alguma coisa. Depois de ter explicado, já não é preciso pagar por ela.

Por isso, uma empresa não pode pagar as ideias uma a uma. Isso pura e simplesmente não é viável, porque não acautela os interesses do inventor.

Para os criadores, a única via aceitável consiste em pagar-se a sua capacidade de ter ideias, e depois exigir-se um fluxo razoavelmente contínuo de resultados. É assim que trabalham as agências quando contratam criativos. E é esse mesmo princípio que aplicam os anunciantes que sabem como tirar partido da sua agência.

Mas como é que alguém prova a sua capacidade de ter ideias? Uma empresa suíça saíu-se recentemente com um conceito interessante: abriu uma loja onde as pessoas podem apresentar um problema e, a troco de um pagamento, trazer de lá um embrulho com 10 possíveis soluções. É claro que a loja, em si mesma, não dá dinheiro; serve só para promover a capacidade da empresa.

Nalebuff e Ayres, dois professores americanos, tiveram uma ideia ainda melhor: montaram um site na internet onde propoem ideias sobre tudo e mais umas botas. Vá ver, quem sabe se não haverá lá algo para si.

23.10.03

Morte anunciada

As novas e ameaçadoras embalagens de cigarros já tiveram até direito a um debate (razoavelmente incompetente, mas isso é normal) na televisão.

A mim o que me fascina neste caso é a teoria da comunicação implícita professada pelos burocratas que conceberam a medida.

Em resumo, eles acham que, num processo de comunicação, o importante é aquilo que a gente quer dizer, e não o que a audiência está predisposta para escutar. Se o dissermos de uma forma suficientemente intrusiva, agressiva e persistente, as pessoas adoptarão naturalmente a nossa posição. Se isso fosse assim, qualquer ideia, por mais abstrusa ou criminosa, poderia ser imposta por via da publicidade; mas, felizmente, não é.

Eles acham que é a publicidade que obriga as pessoas a fumar. Por conseguinte, invertendo a perspectiva, também acham que deverá ser possível usar a publicidade como técnica de lavagem ao cérebro para obrigar as pessoas a deixarem de fumar.

A primeira coisa a notar é que as mensagens inscritas nas embalagens limitam-se a dizer o que todos os fumadores já sabem: o tabaco faz mal à saúde, e eventualmente pode propiciar doenças mortais. (Os textos dizem isto sob uma forma extremista, cientificamente falsa e insustentável.) Assim sendo, o facto de isso ser reafirmado em letras garrafais não afecta em nada o estado mental dos destinatários. Como muito bem disse o advogado Alves Pereira (é meu amigo, mas trata-se de um mero acaso), se os fumadores não alteram o seu comportamento não é porque não queiram, é porque não podem: eles são, tecnicamente falando, viciados.

Talvez se pretenda, então, vencer pela repetição, considerando que porventura a recordação dos malefícios do tabaco no momento em que o fumador puxa do cigarro funcione como um poderoso elemento dissuassor. Mas, das duas uma: ou o fumador se habitua à mensagem e nem a nota (uma vez habituado à sua presença, encara-a como aquilo a que os ingleses chamam wall-paper), e o seu efeito é neutralizado; ou acha-a tão desagradável que começa a usar uma cigarreira para não se sentir violentado por esse show de fealdade agressiva.

A conclusão é, a meu ver, óbvia: esta inovação é uma violência psicológica gratuita contra os fumadores, cujos resultados serão absolutamente nulos. O único lado positivo da iniciativa é poder ser usada pelos publicitários como um exemplo brilhante do que é comunicação incompetente que, por conseguinte, não funciona.

A santa sem cabeça

Na TSF ouço uma reportagem sobre a madona decapitada: uma imagem de Nossa Senhora criada por Soares dos Reis, a pedido uma confraria religiosa do Porto. O artista tomou como modelo "uma mulher portuguesa" (é o que se contava na rádio, como se fosse auto-explicativo; eu tive dificuldade em visualizar a imagem, mas isso não conta para a história).

Os senhores da confraria gostaram muito do trabalho, a não ser por um pormenor: a cara da senhora era demasiado vulgar para ser a mãe de Deus. Vai daí, zás: degolam a santa, mandando substituir a cabeça do escultor famoso pela do santeiro da esquina – uma perfeita cabeça de banco de imagens, convencionalmente celestial e inócua.

Moral da história: não são de hoje as dificuldades entre clientes e criativos. Também não é de hoje que alguns clientes, para melhorar o trabalho, não se lembram de nada melhor do que matar o macaco.

21.10.03

Porque é que é tão cool ser cool?

E o que tem isso a ver com a nossa "overcommunicated society"? Segue uma teoria.

O ideal de beleza feminina do Ocidente já teve como fisionomia a inocência, mais recentemente a entrega desfalecente ou provocadora. Nos últimos anos fixou-se na indiferença.

Aquelas adolescentes que desfilam na passerelle a sua voluptuosa magreza já não têm a boca entreaberta como quem está à beira de um orgasmo. Planam acima ou ao lado de tudo em absoluta catatonia. Nada lhes interessa. Nada as afecta. Podem explodir bombas, rebentar rebeliões como na Nigéria, no início deste ano, elas não estão nem aí. Quando se constata o massacre já embarcaram para Londres, já estão 8500 metros acima de qualquer emoção terrena. Cool.

Os nossos modelos são assim. Donde nós, que imitamos os modelos, também somos assim. E porquê? Porque se não soubermos ser cool, frios, indiferentes, não estaremos preparados para viver num mundo tão saturado de estímulos.

Numa aldeia de África, num bairro pobre da Bahia, no acampamento dos ciganos, ou mesmo, residualmente, em alguns cantos desta nossa Europa do sul, as pessoas são espalhafatosas, riem ou choram alto e na rua, comentam cada acontecimento, respondem com um abraço ou uma praga à chegada de qualquer estranho.

Nas ruas apinhadas do Ocidente desenvolvido nada disso é pensável. O ruído, o espalhafato está todo nos jornais, nas televisões, no "mercado" barulhento e hipersensível. Quanto às pessoas, o bonito é não se espantarem, nunca mostrarem o que sentem, não responderem a provocações. Passam pelos piropos, pelos paparazzi, pelas rivais, pela sandália que se parte diante das TVs do mundo, pelo que dizem as revistas, pelas modas, pelas guerras civis, pelos genocídios, sem nunca piscarem um olho. Isso é que é ser cool.
FUTUROLOGIA. Numa entrevista à Veja, Alvin Toffler prevê que a bigbrotherização do mundo será ainda mais imparável nos próximos anos. A culpada: a câmara digital. Não só governos, mas principalmente as grandes corporações estarão todo o tempo a espreitar-nos. Verão como escolhemos um produto no supermercado, ouvirão as nossas conversas com o empregado de mesa ou com os nossos amigos, tudo para conhecer até ao detalhe os nossos hábitos de consumo. Depois, essas informações serão vendidas a outras empresas, que assim nos conseguirão vender seja o que for.

Quem sou eu para dizer que não será assim. Mas aquilo que até agora se vê não mostra as tais grandes corporações com muito apetite para esse papel de Grande Irmão.

O problema não está nas câmaras digitais. Captar imagens de toda a gente em toda a parte não deve ser de facto muito difícil. A questão é o que fazer depois com tanta informação. Até agora, a passagem de um marketing "de massas" para um marketing mais personalizado tem sido tímida, sujeita a recuos e hesitações. E aqui "personalizado" diz respeito a grandes grupos de consumidores com certas características comuns. Analisar informação realmente individual, recolhida de forma não padronizada, é algo infinitamente mais complexo. Supondo que venha a ser possível, transformar todos esses dados em conhecimento útil para acções concretas de marketing é ainda mais complicado.

Sabe-se lá. Quem seria capaz de prever, há 30 anos, que todos nós teríamos um computador pessoal? Alvin Toffler foi. Mas quando o meu banco continua a me interromper o jantar para vender produtos que acabei de subscrever, ou quando a seguradora me manda 2 newsletters iguais , só porque tenho duas apólices em meu nome, só posso pensar que estamos muito, muito longe desse radicalíssimo marketing one-to-one.

17.10.03

O QUE SERIA DA ORIGINALIDADE SE NÃO FOSSEM OS CLICHÉS


Por muito que custe aos criativos publicitários, naturalmente obcecados por tudo o que é original, a publicidade não vive sem uma boa dose de lugares comuns. A reiteração de velhas fórmulas, mensagens e códigos é tão indispensável à comunicação como o seu oposto – a inovação. Sem criatividade, as mensagens gastam-se e cansam. Mas, sem um alto grau de mesmice, ficariam incompreensíveis para os consumidores, cuja cabeça muda muito mais devagar do que nós, publicitários, gostaríamos.

Normalmente, os criativos das agências estão sempre a puxar para o pólo da inovação, enquanto os anunciantes tendem a ser mais conservadores. Qual dos lados tem razão? Os dois, como é óbvio. Como é mais fácil arriscar com o dinheiro dos outros, é normal que as agências queiram ser mais ousadas do que os anunciantes. Aliás, é também para isso, para ajudar as marcas a não ficarem amarradas a um excesso de prudência, que existem agências e criativos.

Mas o dever de qualquer criativo é também perceber por que razão essas velhas fórmulas, mesmo tão surradas e monótonas, continuam a parecer eficazes. Serão mesmo tão poderosas que livrar-se delas é pôr em risco a força da comunicação?

Um caso que sempre me intrigou é o dos anúncios de detergente. Como telespectador, tenho dificuldade em encontrar coisa mais chata do que aqueles apresentadores vestidos de cientista, em "laboratórios" perfeitamente falsos, a anunciar com o ar mais sério do mundo a última revolução tecnológica que, agora sim, vai permitir que as cuecas do seu marido fiquem realmente mais brancas. E no entanto, as multinacionais que pagam por esses anúncios, e também pagam estudos caríssimos para verificar se eles funcionam, não são do género de rasgar dinheiro. Será que não temos remédio senão aceitar que esse tipo de comunicação é eficaz?

Para já, é importante lembrar que quando essas fórmulas começaram a ser usadas, não eram fórmulas. Eram um achado, uma ideia original e forte porque ia fundo na alma do consumidor. Ou, neste caso, da consumidora.

Estamos, por exemplo, nos anos 50. A briga das mulheres pela igualdade acaba de sofrer um retrocesso. Chamadas a ocupar o mercado de trabalho durante a guerra, têm agora que voltar para as tarefas domésticas. Mas, pelo menos, já têm uma consciência muito mais clara do estatuto que podem exigir.

O que os anunciantes de detergentes e produtos afins fazem, nessa altura, é dar a essa consumidora exactamente o estatuto que ela exige. Ela pode já não ser uma profissional fora do lar, mas o trabalho que tem a fazer em casa não é menos importante. Limpeza é coisa séria. Por isso, os produtos de limpeza serão anunciados por homens. E, para mais, cientistas, que além do óbvio prestígio social deixam a mensagem subjacente: o que está em jogo é a saúde da sua família – e a responsabilidade é sua.

Passado tanto tempo, o facto de essa mesma fórmula continuar a ser utilizada no mínimo dá que pensar. A explicação mais cómoda – e, nesse aspecto, mais conformista – é o conservadorismo dos anunciantes. Evidentemente ele existe, e às vezes é responsável por muitas asneiras – mas pode ser simplesmente uma medida de bom senso da parte de quem precisa vender numa sociedade também muito conservadora. Afinal, apesar das revoluções de superfície que vão acontecendo todas as semanas, os papéis sociais mudam muito lentamente. O papel da mulher dentro de casa é um deles. Para algumas marcas, encarnar o que muda nesses papéis é um bom negócio. Para outras, a oportunidade mais à mão pode ser justamente encarnar o que não muda. Esse lado imóvel existe, continua a haver consumidores que se identificam com ele, e assim essa publicidade jurássica – "má", para a quase unanimidade dos publicitários – pode ser eficaz, e portanto boa, do ponto de vista do anunciante.

Para os criativos isso não é boa notícia? Pois não. Mas entender as motivações dos anunciantes, ao invés de simplesmente reagir contra o seu "conservadorismo" com uma indignação que também acaba por ser um cliché, é um primeiro passo indispensável para quem pretenda persuadi-los a ir mais longe. E, depois, sempre resta um consolo: saber que, nas mãos de marcas mais atrevidas, essa comunicação feita de fórmulas e clichés é a matéria prima insubstituível para os melhores spoofs e caricaturas. Campanhas como a da Diesel, por exemplo – que, se conseguem comunicar com tanta força, é por poderem usar como alavanca precisamente essas velhas fórmulas.






SG Gigante. Li há dias uma entrevista em que um jovem publicitário que muito prezo se referia num tom depreciativo àquilo que chamava «o tempo do Silva Gomes, da Rosalina e do Guerreiro». Noutra altura hei-de escrever para dizer bem da Rosalina Machado e do Américo Guerreiro, mas hoje é mesmo do Silva Gomes que eu quero falar.

A ideia de que o mundo começou ontem é uma característica dos países subdesenvolvidos. Ano sim, ano não, descobre-se outra vez a pólvora e recomeça-se tudo de novo.

Os povos assim sabem, é claro, que têm uma história; mas, como crêem que as dificuldades actuais decorrem dos erros passados, não desconfiam que ela possa ter qualquer relevância para a resolução dos seus actuais problemas. A história é para esquecer, porque não passa de um repositório de experiências falhadas.

Entre nós, os profissionais do marketing e da publicidade sofrem de uma variante aguda deste mal. Por ignorância ou imperativo de afirmação, cada geração julga que descobriu a verdade e, por isso, acha-se no direito, senão no dever, de ignorar o trabalho das anteriores.

Dir-se-ia que, como cada um é livre de ter as opiniões que entender, trata-se apenas de uma questão de gosto pessoal. Se assim fosse, eu não perderia tempo com este assunto. Mas não é: quem ignora o que se fez no passado está condenado não só a repetir os seus erros como ainda a ter que dispender inutilmente tempo e energias a reinventar a roda.

Uma profissão é, mais do que um conjunto de pessoas, um património de ideias e experiências pacientemente acumulado ao longo do tempo. Por isso, uma profissão de gente que desconhece a sua história e que não venera os seus pioneiros é uma profissão de gente pouco competente, e, sobre isso, pouco estimável.

Vêm estas reflexões a propósito de António Silva Gomes ter lançado ontem um livro de recordações sobre a sua vida na publicidade. Como ainda não li o livro, não posso falar sobre o conteúdo, mas estou desde já certo de que, ao contribuir para preservar a memória colectiva de uma época, ele presta mais um inestimável serviço a todos os que trabalham nesta área.

Os ignorantes de hoje acham que isso nada interessa, porque a publicidade que então se fazia lhes parece ridícula. Eles não perceberam ainda que, vista a vinte ou mesmo dez anos de distância, quase toda a publicidade é ridícula, e aquela que ainda não o é, há-de sê-lo. Porque, não tendo a publicidade a capacidade de distanciação em relação à realidade que distingue a grande arte, ela tende a ficar prisioneira de modismos que se desvalorizam com extraordinária rapidez.

A humanidade é sempre ridícula, mas só se apercebe disso quando consegue ver-se à distância.

Do que a publicidade precisa cada vez mais é de gente com espessura, como o Silva Gomes é, não de cromos que ficam bem no retrato. Numa era em que muitos famosos se revelam perfeitas nulidades quando os conhecemos de perto, é bom haver gente como ele que é melhor quando nos aproximamos.

PS – Relendo o que escrevi constato que acabei por falar pouco do Silva Gomes, certamente menos do que ele merece. Há-de haver mais ocasiões.

16.10.03

Quando fui ver o correio, que emoção. Uma carta do Scolari! E era para mim!

Depois que me refiz, vieram as perguntas. O que é que ele queria de mim, exactamente? Ou, falando em marquetês, qual era o resultado esperado daquela acção de comunicação? E, supondo que havia um resultado esperado, como é que se teria a certeza de que fora atingido? Ou ainda: como controlar que esse investimento tinha dado retorno?

Tudo isso seria mera especulação de um publicitário que por acaso também pertence ao público alvo, como tantas vezes acontece, a não ser por um pequeno detalhe. É que, até onde consegui perceber, quem pagou a simpática cartinha do Scolari não foi o Scolari. Fui eu.

Só depois de receber a carta é que vi o filme correspondente. O filme está engraçado, foi o principal comentário que ouvi dos publicitários com quem falei. Eu concordo. O que não acho nada engraçado é pensar que o dinheiro do contribuinte é usado para acções sem um propósito específico. Acções que servem mais aos objectivos políticos de alguém do que ao interesse de todos.

No Público de ontem (15.10), Joaquim Fidalgo indignava-se com uma campanha que convida a "humilhar o melhor amigo" e "assistir a uma boa tareia". É não perceber nada de nada. Não digo não perceber nada de anúncios (nem quero entrar aqui no mérito da campanha). Digo não perceber nada de nada: da natureza humana, do que move as pessoas, da diferença entre jogo e realidade e da importância de haver essa diferença.
O que seria do futebol, do boxe, do bridge, se as pessoas não gostassem de assistir a uma boa tareia? Que seca seria se a selecção nacional, quando entra em campo, não quisesse eliminar o adversário, dar-lhe uma boa tareia, humilhá-lo em público com gols e jogadas que o pusessem em prantos. No final, todos trocam as camisolas, apertam a mão, a vida continua. Mas, até lá, a ideia é mesmo dar cabo deles.
Não é só que não haja mal nenhum: tem mesmo que ser assim. Essa tem sido a forma que a humanidade encontrou, desde que o mundo é mundo, para lidar melhor com os seus desejos mais intratáveis. Enquanto tento dar cabo do adversário com um taco de golfe, não estou a fazê-lo com uma granada. Enquanto estou a metralhar meia dúzia de inimigos na minha Playstation (ou no telemóvel, para voltar aos anúncios), não estou a fazê-lo na vida real. Isso, sim, faz toda a diferença.
O politicamente correcto que permeia o artigo lembra-me que em Portugal há muito medo de "brincar com coisas sérias". Perdi a conta de quantos bons anúncios já vi serem chumbados por isso. O humor, dizem esses anunciantes, é muito perigoso.

Ora, eu não acho. Não é perigoso gostar descomplexadamente de dar uma boa tareia num jogo de telemóvel. Perigoso é ter tanto medo dos impulsos, bons ou maus, que todos temos cá dentro, que nem se consegue brincar com eles. Levados tão a sério, é claro que são asssustadores.

Sr Fidalgo, descontraia-se. O humor não é perigoso. O mau humor é que é.

15.10.03




Marketing politico. Nicolas Rolin, representado nesta pintura de Van Eyck numa atitude de veneração à Virgem, dedicou quase sessenta anos (dos oitenta e um que teve de vida) ao serviço dos Duques da Borgonha. Durante os primeiros vinte foi seu conselheiro legal, sendo em seguida promovido a chanceler, uma espécie de superministro que acumulava as funções de ministro das finanças, ministro da administração interna e ministro dos negócios estrangeiros.

O seu senhor Filipe o Bom, Duque da Borgonha e Grão-Duque de Occident, embora nominalmente vassalo de Carlos VII, Rei de França, era de facto muito mais rico e poderoso do que ele.

Rolin, oriundo de uma família modesta de Autun, conseguiu usar o seu poder para acumular uma considerável fortuna. Era considerado um homem enérgico, autoritário e implacável. Os seus inimigos denunciavam os seus métodos políticos e criticavam-no por se ter aproveitado dos cargos que ocupava para enriquecer.

Como muitos outros novos ricos, Rolin compreendeu que o prestígio da arte pode ajudar a nobilitar uma carreira recheada de espisódios pouco dignificantes. Contratou então o grande pintor Van Eyck para executar esta homenagem à Virgem.

É no entanto evidente que a homenagem à Virgem é também uma homenagem ao próprio Rolin. Apesar da atitude de recolhimento adoptada pelo chanceler, o facto de ele se exibir no mesmo plano que a Mãe de Deus não deixa de exprimir uma certa ousadia. Na pintura medieval era normal a dimensão das personagens representadas depender da sua importância. Aqui, porém, insinua-se de uma relação de alguma igualdade entre as duas figuras representadas, envergando as suas melhores vestes, num ambiente muito palaciano e pouco divino.

Esta pintura encerra uma variedade de significados para os contemporâneos que eram chamados a contemplá-la. Uma parte desses significados são marcadamente políticos. Em primeiro lugar, trata-se de uma manifestação óbvia de poder, desde logo porque não era qualquer um que podia dar-se ao luxo de contratar um dos melhores pintores da época, mas também pelo facto de o quadro figurar a Virgem admitindo no seu convívio o chanceler. Em segundo lugar, há uma sugestão de intimidade que visa insinuar uma comunhão de propósitos: Rolin está ao serviço de Deus através da sua Mãe, de quem recebe directamente inspiração e ordens. Pretende-se assim legitimar a actuação política do ministro do Duque.

Esta obra de arte é também, por conseguinte, uma peça de marketing político com mais de seis séculos de existência, uma constatação talvez chocante para uma época como a nossa que às vezes parece julgar ter inventado tudo o que hoje existe.

Naturalmente, hoje em dia nenhum político teria o descaramento de procurar comprometer directamente Nossa Senhora com o programa do seu partido, porque isso cairia muito mal no eleitorado. O que prova que, afinal, sempre há algum progresso na história da humanidade.

14.10.03

Peripécias da globalização. Vi ontem um spot publicitário anunciando uma marca chamada "Loctite" (pronunciado mesmo assim). Mas acontece que nós em Portugal, ao contrário dos espanhóis, pronunciamos "Loctaite", de modo que é como se, por via de uma tradução feita no país vizinho, tivesse aparecido no mercado uma nova marca de colas.

Irá isto prejudicar as vendas da marca? Se calhar, não. Mas, entretanto, vamos dar todos uma boa gargalhada à custa da "Loctaite"!

12.10.03

Como são percebidas as agências. Quando um publicitário se mistura com os paisanos tem a oportunidade de aprender algumas coisas interessantes.

A mais importante e grave delas é que, hoje em dia, muitos anunciantes, desconfio que a maioria, não considera que a publicidade seja essencial para o sucesso das suas marcas.

Ao mesmo tempo, permanecem aferrados a preconceitos segundo os quais os publicitários seriam criaturas caprichosas, pouco profissionais e excessivamente bem pagas. São ideias erradas mas perigosas, porque agravam o problema principal mencionado no parágrafo anterior.

Os anunciantes confiam pouco na capacidade de elaboração estratégica das agências, por isso recorrem cada vez mais a consultores para analisarem a situação das marcas e planearem o seu desenvolvimento. Estes consultores são escutados pelas administrações, ao passo que as agências nem sempre conseguem dialogar sequer ao nível do Director de Marketing.

Às agências pede-se-lhes apenas que desenvolvam campanhas susceptíveis de gerar um elevado day-after-recall, ou seja, que logrem uma elevada visibilidade pública, que chamem a atenção para si próprias. A criatividade pretendida não tem que assentar em ideias estratégicas sólidas, mas apenas em graças ou gimmicks susceptíveis de prenderem a atenção do público.

A publicidade pode não ser vital para o negócio, mas é crucial para o sucesso profisisonal do Director de Marketing pela exposição pública que lhe proporciona. Este facto condiciona a selecção de uma agência e o processo de aprovação das campanhas.

Pessoalmente, considero injustas as percepções dominantes entre os anunciantes, mas não tenho dúvidas de que não podem ser ignoradas.

O problema é que, hoje em dia, não é claro para o mercado qual é o know-how específico das agências: o que é que elas sabem que os outros não sabem? Acredito que esse conhecimento existe e, pelo que tenho visto, estou certo de que as consultoras não o têm.

Não basta, porém afirmá-lo nestes termos. É preciso mostrá-lo e demonstrá-lo, pois ninguém está disposto a pagar aquilo que não vê.

Prometo voltar a este assunto.

8.10.03

Como é que eu sei? David Ogilvy tinha uma pergunta favorita que invariavelmente dirigia a alguém que lhe parecia afirmar mais do que estava em condições de justificar: «How do you know?» («Como é que sabes?»). O efeito desta interrogação é invariavelmente miraculoso: mais frequentemente do que seria de esperar, as pessoas não sabem do falam.

Para me proteger contra o mesmo mal, habituei-me a perguntar a mim próprio, cada vez que receio começar a descarrilar: «How do I know?». E não é que, muitas vezes, não sei mesmo?

6.10.03

Sexo, mentiras e publicidade. A publicidade é às vezes vítima dos mitos que ela própria ajuda a criar.

Assim, os leigos estão tão convencidos de que os apelos de carácter sexual ajudam a vender quaisquer tipo de artigos, e que os publicitários se valem disso para seduzir o público, que a União Europeia resolveu começar a estudar legislação destina a controlar a publicidade sexualmente agressiva.

Já todos sabemos que o sexo só deve ser usado quando for relevante para o terreno simbólico dos produtos ou marcas a promover. Mas o que eu agora gostaria de sublinhar é que, dentre todas as manifestações da cultura popular contemporânea (incluindo cinema, televisão, música, teatro, banda desenhada, literatura, fotografia, etc.), a publicidade é, sem qualquer dúvida, a mais conservadora no que à abordagem do sexo respeita.

3.10.03

Ciência, técnica ou arte? O marketing não é, obviamente, uma ciência. Não se pode todavia deduzir daí que nos encontramos no domínio da total subjectividade. Há muitas coisas que sabemos com um razoável grau de certeza; mas, sobretudo, sabemos que algumas coisas são impossíveis. Por exemplo, sabemos de ciência certa que não é possível reposicionar uma marca ao sabor dos nossos caprichos. Sabemos também que não está no poder da publicidade revolucionar as crenças e as atitudes profundas dos consumidores.

Quando digo que sabemos, seria talvez mais prudente dizer: algumas pessoas sabem, dado que não é isso que se propaga em inúmeros livros e cursos de marketing. Um exemplo: segundo os jornais, durante a campanha autárquica de 2001, Santana Lopes teria afirmado: «Vou tornar chique andar de transportes públicos». Para o público em geral, esta sentença atesta o génio de marketing do actual Presidente da Câmara de Lisboa; para quem tem algumas luzes sobre o assunto, prova que, independentemente dos seus outros méritos, ele não é um conhecedor da matéria.

Mas é um facto que o grande público, impressionado por mitos como o da publicidade subliminar, tende a crer que o marketing tem poderes ilimitados; e também é verdade que muitos profissionais de marketing também acreditam nisso. Se assim não fosse, como explicar a frequência com que fixam objectivos impossíveis de realizar, tais como recorrer à publicidade para «expandir a procura global da categoria», «dessazonalizar as vendas» ou «modificar a preferência de marca»? Aposto, aliás, que muitos pessoas estranharão esta lista, dado que também eles pensariam tratar-se de propósitos eminentemente respeitáveis e realistas.

Acontece, porém, que o pouco que sabemos sobre o comportamento dos consumidores sugere o contrário.

2.10.03

Maria João Freitas. A Maria João Freitas, uma das pessoas mais cultas que conheci na publicidade, escreve todas as semanas na Pública (a mulher do Público, não sei se conhecem) artigos maravilhosos sobre esta «arte comercial» que marcou indelevelmente a cultura popular do século XX.

Neles, a Maria João privilegia sobretudo a dimensão envolvente, fantasista e estética da publicidade, o que é perfeitamente compreensível quando se escreve para uma audiência não profissional.

Embora eu acredite que muito equívocos podem ocorrer quando a publicidade deixa de ser entendida como uma ferramenta de marketing e passa a ser considerada uma forma de arte, concordo que os publicitários também têm a obrigação ética de deixar o mundo um pouco mais bonito do que o encontraram.

Que mal poderá haver se, para além de impulsionarmos as vendas de uma marca, aproveitarmos de passagem para promover o bom gosto?

27.9.03

Portugal Trade. Já tenho dito que concordo com o abandono do programa Marca Portugal e sua substituição pelo apoio às marcas portuguesas. Não percebo, todavia, que utilidade tem para essas marcas a aposição da chancela Portugal Trade nas suas peças de comunicação no estrangeiro. Se, lá fora, ninguém sabe o que isso significa, que benefício retirarão daí a as marcas que a utilizarem? Se, em contrapartida, a ideia do ICEP for promover no exterior essa chancela, não estaremos de volta ao projecto da Marca Portugal, com todas as consequências que isso implica?

25.9.03

Marketing & Marcas. Já deveria ter falado disto há muito tempo, mas nunca é tarde para saudar a criação do suplemento Marketing & Marcas pelo Diário Económico.

Sempre me pareceu que o peso desproporcionado concedido aos temas financeiros e a pouca importância concedida ao marketing pela imprensa de negócios portuguesa reflecte uma realidade empresarial mais orientada para o negocismo de vistas curtas do que para a inovação e a ousadia.

Esperemos que esta iniciativa do Diário Económico possa contribuir para ajudar a corrigir este lamentável estado de coisas.
Será impressão minha? Cá para mim, aqueles espectaculares anúncios que a Nike ou a Reebok fazem sobre futebol não reflectem, de forma nenhuma, o espírito do jogo. Será por serem concebidos por americanos que se entusiasmam tanto com este desporto como eu com o basebol?
Xau ou BMW. Segundo Eduardo Cintra Torres, a perda de audiências da TV generalista sugere que o seu modelo está esgotado. Numa peça sobre a TVI, afirma que ela tem de decidir agora se pretende fazer programas para vender intervalos ao Xau ou para os vender à BMW.

Para responder a esta questão basta fazer algumas contas simples. Quase toda a gente compra detergente quase todos os meses. Em contrapartida, nem toda a gente compra automóveis, e os que o fazem só trocam de veículo de seis em seis anos. Isso quer dizer que, em cada dado mês, não mais de 2% das famílias portuguesas estão no mercado para comprar automóvel. E, dessas, quantas serão compradoras de um carro da gama alta?

Está decidido: a TV generalista opta pelo Xau.

24.9.03

Fixo ou móvel? A PT Comunicações tomou há algum tempo a decisão corajosa de enfrentar a progressiva perda de tráfego dos telefones fixos para os telefones móveis, uma tendência que, naturalmente, prejudica a rentabilidade do seu negócio de transmissão de voz.

A novidade desta iniciativa resulta principalmente de pôr em confronto duas unidades de negócio do mesmo Grupo (a PT Comunicações e a TMN), algo a que não estávamos habituados em Portugal.

Trata-se de um interessante e complexo problema de marketing, que durante as últimas semanas repetidamente propus a diferentes grupos de alunos.

Nunca é demais repetir que, para decidir o que será melhor fazer, é preciso começar por entender qual é o problema. Ora, todas as discussões em que tenho participado sugerem que não temos aqui um, mas vários problemas.

Em primeiro lugar, temos a situação daqueles jovens que, ao saírem de casa dos seus pais, entendem não necessitar de um telefone fixo. Assim sendo, nem sequer se lhes põe a opção de usar o fixo ou o móvel quando estão em casa, porque, pura e simplesmente, não têm telefone fixo. O argumento mais escutado a favor da decisão de não ter telefone fixo é o de evitar pagar uma assinatura cujo preço é percebido como demasiado elevada para um serviço entendido como não essencial. Para alterar esta situação, seria preciso primeiro persuadi-los de que vale a pena ter um telefone fixo em casa, uma tarefa que me parece bem difícil.

Distinta é a situação das pessoas que, podendo optar, ligam pelo móvel mesmo quando poderiam usar o fixo. Não se pode ignorar, porém, que essa escolha pode ter uma multiplicidade de razões. Há quem use o móvel porque não quer esperar que outra pessoa acabe de usar o fixo. Há quem use o móvel porque não quer que as pessoas que estão na sala ouçam a sua conversa. Há quem use o móvel porque tem preguiça de levantar-se da cadeira para usar o fixo. Há quem use o móvel porque ligar de móvel para móvel é mais barato. Há quem use o móvel porque tem agenda incorporada. Há quem use o móvel porque tem SMS. E por aí fora...

Em resumo, há pessoas que usam o móvel porque, apesar do preço ser mais caro, lhes proporciona vantagens de comodidade. Mas também há quem use o móvel porque é mais barato. E há ainda quem use o móvel porque dispõe de certas funcionalidades não disponíveis no seu fixo. Trata-se obviamente, de situações muito diversas, a exigirem estratégias diversas de marketing e comunicação.

Antes de continuar o meu raciocínio gostaria, porém de alargar um pouco o âmbito desta discussão. É que me parece que, bem mais grave para a PT Comunicações do que as pessoas ligarem do móvel quando estão em casa é o facto de cada vez mais gente não estar disposta a esperar até chegar a casa para fazer as chamadas que precisa de fazer.

Acho que este é que é o cerne do problema: o telemóvel alterou irreversivelmente a nossa relação com o telefone. Agora, não somos nós que temos que estar junto do telefone para podermos comunicar, é o telefone que tem que estar connosco, e já. Com o telemóvel, a comunicação tornou-se uma coisa imediata, rápida, não planeada. Não precisamos de nos dirigir a um telefone, porque o telefone está aqui na nossa mão.

O lugar do telefone na nossa vida mudou. Antes, o lugar onde estava o telefone era um ponto âncora da família e das nossas relações: o lar era o sítio onde estava o telefone. Agora, o telefone vai connosco para a toda a parte, é um instrumento deste nomadismo moderno e cosmopolita que nos permite manter intactas as nossas relações independentemente do sítio onde nos encontremos.

Durante algum tempo, as pessoas tinham relutância em usar livremente o telemóvel, porque sabiam que era mais caro; mas, agora, usam-no de forma cada vez mais impensada, mesmo não ignorando que continua, em muitas situações, a ser mais caro. É claro que é mais caro, exactamente do mesmo modo que a TV Cabo é mais cara do que a recepção por antena, mas o facto é que cada vez menos gente se rala com issso.

Com tudo isto, o telefone fixo tornou-se um artefacto obsoleto, uma coisa da avozinha, um resquício de um tempo que, embora possa despertar alguma nostalgia, já não existe. Este é que me parece ser o problema central que é preciso enfrentar.

Para resolver isto, desconfio que não será suficiente dizer às pessoas que as chamadas móveis são mais caras, algo que, para além de nem sempre ser verdade, as pessoas já sabem.

O que é necessário é reposicionar o telefone fixo. Mas será isso possível?

Em primeiro lugar, o telefone fixo tem uma série de vantagens inquestionáveis sobre o móvel. Por exemplo: praticamente nunca ocorrem falhas de cobertura ou de ligação; não corre o risco de ficar sem bateria; os telefones não se avariam com tanta facilidade; os telefones não são roubados com tanta facilidade; os telefones não se perdem com tanta facilidade; nunca se tem que pagar as chamadas que os outros nos fazem.

Para além disso, o telefone fixo pode ter hoje muitas funcionalidades a que se habituaram os utilizadores dos telemóveis. Assim, basta não terem fios para que possam ser usados pela casa toda, o que já resolve muitos problemas. Depois, podem ter voice mail, transferência de chamadas, agenda, SMS, indicação de quem está a ligar ou ligou, toques personalizados, etc., etc. Aparentemente, uma grande maioria das pessoas não sabe disso.

Tudo isto é interessante, mas não é, a meu ver, decisivo. O telefone fixo só pode regressar ao centro das atenções se for reposicionado como um artefacto inovador, com potencial para simplificar a nossa vida e torná-la mais agradável. E isso só pode suceder se o fixo for associado a soluções tecnológicas de vanguarda.

Muito mais haveria a dizer sobre isto; mas, para já, fico-me por aqui.

22.9.03

Mais uma vez Europe’s West Coast. O Publicidade off-the-record teve a amabilidade de transcrever algumas linhas do meu comentário ao artigo do Pedro Bidarra Europe’s West Coast.

Lamento no entanto ter que dizer que, ao contrário do Publicidade off-the-record, não vejo nenhum mal em um publicitário divulgar num jornal as suas opiniões, nem entendo que faça nenhum sentido atribuir-lhe a intenção oculta de denegrir um colega de profissão.

O Pedro Bidarra limita-se a exprimir as suas ideias, de resto de forma exemplarmente bem fundamentada, sem usar argumentos especiosos e sem atacar quem quer que seja de forma enviezada.

Temos que nos habituar à ideia de que uma discussão séria não é um jogo de soma zero, em que uns ganham e outros perdem. Um bom debate enriquece-nos a todos, porque todos adquirimos uma perspectiva mais profunda sobre as coisas, quer mudemos ou não de opinião. O mais importante não é sequer ter-se razão, mas sim ser-se capaz de confrontar racionalmente pontos de vista.

Além do mais, entendo que discussões assim valorizam os publicitários enquanto profissionais aos olhos do público e dos gestores de marketing.

Não podemos nem devemos partir do princípio de que, se alguém manifesta uma opinião contrária a alguém é porque quer prejudicar esse alguém. Devemos abandonar essa forma mesquinha de ver as coisas.

Pela minha parte, conheço o Jorge Teixeira, e tenho uma excelente opinião dele; e não conheço o Pedro Bidarra, mas admiro o trabalho que ele faz. Finalmente, conheço algumas das pessoas do ICEP responsáveis pela aprovação das campanhas, e também entendo que se trata de gente qualificada. Não foi para provar que sou mais esperto do que qualquer dessas pessoas que exprimi a minha opinião, mas apenas porque o tema me pareceu tão aliciante e o artigo do Pedro tão estimulante que a minha cabeça se pôs a pensar sem pedir licença.

Fulanizar o debate é descer muito baixinho, e estou certo que não seria essa a ideia do Publicidade off-the-record.

Por isso, já sabem que, quando no futuro eu criticar esta ou aquela estratégia, esta ou aquela campanha, isso não implica nenhum ataque pessoal. Às vezes também faço ataques pessoais, mas podem ter a certeza de que não são encapotados.

17.9.03

Cost per time engaged. Eis uma ideia nova que me parece interessante.

Em mercados de bens ou serviços de baixo envolvimento, os consumidores não estão usualmente interessados em mais informação sobre os produtos. Por isso, a única forma de fazê-los prestar alguma atenção é recorrer a alguma forma de entretenimento atraente para o público alvo em causa. Assim se consegue, como sabemos, o milagre de os consumidores interromperem durante 30 segundos o curso normal das suas vidas para assistirem a um spot publicitário de um produto trivial.

O resultado é que a marca é trazida para a frente da cena durante o tempo que dura a relação do consumidor com o anúncio, o que por sua vez aumenta a sua saliência no mercado. Em mercados de compra repetida de baixo envolvimento, isso pode ser suficiente para aumentar as taxas de experimentação ou consolidar a penetração da marca.

Ora bem, se assumirmos como objectivo assegurar que os consumidores se envolvam durante o máximo tempo possível com a nossa marca, torna-se claro que isso pode ser conseguido criando formas de entretenimento que durem não 30 segundos mas, idealmente, 30 minutos. É isso que justifica a crescente popularidade de técnicas de marketing relacional que exploram o impacto promocional de jogos interactivos que, ainda por cima, podem suscitar a criação de comunidades de consumidores que se mobilizam para levar a cabo em grupo as suas actividades favoritas.

Daí o surgimento de um novo conceito de avaliação de media: o cost per time engaged.
«Já só falta a sande» Basta uma frase assim num cartaz a promover a Mini e lá regressa, como um fantasma, a imagem da Sagres como a cerveja dos saloios. Descuido?

16.9.03

Portugal dos pequeninos. Não dispondo de verbas suficientes para fazer publicidade no exterior, o ICEP insiste em campanhas pueris de mobilização do país para tratar bem os estrangeiros, principalmente na sua qualidade de empregados de restaurante, polícias e bombeiros, como vemos na campanha em que Scolari convoca todos os portugueses para a selecção.

Assim, a função do ICEP parece ser principalmente a de apelar ao povo para que se porte bem ou, como li no jornal: «Apelar às pessoas para a responsabilidade da sua participação». Entre ICEP de hoje e o SNI de António Ferro (o verdadeiro inventor da marca Portugal) pouca diferença parece haver.

Não questionarei aqui o significado político destas acções de propaganda orientadas para a mobilização das massas, apesar de indiciarem um modelo de organização social de que frontalmente discordo.

A principal questão que agora quero levantar tem a ver com a eficácia extra-ideológica destes exercícios, ou seja, com a sua eficácia enquanto acções de comunicação de marketing.

Na minha cartilha, campanhas destas, primordialmente orientadas para a lavagem ao célebro, não têm qualquer eficácia. Mas talvez eu ande a ler os livros errados.

Sobre a promoção internacional do Euro 2004. Anunciam os jornais do fim de semana que a campanha interna e externa para a promoção Euro 2004 vai custar 3 milhões de euros, ou seja, 600 mil contos.

Seiscentos mil contos dá para fazer uma campanha fortíssima em Portugal, uma campanha jeitosinha em Espanha ou uma campanha invisível na Europa. Parece muito dinheiro, mas não é.

Se bem me recordo, o orçamento publicitário para a Expo 98 de Lisboa ascendeu a cerca de 8 milhões de contos. Em contrapartida, o da Expo 92 de Sevilha montou a 80 milhões de contos.

Estamos aqui, mais uma vez, confrontados com uma realidade que custa muito a entrar nas nossas cabeças: o país não tem dimensão nem, por conseguinte, recursos para fazer investimentos publicitários internacionais que se vejam. É claro que a raiz desta teimosia cega em persistir num caminho que custa dinheiro mas não nos traz nem fama nem glória reside na tentativa de nos colocarmos no mesmo patamar de visibilidade e projecção que a Espanha, um propósito antecipadamente votado ao fracasso, tal a diferença de escala entre os dois países.

Também segundo os jornais do fim de semana, a campanha internacional vai decorer nos meses de Outubro e Novembro, nomeadamente com anúncios duplos nas páginas das revistas Time, Newsweek, The Economist, Business Week e International Herald Tribune. Seria muito interessante ter acesso à avaliação deste plano de media mas, na sua ausência, dá vontade de perguntar duas coisas: a) Porque é que o plano privilegia publicações americanas (4 em 5), embora se subentenda que o anúncio só sairá nas edições distribuidas na Europa?; b) Que espécie de afinidade existe entre os leitores destas publicações e as pessoas que se interessam por futebol?; c) Porque é que não foram antes seleccionadas publicações desportivas?

Estas perguntas fazem especialmente sentido porque a campanha (cujo slogan é «In Portugal, extra time is always the best part of the game») é orientada para persuadir os adeptos do futebol que tencionam deslocar-se a Portugal a ficarem mais uns dias para conhecerem o país. Naturalmente, estas pessoas lêem mais La Marca ou L’Équipe do que The Economist.

Sucede, porém, que as minhas perguntas são retóricas, porque eu já sei a resposta. Muito provavelmente, a agência de meios que preparou o plano pensou nas mesmas coisas que eu, e noutras do estilo. Pura e simplesmente, o orçamento que lhes foi indicado não era suficiente para fazer um bom plano de meios.

Temos, assim, mais uma campanha internacional que vai ter um impacto negligenciável. É lícito concluir, portanto, que só se faz esta campanha para, cá dentro, os portugueses acharem que se está a fazer alguma coisa. Não fosse assim, teríamos toda a imprensa e toda a oposição a gritarem que o governo não faz nada para promover o Euro 2004.

Ora eu acho que tudo isto se baseia numa grande incompreensão do que é o Euro 2004 e das vantagens que tem para o país. A própria ideia de que é preciso investir para promover o Euro 2004 é absurda, dado que esse evento se promove a si próprio. Tal como, em 2001 e 2002, todos em Portugal sabíamos que a nossa selecção lutava para se qualificar para o Mundial da Coreia e do Japão, lá fora já toda a gente sabe que as respectivas selecções procuram apurar-se para o Euro de Portugal. Quem tiver dúvidas pode tirá-las ligando de vez em quando o canal Eurosport.

Acresce que esta publicidade grátis (mais correcto seria chamar-lhe publicity) se prolonga ao longo de horas e horas durante meses e meses em dezenas de países. É preciso ter consciência de que os menos de 30 milhões de contos que o Estado português gastou no Euro 2004 não seriam suficientes para pagar o espaço publicitário de que o país assim beneficia.

Neste contexto, que valor têm os seiscentos mil contos que o ICEP vai gastar?

Uma resposta possível é que as meras menções a Portugal apenas afectam a notoriedade do país, ao passo que a publicidade permite trabalhar a sua imagem. Mas alguém acredita seriamente que uma campanha que só é vista por uma parte ínfima do público alvo, e ainda por cima tão poucas vezes, tem algum poder real para afectar positivamente a imagem do país? Claramente, uma campanha assim encontra-se abaixo do patamar mínimo de visibilidade.

Pode o Euro 2004 atrair muitos turistas a Portugal? Claro que sim, mas o efeito principal não resultará do acréscimo de receitas das pessoas que virão assistir a jogos e que poderão ficar mais uns dias. Esses serão, no máximo, umas dezenas de milhar, número insignificante num país que é visitado anualmente por milhões de estrangeiros.

O principal efeito do Euro resultará da maior visibilidade de que o país beneficiará durante um período de tempo concentrado. Essa visibilidade traduzir-se-á em maior saliência, e levará mais pessoas a colocaram Portugal entre os possíveis destinos de férias. É um bocadinho como pôr o país numa montra, que é o modo essencial como a publicidade funciona.

Pode portanto o governo estar descansado que o Euro 2004 vai aumentar significativamente as receitas turísticas, sem que para isso precise de fazer seja o que for.